segunda-feira, 31 de dezembro de 2012


Sustentabilidade do dia a dia: rolha de cortiça
* Ecio Rodrigues
Cunhado durante a Conferência da Organização das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro em 1992, o conceito de Desenvolvimento Sustentável, até hoje, não foi inteiramente assimilado pela população.
Enquanto os empresários se apressaram em rotular de verde, ecológico e sustentável tudo o que produziam, na tentativa de não perder o bonde e as oportunidades de mercado, os ambientalistas, por seu turno, se esforçaram para atribuir ao conceito de sustentabilidade características inalcançáveis.
De maneira geral, para os ambientalistas, um produto sustentável tem que ter relação direta com a produção de pequena escala (quanto menor a escala, melhor) e o emprego de tecnologias rudimentares (quanto mais artesanal, melhor). Noções incompatíveis com uma demanda crescente e uma população mundial que vai beirar os 10 bilhões em 2020. Ah, sim, eles também acreditam que o mundo tem gente demais, por isso o controle de natalidade seria imperioso.
Todavia, sustentabilidade, ou desenvolvimento sustentável, diz respeito à capacidade de atender às demandas das gerações atuais sem comprometer a demanda das gerações futuras. Algo um tanto óbvio, mas de difícil tradução no dia a dia das empresas, famílias e governos.
A cada instante, são tomadas incontáveis decisões de consumo, que, embora tenham importância reduzida quando consideradas isoladamente, em conjunto podem levar o planeta para o rumo da sustentabilidade ou, por outro lado, para o agravamento da atual crise ecológica. Decisões simplórias, que podem ampliar o risco de ocorrência de tsunamis e tempestades violentas (como a recente Sandy, que devastou Nova Iorque) ou que podem trazer o tão esperado equilíbrio ecológico.
Decisões elementares de consumo, como escolher entre um vinho que foi engarrafado com uma rolha de cortiça e um vinho selado com rolha de plástico, seja gaseificado ou não.
A cortiça, uma matéria-prima de excelente poder de vedação e isolamento acústico, pode ser empregada em diversos produtos além da tradicional rolha, pelo que é mais conhecida. Na construção civil, em peças de decoração e utensílios domésticos, e até na poderosa indústria do automóvel, a cortiça tem utilidades sem fim.
A cortiça é produzida na Península Ibérica, no Sul da Itália e da França, e no Norte da África – regiões de influência do Mar Mediterrâneo, onde ocorrem os denominados Montados de Sobreiro. Os Montados são o resultado de um sistema de cultivo realizado há séculos, no qual as árvores de sobreiro (Quercus suber), que fornecem a cortiça, são consorciadas com outras espécies florestais e alguns animais domesticados.
A cada nove anos, em média, o produtor pode extrair do caule do sobreiro sua produção de cortiça – que é comercializada praticamente da mesma maneira que sai da árvore. Ou seja, todo o processo produtivo da cortiça é realizado sem a necessidade de aditivos químicos. Ademais, o manejo florestal do sobreiro para produção de cortiça é pouco complexo e não traz qualquer tipo de consequências para conservação da espécie.
Os portugueses são os maiores produtores mundiais de rolha de cortiça, atendendo a mais de 50% da demanda internacional. Eles têm se esforçado, numa campanha internacional, para convencer quanto às vantagens ambientais do emprego de rolhas de cortiça pela indústria do vinho – em relação às rolhas de plástico, cujo impacto dispensa comentários.
Cada vez que uma pessoa, no mundo, decide comprar um vinho em que a garrafa possui uma rolha de cortiça contribui para a sustentabilidade do planeta.
Muito simples, não? 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

terça-feira, 25 de dezembro de 2012


Sobre a pecuária na mata ciliar do rio Amazonas
* Ecio Rodrigues
Chama atenção o fato de que o diferencial que existe na paisagem das margens dos rios amazônicos diz respeito à intensidade com que a pecuária bovina de corte se estabeleceu numa ou noutra localidade. O que recorta a paisagem, para o observador que navega no rio, é o surgimento de trechos sem vegetação, ou melhor, sem floresta, mas com vegetação de pastagem (embora nem sempre se consiga ver os bois).
Para dar uma ordem de grandeza a essa diferença de paisagem, pode-se afirmar, com muita chance de acerto, que a pecuária ocupou a quase totalidade da mata ciliar do rio Acre, uma boa parte da mata ciliar do Purus e uma pequena área na mata ciliar do rio Amazonas (quando se observa o trecho entre as cidades de Itacoatiara e Urucurituba, por exemplo).
Encontrar as razões que justificam maior ou menor intensidade de ocupação pela pecuária na mata ciliar exige a realização de estudos mais acurados sobre a história econômica de cada um desses municípios, o que não é o caso.
Todavia, não há dúvida que duas variáveis são determinantes em relação a essa intensidade. E a primeira delas está vinculada à malha rodoviária existente na região.
Impressiona a amplitude do raio de influência de uma rodovia pavimentada. Seus efeitos transpõem os rios e igarapés e alcançam as áreas centrais da floresta. Há produtores que precisam levar a boiada por mais de oito horas de caminhada, até chegar à margem do rio e, daí em diante, embarcar os bois por mais um ou dois dias de navegação, para, aí sim, ter acesso à rodovia. Na estrada pavimentada, esse rebanho irá trafegar por mais de 10 horas, até chegar a um mercado consumidor mais promissor.
Difícil imaginar que haja alguma coerência econômica nessa prática, mas deve existir, pois o imperativo de mercado leva o produtor a achar que é mais vantajoso seguir o caminho da pecuária. A existência de uma rodovia pavimentada e que pode ser acessada pelos ribeirinhos, mesmo que esse acesso signifique um esforço exagerado e de economicidade questionável, promove a ocupação da pecuária na mata ciliar dos rios.
A segunda variável determinante para a presença da pecuária na mata ciliar é a proximidade de uma ou mais cidades de porte médio – com população superior a 200 mil habitantes e que conte com uma estrutura já consolidada de abate e comercialização de carne bovina. Ainda que essa estrutura se volte para o mercado varejista e não disponha de grandes frigoríficos e distribuidores para supermercados, o produtor consegue vender o boi a um preço que lhe parece atrativo, uma vez que os custos de produção são muito subestimados.   
No caso do rio Acre, essas duas varáveis (rodovia pavimentada e mercado consumidor próximo) são plenamente atendidas, e a influência delas deverá ser ainda mais sentida nos próximos anos, diante da pavimentação da BR 364 (que chegou até Cruzeiro do Sul no final de 2011).
Raciocínio semelhante pode se aplicar à realidade do rio Purus, onde tanto a rodovia quanto o mercado existem, embora em menor proporção que no caso do rio Acre. A promoção da pecuária naquela região conta com a importante contribuição do relevo e do solo do município de Boca do Acre, que apresenta condições propícias para a instalação dessa atividade. Por isso, o município possui o maior rebanho do estado do Amazonas.
Já no âmbito circunscrito ao rio Amazonas, a situação é diferente. Ocorre que não existe malha viária que ligue o estado a outras regiões do país. Embora a cabotagem fluvial seja intensa, a ausência de rodovia parece inibir, de alguma maneira, a atividade pecuária.
A íntima relação entre rodovia e pecuária na Amazônia é conhecida; a novidade é que essa relação alcança a mata ciliar, tornando o problema ainda mais grave. 
     
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


Castanheira em pasto entra para lista de casos insolúveis
* Ecio Rodrigues
Existe, poucos sabem disso, uma lista de problemas que, no Brasil, preferimos não resolver por simples falta de atitude, bom senso, pragmatismo, objetividade e mais um rol de coisas que faltam e que alguns preferem chamar de falta de vontade política. A castanheira que sucumbe em áreas de pastagem na Amazônia é um desses problemas.
Ainda na década de 1980, no auge da era do desmatamento para ampliação da fronteira agropecuária (mais pecuária que agro), a derrubada da castanheira, uma árvore milenar, costumava deixar a sociedade mais apreensiva que a derrubada da própria floresta.
Acontece que a castanheira, além de seus predicados ecológicos que são muitos e impressionantes, tem um valor econômico e social igualmente impressionante.
A castanha-do-brasil, que tem no Acre um dos seus maiores produtores nacionais (embora o mercado chame o produto de “castanha-do-pará”) não possui concorrente direto. Todos os anos, quem produz castanha comercializa toda a produção por um bom preço. Poucos produtos florestais, nem mesmo a borracha, possui a estabilidade e o valor de mercado da castanha.
Sob o aspecto social, nem se fala. A castanha é um produto típico da pequena produção e, melhor ainda, duma pequena produção que se encontra dispersa no interior da floresta e que tem na castanha um dos motivos para permanecer ali, reduzindo as graves estatísticas de êxodo rural.
Estudos no campo da socioeconomia, realizados junto a populações florestais do Acre, dão conta que mais de 40% da renda dessas famílias provêm da coleta e da venda da castanha.
Todavia, essa argumentação, que é válida para a castanheira que se encontra em franca produção dentro da floresta, perde todo o significado quando a árvore se encontra isolada numa área de pasto porque não pode ser, pela normatização vigente, derrubada.
De que adianta a legislação não permitir a derrubada da árvore, se essa árvore vai morrer em pé – uma vez que a espécie não resiste ao isolamento no pasto e, obviamente, à nefasta prática da queimada?
Esse é um lado do entrevero. Se a norma tinha como alvo proteger a árvore, diante do desmatamento e da queima realizados para a instalação da pecuária, esse objetivo não é atingido, pois a árvore morre de qualquer jeito. E mesmo que a castanheira consiga resistir, o que acontece vez ou outra, sua função ecológica, econômica e social não resiste.
Em termos ecológicos, a espécie deixa de fazer parte de um ecossistema no qual mantém relações com a fauna e com outras espécies vegetais, já que a árvore fica isolada no meio do pasto, onde só há capim e boi, duas espécies que, definitivamente, não fazem parte do nicho ecológico da castanheira.
Deixa de ter relevância social, pois a castanheira no pasto, em 90% dos casos, pertence a um latifundiário que não tem qualquer relação com a pequena produção, muito menos extrativista.
Perde o significado econômico por duas razões. Primeiro, porque sua produção no pasto se torna descendente, ano após ano, até não ser mais produzido ouriço algum. E segundo, mais importante, o pecuarista não quer saber disso, ele é produtor de gado e não de castanha; ao contrário, ele demoniza essa espécie que só atrapalha a sua vida.
Para completar, a espécie possui um valor inestimável como produto madeira. Estima-se que mais de 40.000 casas poderiam ser construídas com a madeira das castanheiras que definham nos pastos.
Enquanto a vontade política se perde no interminável calendário eleitoral, a castanheira continua morrendo no pasto.
     
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012


Mais recursos para Unidades de Conservação da Amazônia
* Ecio Rodrigues
Embora os incrédulos advoguem que o mundo não mudou após a Rio 92 (Conferência da Organização das Nações Unidas, ONU, sobre meio ambiente e desenvolvimento ocorrida no Rio de Janeiro em 1992), os resultados obtidos mediante os acordos assinados pelos países demonstram o contrário.
Três convenções foram firmadas pelos mais de 190 países associados à ONU (ou seja, praticamente o mundo inteiro). A primeira delas, a Convenção da Agenda 21, tendo enfocado os grandes problemas que afligem as cidades, voltou-se para a universalização do saneamento, redução e reciclagem do lixo, e criação de florestas urbanas.
Hoje, o acesso ao saneamento é questão de absoluta prioridade, e em quase todas as cidades do mundo existem programas de consumo consciente e de destinação adequada do lixo. Da mesma forma, ampliaram-se consideravelmente as áreas verdes nos centros urbanos.
Em relação à Convenção sobre Mudança do Clima não foi diferente. Essa convenção originou o Protocolo de Kyoto, acordo que estipulou a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, adotando como parâmetro os níveis de emissão medidos em 1992.
No caso dessa convenção, o objetivo era claro, por mais que fosse de difícil alcance. Os países comprometiam-se a lançar menos fumaça no céu, diminuindo sua produção industrial e agrícola – totalmente baseada no emprego de matérias-primas intensivas em carbono. Hoje, a denominada “economia de baixo carbono” difunde-se mundo afora e poderá, em breve, sobrepor-se ao aproveitamento de jazidas (como a do petróleo, por exemplo).
A terceira e última convenção assinada pelos países foi a da Diversidade Biológica – CDB, como ficou conhecida. A CDB direcionou-se para a conservação das espécies animais e vegetais, bem como para a concepção de tecnologias apropriadas ao uso econômico e sustentável da biodiversidade presente nos ecossistemas.
O braço executivo das convenções é a denominada Conferência das Partes (COP), assembleia que se reúne regularmente e que conta com a participação de delegações oficiais dos respectivos países-membros. No âmbito da CDB, a 11ª Conferência das Partes (COP 11) encerrou-se em 19 de outubro último, na cidade de Hyderabad, na Índia, tendo apresentado resultados promissores para a conservação das espécies e o uso econômico da biodiversidade no planeta.
Os países ricos (exceto, como sempre, os Estados Unidos, que também não assinaram os acordos originados na COP 10) comprometeram-se a duplicar as suas doações, considerando-se a média dos valores doados entre 2006 e 2010, para fins de implantação do Plano Estratégico de Biodiversidade.
Por dobrar as doações entenda-se o aporte de mais de 3 bilhões de euros, destinados ao cumprimento, até 2020, das metas estabelecidas no plano. Trata-se de um resultado impressionante, sobretudo diante da crise econômica que ainda atinge a Europa – o que evidencia a disposição dos países em contornar os efeitos da crise ecológica mundial.
De concreto, esses recursos serão usados para o estabelecimento de espaços territoriais para a proteção dos ecossistemas em todo o mundo. Significa dizer que mais unidades de conservação deverão ser instituídas, em especial em ecossistemas como os da Amazônia, de forma a garantir-se a proteção de áreas cobertas por florestas.
No total, 192 países participaram da COP 11. O acordo assinado por essas nações inclui obrigações como diminuir a pressão da fronteira agropecuária sobre as florestas e promover instrumentos para a conquista da sustentabilidade. Melhor ainda, os países adotarão sistemas que possibilitem o uso econômico da biodiversidade e o pagamento por serviços ecossistêmicos.
O mundo mudou; quanto a isso, não há dúvida.
     
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


 COP 18 pode ampliar Fundo Climático Verde
* Ecio Rodrigues
Festejando a menor taxa de desmatamento da história, desde que as medições foram iniciadas em 1988, o Brasil chega à COP 18 com autoridade para requerer maior empenho dos países desenvolvidos, no sentido de fazer com que o planeta caminhe rumo a uma economia de baixo carbono.
Divulgados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais, Inpe, os dados sobre desmatamento são realmente animadores. Foram desmatados, no período entre agosto de 2011 e julho de 2012, cerca de 4,6 mil quilômetros quadrados, uma redução sensível frente aos 6,4 mil quilômetros quadrados do período anterior.
Pela primeira vez, o total anual desmatado na Amazônia brasileira foi inferior a 5 mil quilômetros quadrados, o que é significativo e serve de parâmetro para as futuras medições.
Essa redução do desmatamento está sendo considerada como uma das mais alvissareiras notícias para a mitigação da crise ecológica planetária. Ocorre que, segundo cálculos realizados pelo Inpe, essa redução significa uma queda de 76% na contribuição brasileira para o aquecimento global – algo, sem dúvida, expressivo.
         O desmatamento aumentou em três estados apenas. No Tocantins, ampliou em 33%; no Amazonas, 29%; e, pasme-se, no Acre, o desmatamento foi ampliado em 10%. É possível explicar as razões para a elevação ocorrida no Tocantins e no Amazonas; mas o aumento no Acre, onde as taxas eram inferiores nos últimos anos, está intrigando os técnicos do Inpe, que não entendem o que aconteceu no estado.
Juntamente com diplomatas chineses e de outros países em desenvolvimento, os diplomatas brasileiros apertam o cerco para que os países desenvolvidos cumpram sua parte na redução das emissões de carbono, com um aviso claro: o país conseguiu reduzir o desmatamento, mas isso tem um custo, que precisa e deve ser repartido entre todas as nações do mundo.
Eles alertam que, se não houver um plano concreto e detalhado para a implementação do Fundo Climático Verde – no qual as nações ricas prometeram depositar US$ 100 bilhões anuais, a serem aplicados em investimentos para mitigação dos efeitos econômicos gerados pelas reduções de carbono –, a COP 18 será um grande fracasso.
Significa dizer que, independentemente das negociações sobre a validade vencida do Protocolo de Quioto (que, ao que tudo indica, será substituído por um novo acordo a entrar em vigor a partir de 2020), o subsídio financeiro dos países que mais poluem para ajudar os países em desenvolvimento a poluírem menos precisa ser acertado de imediato.
Não há, por parte dos países desenvolvidos, restrições políticas para a estruturação do Fundo Climático Verde. O que emperra o avanço das negociações é a situação econômica da Europa. Em resumo, parece que as discussões caminham para o reconhecimento da importância do aporte de capital, adiando-se, todavia, a realização dos depósitos para um período pós-crise.
Condição difícil de aceitar, uma vez que os agentes financeiros têm alertado que não há previsão para o encerramento ou a superação da crise econômica vivenciada na Europa.
Por outro lado, as organizações da sociedade civil e os ambientalistas em geral conclamam os países a investirem no Fundo Climático Verde, sob a condição de que esses recursos, ao invés de serem aplicados para comprar veículos para controlar o desmatamento, por exemplo, sejam usados na geração de energia limpa, sobretudo solar, eólica e de biomassa florestal.
Recursos financeiros que, uma vez investidos, possam fazer com que a economia de baixo carbono se torne realidade.
                 
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
                  

quarta-feira, 28 de novembro de 2012



I TecFlorestal 




A união de esforços entre a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre, Funtac, e a Engenharia Florestal da Ufac, permitiu conceber e executar o Primeiro Encontro de Tecnologia Florestal do Acre, denominado de TecFlorestal I.

Os encontros de Tecnologia Florestal irão ocorrer a cada dois anos, sempre na primeira semana letiva do segundo semestre acadêmico da Ufac, enfocando temas relacionados ao setor florestal e aos gargalos tecnológicos que emperram sua consolidação, como principal componente da economia no Acre e na Amazônia.


Com envolvimento intenso dos mais de 500 alunos do curso de Engenharia Florestal e a participação efetiva do pesquisadores da Funtac, os organizadores esperam poder apresentar aos interessados no setor florestal, o que existe de atual na geração de inovações tecnológicas que podem fazer com que a exploração florestal, tanto de madeira quanto a de outros produtos florestais, se realize de maneira a trazer maiores retornos sociais, melhoria da dinâmica econômica e, o mais importante, que essa produção florestal respeite os ideais de sustentabilidade atualmente preconizados no mundo.


Com o legado de quem trouxe inovações tecnológicas expressivas para a atividade florestal na Amazônia, como o advento da Reservas Extrativistas, o Manejo Florestal Comunitário de Madeira e o Manejo Florestal de Uso Múltiplo, os profissionais que atuam com ciência florestal no Acre vão poder discutir a importância da geração de tecnologia para a garantia do futuro do ecossistema florestal na região.


De 04 a 07 de dezembro de 2012, na Ufac.
Imperdível!

segunda-feira, 19 de novembro de 2012


Democracia americana e a hora no Acre
* Ecio Rodrigues
É difícil para a sociedade brasileira entender a democracia americana. Sempre que acontecem eleições nos Estados Unidos, como a imprensa nacional não consegue explicar os mecanismos adotados naquele país, fica a sensação de que o processo não seria plenamente democrático, em face da existência de um colégio eleitoral.
Nesse último pleito, que levou Barack Obama ao segundo mandato, os comentaristas chegaram mesmo a insinuar (com um gostinho de superioridade democrática tupiniquim) que os resultados da eleição poderiam levar ao questionamento do sistema eleitoral; é que, como a votação seria apertada, haveria o risco de o candidato mais votado pelo povo perder no colégio eleitoral – da mesma forma que ocorreu em 2000, quando Al Gore perdeu a presidência para George W. Bush.
Ora, em primeiro lugar, estamos falando de um sistema eleitoral instituído no século XVIII pelos chamados “Patriarcas Americanos”, os fundadores da maior e mais conceituada democracia do planeta. São regras que existem há mais de 200 anos e que resistiram a uma guerra civil sangrenta. Não existe possibilidade de serem revistas. Para os americanos, mais importante que as regras é a permanência delas – o que consolida as tradições e, em última instância, o sistema democrático. Por isso eles têm, desde sempre, uma única constituição.
Em segundo lugar, não é porque existe um colégio eleitoral que a democracia não se realiza de forma cabal. O presidente é, sim, eleito pelo voto popular – sem falar em todo o processo anterior às eleições propriamente ditas (as chamadas “primárias”). Contudo, a fim de se resguardar o federalismo conquistado a tão duras penas, elaborou- -se um mecanismo que também valoriza os estados. Assim, o partido que vence as eleições num determinado estado indica os representantes desse estado no colégio eleitoral, em número proporcional ao peso daquele eleitorado no conjunto nacional.
A um estado como Montana, por exemplo, cujo eleitorado corresponde a menos de um por cento do eleitorado nacional, cabe indicar três eleitores (o mínimo) para o colégio eleitoral; o partido que vence as eleições em Montana, mesmo que seja por um voto de diferença, tem direito a indicar todos os três delegados.
Em face do peso que é conferido aos pequenos estados para reduzir o impacto decorrente da diferença demográfica frente aos grandes estados, pode acontecer de um candidato obter (em números absolutos) mais votos populares e, a despeito disso, não ser eleger no colégio eleitoral. Sem embargo, trata-se de evento raríssimo, que só aconteceu quatro vezes em toda a história americana, e em eleições apertadíssimas. Nesses casos, os estados definiram quem seria o presidente.      
O absoluto respeito à vontade popular é o princípio em que se assenta a democracia americana. Cada estado federativo inclui na cédula eleitoral um conjunto de questões a serem deliberadas pela população, que vão de algo singelo, como a construção de uma ponte, a matérias complexas (e controversas), como a liberação da maconha e o casamento de pessoas do mesmo sexo. No frigir dos ovos, a escolha do presidente é só mais um assunto (importante, obviamente) a ser decidido pelo povo.
Essa inserção, no processo eleitoral, de consultas populares, sob a dimensão alcançada pelos americanos, é algo único no mundo. Como também o é a determinação de se mover todas as forças para que essas decisões sejam cumpridas.
E é aqui que chegamos ao horário do Acre. Difícil imaginar (no âmbito de nações democráticas, obviamente) algo tão agressivo à democracia, quanto o fato de a população de um estado aprovar nas urnas um referendo decidindo o seu fuso horário, e a decisão do povo ser desrespeitada de forma tão acintosa.
Como se fosse um conluio, o governo, a imprensa, a Ordem dos Advogados, o Ministério Público, as organizações da sociedade – todos, em suma, desdenham da democracia.

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Expedição analisa importância de Estação Ecológica para o rio Acre
* Ecio Rodrigues
Um grupo de 14 pesquisadores oriundos da Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre irá subir o rio Acre, até próximo à nascente, na fronteira com o Peru. A expedição, organizada por meio de uma inédita parceria com o ICMBio, integra as atividades de um trabalho que, sob o apoio do CNPq, estuda a interação entre água e floresta na Amazônia.
O principal desígnio da expedição, que terá uma segunda fase na época da cheia (em meados de abril de 2013), é a coleta de informações para subsidiar o manejo da Estação Ecológica do Rio Acre; por sua vez, o manejo poderá ser direcionado para a melhoria da quantidade e da qualidade da água que corre no rio Acre.
Trata-se, a estação ecológica, de uma categoria de unidade de conservação, inserida no grupo de proteção integral, de acordo com a definição da lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc); nas unidades de proteção integral, além da realização de pesquisas, só são permitidas algumas atividades com fins recreativos.
O que motiva a equipe de pesquisadores é justamente a possibilidade de introduzir, nas atividades da Estação Ecológica do Rio Acre, o serviço ambiental que a floresta pode prestar, de produção e purificação da água. Para se chegar a uma primeira avaliação sobre a importância da porção florestal ali presente para a manutenção do equilíbrio hidrológico do rio, um rol de 08 projetos de pesquisa foi engendrado.
Todos os estudos serão realizados na área de influência da mata ciliar, representada por uma faixa de 2 km de largura, paralela ao traçado do rio, em cada margem, no perímetro da área da Estação Ecológica. Nessa formação florestal serão medidas, por exemplo, unidades amostrais de Inventário Florestal, a fim de se chegar às 20 espécies de maior Índice de Valor de Importância (ou IVI-Mata Ciliar); essas espécies poderão ser empregadas em futuros projetos de restauração florestal.
A contribuição da biomassa presente na mata ciliar (originária das árvores, das palmeiras e da serapilheira) será analisada por estudos específicos, que possibilitarão calcular-se a quantidade de carbono retida nessa biomassa; da mesma forma, também será objeto de estudo o solo da beira do rio, que fornece sustentação para a mata ciliar.
Uma vez que no tratamento da água que chega à população urbana, a purificação representa o maior item de custo, um dos projetos de pesquisa irá se deter na análise da turbidez da água no interior da Estação Ecológica, a fim de detectar-se a influência da floresta sobre a pureza do recurso hídrico.
Por outro lado, como a quantidade de água que chega aos oito municípios localizados à jusante da Estação Ecológica é influenciada pelas características observadas na região da cabeceira do rio, também será quantificada a vazão apresentada pelo rio Acre na área abrangida por essa unidade de conservação.
O pioneirismo dessa série de estudos reside no fato de que, embora haja farta comprovação científica acerca da relação existente entre a quantidade e qualidade da floresta presente na mata ciliar e a quantidade e qualidade da água que corre no rio, essa interação entre água e floresta ainda precisa ser esmiuçada.
Mediante o detalhamento e especificação dessa interação, ou seja, mediante o cálculo de cada item de custo que envolve o serviço ambiental prestado pela floresta, de produção e purificação da água, será possível estabelecerem-se parâmetros para a precificação desse serviço.
Quando houver: (a) um preço a ser pago; (b) um pagador que se beneficia com a qualidade da água (as operadoras do sistema de abastecimento); e (c) um prestador desse serviço (que detém a área de floresta), haverá um mercado consolidado.
E chegar-se à concretização desse mercado – no qual o produtor que possui e mantém florestas recebe pela produção e purificação da água – é o que se espera de um futuro cada vez mais próximo. 

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
                  

segunda-feira, 29 de outubro de 2012


Sustentabilidade do dia a dia: palito de fósforos
* Ecio Rodrigues
No cotidiano dos indivíduos, inúmeras decisões de consumo são tomadas sem levar em conta certos requisitos relacionados à sustentabilidade. Ainda que, de maneira geral, as pessoas sejam sensíveis aos impactos ambientais decorrentes do modelo de desenvolvimento assumido pela humanidade, essa sensibilidade dificilmente se reflete nas pequenas decisões tomadas diuturnamente.
O que acontece é que, diante da generalidade do conceito de Desenvolvimento Sustentável – cunhado e negociado durante a conferência da Organização das Nações Unidas que ficou conhecida como “Rio 92” –, fica difícil para as pessoas interpretá-lo, ou melhor, traduzi-lo para a sua realidade diária.
Preocupados, certamente todos estão, mas são poucos os que possuem informações suficientes para converter essa preocupação em critérios, a ponto de influenciar uma decisão comezinha, como a compra de determinado utensílio doméstico. A bem da verdade, o movimento ambientalista deveria se voltar mais para incorporar a sustentabilidade no dia a dia das pessoas.
A sustentabilidade está relacionada à matéria-prima e ao processo produtivo aproveitados na fabricação dos bens de consumo. Dessa forma, pode se dizer que os critérios que informam a condição de sustentabilidade dizem respeito à origem da matéria-prima e ao tipo de tecnologia que é empregada na manufatura ou cultivo de um produto.
Evidentemente, não basta se imputar a rotulagem de “verde”, “ecológico” ou “sustentável” para resolver-se o problema do impacto ambiental embutido em determinado processo produtivo.  
Não é porque se confere, por exemplo, a designação de “boi verde” a um rebanho bovino (em função de alguma condição aleatória), que a respectiva criação de gado, uma atividade que se caracteriza pela conversão da floresta em pastagem, pode ser considerada sustentável. Para a realidade amazônica, aliás, é impossível arrogar-se à pecuária qualquer atributo de sustentabilidade.
Sendo assim, sob o ponto de vista da sustentabilidade, a decisão, em tese singela, entre comprar palitos de fósforos ou isqueiros embute a análise de uma série de elementos relacionados à matéria-prima e ao processo produtivo desses artigos, de forma que a escolha recaia sobre o apetrecho mais adequado aos ideais do desenvolvimento sustentável.
No caso, a decisão acertada para a sustentabilidade é o palito de fósforos, porque para a fabricação desse produto utiliza-se a madeira, uma matéria-prima que é renovável, ou seja, que pode ser cultivada. A Populus nigra (ou “álamo”, como é comumente conhecida), espécie empregada na produção de palitos de fósforos, pode ser plantada aos milhares para atender a toda a demanda por acendedores que há no mundo.
Já o isqueiro pode ser considerado o típico exemplo de um produto que deveria ser (e certamente será) banido do sistema econômico. Quase toda a matéria-prima empregada na fabricação do isqueiro não é renovável e, o mais grave, é intensiva no elemento químico carbono, principal causador do efeito estufa e do conseqüente aquecimento global.
Desde a cápsula que armazena o gás, que é fabricada em plástico ou outro derivado de petróleo, passando pelo próprio gás, e chegando até a pedra que faz a faísca e a válvula que regula a chama – esses artefatos são derivados de jazidas, matérias-      -primas não renováveis, que um dia irão se extinguir. Ademais, ao ser descartado, o palito de fósforo se degrada no meio ambiente, o que não acontece com o isqueiro.
Usar palitos de fósforos como acendedor: essa singela decisão de consumo ajuda o mundo a ser mais sustentável. 
     
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 22 de outubro de 2012


A Funtac e a sustentabilidade no Acre
* Ecio Rodrigues
Que está na tecnologia a resposta para chegar-se a um processo de ocupação produtiva, na Amazônia, que seja adequado aos ideais de sustentabilidade preconizados pelo mundo, não há a menor dúvida.
No entanto, converter-se a demanda por tecnologia em algo concreto é o que difere os países, as regiões, os estados federativos. E nesse ponto, Brasil, Amazônia e Acre deixam muito a desejar.
Por algo concreto, pode-se entender o investimento público e privado (muito estatal e quase nada empresarial para o caso amazônico) em quatro itens fundamentais, sem os quais não haverá tecnologia para ajudar a sociedade a resolver os percalços que surgem na busca pela sustentabilidade.
O primeiro item se refere à existência de pelo menos uma instituição para amparar as pesquisas, instalar laboratórios, fornecer estrutura física, enfim, dar suporte ao desenvolvimento de inovações tecnológicas. Uma instituição que proporcione o que os sociólogos chamam de “meio de cultura” para a tecnologia.
O segundo item diz respeito ao investimento em formação e salário dos pesquisadores. O meio de cultura será mais ou menos propício à concepção de tecnologia, dependendo, obviamente, do nível de formação dos indivíduos que atuam na área e da sua remuneração.
Mas, para além do salário dos pesquisadores, tecnologia também requer recursos anuais para investimento e custeio que não podem, em hipótese alguma, estar sujeitos a qualquer solução de continuidade. Recursos que devem ser planejados, por períodos previamente definidos, sob todas as garantias de que serão providos quando forem demandados pelos experimentos tecnológicos. A garantia de capital anual e permanente é o terceiro item crucial para a inovação tecnológica.
Finalmente, para a concepção de soluções tecnológicas que conduzam a Amazônia na direção da sustentabilidade é necessário haver consenso sobre o tipo de tecnologia buscada. Não adianta, por exemplo, resolverem-se os problemas tecnológicos concernentes à viabilidade da pecuária bovina, uma atividade intrinsecamente insustentável. A elaboração de preceitos que orientem a pesquisa tecnológica é, portanto, o quarto elemento para a tecnologia da sustentabilidade.
Sob ligeira análise, poderia ser dito que tudo isso ocorre no Acre. A Fundação de Tecnologia do estado, Funtac, está completando 25 anos de criação. A instituição abrigou e ainda abriga muitos profissionais com formação superior e elevado nível técnico. Por outro lado, existe, no estado, um fundo de apoio às pesquisas e uma política estadual de ciência e tecnologia.
Mas não é bem assim. A Funtac não tem o apoio que deveria ter, carece de laboratórios, de estrutura e, o mais grave, o órgão conta com menos de 10% da quantidade de pesquisadores que necessita. Igualmente, o fundo estadual não garante nem 10% dos recursos financeiros anuais exigidos pela demanda por tecnologia. Enquanto que não se sabe por onde anda, ou que fim levou, a política estadual de ciência e tecnologia.
Em meio a um ambiente desfavorável, em que à produção de tecnologia não é conferida qualquer prioridade, a Funtac, como instituição, e as pessoas que todos os dias ajudam a mantê-la merecem mais que parabéns pelos 25 anos, merecem medalhas.
Seria difícil computar-se a grande contribuição prestada pelas instituições envolvidas com o tema da pesquisa tecnológica na Amazônia para a conquista da sustentabilidade na região.
Mas uma coisa é certa: numa lista das três instituições amazônicas com maior currículo para a sustentabilidade, a Funtac constaria lá.

* Ex-presidente e admirador assumido da Funtac. Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Sobre a alagação de 2012 na várzea do Rio Amazonas
* Ecio Rodrigues
Em 2012, a cheia do inverno amazônico foi alçada à condição de alagação em diversas cidades da região. Os rios Acre e Purus castigaram as cidades de Rio Branco e Boca do Acre, respectivamente. Da mesma forma, o rio Negro inundou Manaus, e o Amazonas chegou às praças de municípios ribeirinhos, como Itacoatiara e Urucurituba.
Conforme asseguraram os estatísticos que monitoram os rios na Amazônia, chegou-se aos mais altos níveis de vazão, ultrapassando-se em muito a cota de transbordamento. Um novo índice começou a ser medido: o tempo de duração da alagação.
Acontece que quem ficou alagado, permaneceu assim por mais tempo que o habitual, porque a alagação durou mais de um mês. Os produtores ribeirinhos que ficaram alagados viram seus cultivos serem sacrificados, pela submersão e pela força da correnteza, durante muito tempo.
Ainda agora, no mês de setembro – quando o problema em alguns rios dessa exuberante bacia hidrográfica passou a ser a falta d’água, sob riscos elevados de ocorrência de secas extremas e de colapso no abastecimento urbano –, perdas irreparáveis são facilmente observadas. Essas perdas dizem respeito ao estrago que a água fez ao deixar submersa a produção praticada na beira do rio.
Em geral, as unidades produtivas existentes às margens do Amazonas praticam o cultivo familiar de alguns produtos agrícolas (milho, arroz, feijão e macaxeira), bem como a extração de alguns produtos florestais (como os frutos e o palmito do açaí e de outras palmeiras).
No entanto, a perda mais expressiva sofrida pelos ribeirinhos, na ausência de uma ocupação mais expressiva pela atividade pecuária, ficou por conta dos prejuízos nos cultivos de cacau.
Tanto os povoamentos mais antigos, cujas árvores foram plantadas ainda no início do século passado, quanto os mais recentes, foram reduzidos à metade. Não será exagero se falar em perda de 50% nesses cultivos.
A despeito de se caracterizarem por elevada rusticidade, os pés de cacaueiro não resistem à submersão por longo período, como ocorreu nessa última alagação. Todos os frutos que estavam em altura mais baixa e que permaneceram debaixo d’água por alguns dias apodreceram.
Além da submersão, a ampliação da vazão trouxe outras consequências danosas para os cultivos de cacau.
Ocorre que é difícil para as árvores aguentarem a força da correnteza. Ante a ampliação da vazão, há maior quantidade de água, que, por sua vez, corre sob maior velocidade. O que estiver no rumo da correnteza é levado, formando o que os ribeirinhos chamam de tranqueiras, que derrubam e arrastam as árvores que estão no caminho, que, por sua vez vão se acumular na própria tranqueira ampliando seu potencial destruidor, como o efeito bola de neve.
Agora, na seca, os estragos nos cultivos de cacau estão bem visíveis. Uma vez que os ribeirinhos estão ocupados com a pesca (que é boa enquanto o rio baixa), somente daqui a alguns meses, com a proximidade do inverno e uma nova estação de chuvas, é que as árvores deverão ser podadas, e aquelas que arriaram deverão ser abatidas.
Os povoamentos, reformados à força das águas, ou das alagações, começarão a frutificar novamente a partir de janeiro, fornecendo uma safra que, espera-se, compense a safra que acabou de se perder.
O ciclo será renovado; a várzea do Amazonas, com cada vez menos mata ciliar, continuará sendo exuberante; e as pessoas continuarão a achar tudo muito natural.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

terça-feira, 9 de outubro de 2012

SBPC e ABC divulgam carta aberta contra as alterações no código florestal


SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA
ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIA
CARTA ABERTA PARA PRESIDENTA DILMA SOBRE AS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO FLORESTAL
Senhora Presidenta,
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vêm mais uma vez manifestar sua preocupação com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012 aprovadas pelo Congresso Nacional, que representam mais retrocessos, e graves riscos para o País.
O Brasil deveria partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns internacionais, como na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O documento aprovado na Rio+20, denominado “O Futuro que Queremos”, ressalta o compromisso com um futuro sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das dimensões social, econômica e ambiental.
O documento reconhece a importância da colaboração da comunidade científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões informadas.
Reafirma a necessidade de promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao mesmo tempo em que conserva as terras, a água, os recursos genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais.
Também reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de carbono.
Com a aprovação da MP 571/2012 pelo Senado o Brasil deixará de cumprir os compromissos que assumiu com seus cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e da tecnologia nas tomadas de decisão.
A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012:
Definição de Pousio sem delimitação de área – Foi alterada a definição de pousio incluída pela MP, retirando o limite de 25% da área produtiva da propriedade ou posse (Art. 3o inciso XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser reconhecidas apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser considerada como prática de interrupção temporária das atividades agrícolas.
Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios – O texto aprovado pelo Senado Federal beneficiou as médias e grandes propriedades rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente até julho de 2008 foi reduzida. As APPs não podem ser descaracterizadas sob pena de perder sua natureza e sua função. A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal, onde são importantes para a conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade e quantidade de água, e de prover serviços ambientais, pois elas protegem vidas humanas, o patrimônio público e privado de desastres ambientais.
Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera como Área de Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor de nascente, a MP introduziu a expressão “perenes” (Art. 4o, inciso IV), com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perene, é admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros (Art. 61-A § 5º).
Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas exóticas. É inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares com árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).
Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais – As Áreas de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das Reservas Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as funções ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são distintas. O texto ainda considera que no referido cômputo se poderá considerar todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, ou seja, regeneração, recomposição e compensação (Art. 15 § 3o ). A ABC e a SBPC sempre defenderam que a eventual compensação de déficit de RL fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade, dentro do mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantêm mais ampla a possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada, para que se mantenham os serviços ecossistêmicos regionais. A principal motivação que justifica a RL é o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas de menor aptidão agrícola, o que possibilita conservação da biodiversidade nativa com aproveitamento econômico, além da diversificação da produção.
Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico – O Art. 61-B, introduziu a mudança que permite que proprietários possuidores dos imóveis rurais, que em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, recomponham até o limite de 25% da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%.
Delegação aos Estados para definir, caso a caso, quanto os grandes proprietários devem recuperar de Áreas de Preservação Permanente (APPs) ilegalmente desmatadas. A delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação. Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e governo federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente desmatadas, pode incentivar uma “guerra ambiental”.
Diminuição da proteção das veredas – O texto até agora aprovado diminuiu a proteção às veredas. A proposta determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a partir do “espaço permanentemente brejoso e encharcado” (Art. 4o, inciso XI), o que diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a época das chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água, pois são responsáveis pela infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do estresse hídrico.
Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais – O artigo 11-A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais atividades de carcincultura e salinas, bem como a regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenham ocorrido antes de 22 de julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código Florestal desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões.
Senhora Presidenta, se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas.
Portanto solicitamos cordial e respeitosamente que Vossa Excelência atue para garantir que os itens acima apontados sejam considerados na MP 571/ 2012, aprovada pelo Senado Federal.
Atenciosamente,

Helena B. Nader
Presidente SBPC

Jacob Palis
Presidente ABC



segunda-feira, 8 de outubro de 2012


Parlamentares insanos aprovam fim da mata ciliar
* Ecio Rodrigues
De cada 5 parlamentares brasileiros, 3 votam a favor do agronegócio, 4 são contrários a toda e qualquer proposta que represente preocupação com a sustentabilidade ecológica, e 5 aprovam o fim da mata ciliar.
Três em cada cinco dos nossos parlamentares – senadores e deputados federais que representam o povo e ocupam uma vaga no Congresso – votam a favor do agronegócio, não por possuírem um vínculo estreito com a atividade rural, ou seja, com a produção de soja ou de carne de gado. Fosse dessa maneira, seria compreensível o seu posicionamento.
Eles apoiam o agronegócio porque acreditam que o Brasil deve se consolidar, perante a especialização internacional das economias, como um grande fornecedor de matéria-prima agropecuária, as chamadas commodities. Um raciocínio insano, diante de tantas evidências contrárias e do pífio crescimento da econômica nacional.
Por outro lado, a maioria dos países associados à ONU (vale dizer, o que se pode chamar de “mundo”) exige do agronegócio, bem como de outras atividades industriais consideradas nocivas ao meio ambiente, as denominadas salvaguardas ambientais. São mecanismos destinados a restringir as atividades produtivas, de forma a adequar a economia do futuro aos ideais do Desenvolvimento Sustentável – a saber: o atendimento das necessidades das gerações atuais, sem pôr em risco o atendimento das demandas das futuras gerações. Trata-se, em última análise, de resguardar o planeta de um estrago ainda maior do que o já causado pela humanidade.
Contudo, quatro em cada cinco dos nossos parlamentares se posicionam contrariamente a qualquer tipo de medida que limite as atividades produtivas, não por considerar que os problemas relacionados à sustentabilidade poderiam ser resolvidos por meio da tecnologia. Se assim fosse, seria compreensível.
Na verdade, eles acreditam que se trata de uma conspiração internacional, promovida por organizações não governamentais estrangeiras, que contam com apoio de ambientalistas brasileiros, e que tudo seria capitaneado pelos Estados Unidos, que têm obsessão por manter os brasileiros em situação de extrema pobreza.
Novamente, um raciocínio insano, diante da indiferença com que os americanos tratam a América do Sul, e da fragilidade do movimento ambiental tupiniquim.
Por fim, existe uma preocupação generalizada, por parte da sociedade, em relação à quantidade e qualidade da água. Todo cidadão brasileiro já teve acesso a algum tipo de informação quanto à importância desse recurso natural, tanto para o consumo humano quanto para a geração de energia. Previsões indicam que a água, num futuro próximo, será o recurso natural mais valioso no mundo; a água valerá mais que a terra, por exemplo.
Mas, cinco entre cinco dos nossos parlamentares aprovaram o fim da mata ciliar, não porque rejeitam a tese que relaciona a quantidade e qualidade da mata ciliar à quantidade e qualidade da água que corre no rio. Isso até seria compreensível.
Eles aprovaram o fim da mata ciliar em face de uma espécie de acordo espúrio, que evidencia a leviandade com que a Câmara trata os assuntos de interesse da nação brasileira e a incompetência do Legislativo nacional para decidir sobre qualquer tema que exija profundidade de informação e um nível mínimo de formação.
Mas o que é insano mesmo é o nosso sistema eleitoral, que comporta senadores que não são eleitos e deputados que são eleitos sem votos (ou melhor, com os votos dos outros).
Resta esperar que a Presidente da República, que já demonstrou ter bom senso, conserte o estrago feito pelo frágil parlamento nacional.
Agora, mais que nunca: Veta Dilma!  

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre