segunda-feira, 29 de março de 2021

Serviço Florestal Brasileiro é eficiente na gestão do CAR

* Ecio Rodrigues

O Serviço Florestal Brasileiro, SFB, foi instituído pela Lei 11.284/2006 com a missão de conduzir o processo de concessão florestal – no propósito de outorgar à iniciativa privada a exploração de terras públicas cobertas por florestas (plantadas ou nativas).

No caso da Amazônia, que tem 80% do território coberto por floresta tropical, a expectativa era a de que, em decorrência da celebração dos contratos de concessão, muitas empresas se instalariam na região, gerando emprego e renda, e dando algum impulso às estagnadas economias municipais.

Essa expectativa, todavia, não se concretizou.

Ocorre que o SFB não conseguiu avançar na consumação das concessões, e em 15 anos de operação apresenta a vexaminosa marca de 17 contratos firmados.  Diante de uma oferta de 250 milhões de hectares de florestas, atualmente a área em regime de exploração de madeira por empresas não passa de 2 milhões de hectares.

Razões para explicar essa letargia não faltam, e vão das amarras relacionadas à submissão hierárquica ao Ministério do Meio Ambiente (atualmente o SFB pertence ao Ministério da Agricultura) à ampliação das atribuições legais do órgão.  

Com efeito, novas demandas e com boa dose de urgência surgiram para o SBF desde 2006. Muitas, por sinal, após a aprovação do novo Código Florestal em 2012.

Entre as novas atribuições, é bem provável que a principal seja a administração de uma plataforma digital para monitoramento das propriedades rurais do país.

Trata-se do Cadastro Ambiental Rural, CAR, instrumento fundamental para realizar o ordenamento do setor primário e diagnosticar a contribuição desse setor para o desmatamento.

Diferentemente de sua atuação em relação às concessões, no CAR o SFB demonstrou grande capacidade operacional e elogiável sentido de urgência.

Conforme divulgado pelo próprio SFB, cerca de 7 milhões de propriedades rurais já se encontram cadastradas, ou seja, com seus suas informações inseridas no Sicar (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) e disponíveis para acesso público.

Em termos de cobertura territorial, esse número equivale a 566 milhões de hectares, ou aproximados 70% de todo território nacional, uma extensão maior que muitos países da Europa.

Não há dúvida de que o Sicar é uma das mais acessíveis, mais diversificadas e mais completas plataformas de dados sobre produção rural, disponibilidade de água, hidrografia, exploração e conservação florestal do mundo.

O Sicar possibilitará inúmeras pesquisas – que, por sua vez, comporão um retrato cada vez mais preciso em torno das propriedades rurais, de sua importância econômica e, não se pode esquecer, dos impactos ambientais delas decorrentes.

Mesmo os produtores que de início se mostraram resistentes ao Sicar hoje não deixam de reconhecer que a plataforma confere segurança jurídica às suas operações diárias.

Afinal, uma vez concluído o cadastro no Sicar, todas as informações da propriedade rural ficam disponíveis, o que, entre outras vantagens, evita as sempre inconvenientes visitas de fiscais ambientais.

Além do acesso ao crucial crédito público, o produtor fica seguro em relação à regularidade da propriedade. Nada melhor. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


terça-feira, 23 de março de 2021

Serviço Florestal Brasileiro e contrato de concessão, 15 anos depois

 * Ecio Rodrigues

A mesma norma (Lei 11.284/2006) que criou o Serviço Florestal Brasileiro também autorizou o órgão a firmar, com a iniciativa privada, o instrumento do contrato de concessão florestal.

Sem embargo, e a despeito de configurar um passo decisivo para a inserção das áreas de florestas nativas da Amazônia na economia regional e a promoção de uma economia florestal competitiva frente à pecuária extensiva, o leilão das florestas com vistas à efetiva assinatura dos contratos de concessão florestal não avançou.

Muitos não conseguem entender, mas o manejo de áreas florestais pode gerar receitas em valores competitivos, a ponto de reduzir a pressão para o desmatamento destinado à atividade hegemônica da criação de gado.

As estatísticas relativas à quantidade de florestas anualmente transferidas à iniciativa privada por meio de contrato de concessão são de uma timidez espantosa. Passados 15 anos desde a aprovação da Lei 11.284/2006, e diante de uma oferta gigantesca de 250 milhões de hectares de florestas, não mais que 2 milhões se encontram sob exploração por empresas.

Para o caso específico da Amazônia, o produto a ser explorado pelas empresas – a madeira – ajuda explicar as razões pelas quais o SFB nunca deu prioridade à celebração dos contratos de concessão florestal.

A madeira é o foco de todas as concessões florestais em execução na região – ainda que, no procedimento de leilão, outros (poucos) produtos possam ser incluídos na lista para exploração.

Ocorre que, no imaginário coletivo – e a imprensa pouco informada contribui muito para essa visão deturpada –, a exploração madeireira está intrinsicamente associada à noção de destruição florestal.

Assim, a imagem de um caminhão carregado com toras de jatobá, cedro, cerejeira etc. é tida como algo negativo – levando imediatamente à ideia equivocada de que a madeira é oriunda de uma floresta devastada e que, portanto, sua retirada seria ilegal.

Embora se trate, obviamente, de uma distorção, de um escrúpulo descabido que se assemelha mais a um tabu, analistas de órgãos ambientais – tais como Ibama, ICMBio e o próprio SFB – costumam ser bastante suscetíveis em relação a tal percepção infundada.

Daí porque o Ministério do Meio Ambiente sempre tratou a concessão florestal com grande indiferença, sem atentar para a relevância desse instrumento para o combate ao desmatamento, para a geração de emprego e renda e, não menos importante, de receitas para as frágeis economias municipais.

Agora, todavia, duas novidades podem alterar esse contexto relacionado à insignificância da produção oriunda de concessões florestais.

A primeira diz respeito à mudança institucional do SFB, que em 2019 saiu da alçada do Ministério do Meio Ambiente, onde nunca logrou se consolidar, e passou à esfera do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

O Mapa atua em linha direta com a produção rural, assim, confere a importância e prioridade devidas à produção oriunda tanto das florestas plantadas quanto da floresta tropical amazônica. Prioridade que, repita-se, a produção florestal nunca teve em meio à confusa área ambiental da administração federal.

A segunda novidade, por sua vez, se refere à inclusão, a partir de 2021, das extensas e produtivas áreas de florestas públicas disponíveis para concessão no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que é gerenciado pelo BNDES.

Além de outorgar maior segurança jurídica aos contratos, a operacionalização administrativa das concessões pelo BNDES certamente vai levar mais agilidade e eficiência à realização dos leilões e contratação das empresas vencedoras.

Afinal, não há argumento plausível que justifique que, até hoje, apenas 17 contratos de concessão tenham sido celebrados pelo SFB.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

terça-feira, 16 de março de 2021

Lista pet selvagem chega com mais de 20 anos de atraso

 

* Ecio Rodrigues

Gatos e cachorros são o melhor exemplo de bichos que há séculos vêm sendo domesticados – e que, por meio de cruzamentos estimulados pelo homem, chegaram a uma quantidade exorbitante de raças e sub-raças.

E existem também as espécies que a humanidade domesticou para saciar sua fome e atender à demanda diária por proteína animal.

Graças à posição privilegiada dos humanos, que estão no topo da cadeia alimentar, grande variedade de carnes é produzida com alta tecnologia, e o Brasil é um dos expoentes nesse setor da economia.

Carne de boi, de peixe, de frango e outras aves, apenas para ficar nas mais comuns, são responsáveis pela saúde de mais de 8 bilhões de humanos, sendo os animais criados, com sucesso, para esse fim específico – alimentar o homem.

Animais selvagens são aqueles que ainda não foram, por assim dizer, domesticados por completo mediante o emprego de tecnologias amplamente conhecidas em muitos países.

No Brasil, bichos do mato, ou selvagens, podem ser abatidos após criação em cativeiro e controle sanitário rígido da carne, para venda em supermercados e lojas especializadas. Mas os criatórios dependem de licenciamento ambiental pelo Ibama, o que é considerado um dos maiores entraves para quem quer se arriscar nessa lucrativa atividade.

Porém, quando o tema é a coexistência dos animais selvagens na casa das pessoas, para criação como bicho de estimação, a polêmica vai longe e se arrasta desde o início da década de 2000.

Veja bem, o animal selvagem não será abatido para consumo, pelo contrário, será cuidado, sob custos muitas vezes elevados, por quem gosta do bicho e por essa razão de dispôs a pagar – caro, diga-se – por essa companhia.

Novamente, não se trata de comer a carne do animal, o que é legítimo, a despeito de o tema suscitar uma discussão um tanto romântica, relacionada ao direito do homem de matar e comer um bicho, e que desconsidera o fato de a humanidade fazer isso desde que o Homo sapiens superou o Neandertal na caça de proteína animal.

Criar ou cuidar de um animal selvagem em casa, na condição de bicho de estimação – ou pet, na língua inglesa –, representa uma tentativa de aproximar o homem da natureza, algo que inclusive é discutido por filósofos que estudam a existência e o futuro dos humanos.

A polêmica atual, que estava travada desde 2007, quando uma resolução do Conama impôs dificuldades praticamente insuperáveis para a instalação de criatórios, surgiu depois que a Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente) propôs uma lista de bichos selvagens para discussão pelo próprio Conama.

Crucial e oportuna, a iniciativa da Abema vai permitir, uma vez aprovada a nova “Lista pet selvagem”, que animais selvagens brasileiros (a maioria nativos da Amazônia) com potencial para serem criados como bicho de estimação sejam introduzidos no mercado por criatórios legalizados.

Não poderia ser diferente. A lista da Abema apresenta todos os animais que, de uma maneira ou de outra, nos últimos 20 anos e em todo o território nacional, apresentaram demanda para comercialização com tal finalidade.

Por isso estão ali alguns primatas e também paca, jiboia, calango, iguana, jabuti, anta, jaguatirica – e, claro, os psitacídeos líderes de mercado papagaio e arara. 

Os argumentos contrários à lista da Abema não se sustentam, principalmente por dois motivos: estão eivados de um romantismo esdrúxulo e carecem de base científica elementar.

Acontece que, para os defensores míopes de um suposto direito constitucional dos animais selvagens, os bichos devem ficar intocáveis, como se possível fosse, em ambiente silvestre.

Sem contar a redução drástica e paulatina anualmente causada pelo desmatamento desse ambiente que se supõe acolhedor, na verdade os bichos são expostos a uma série de perigos diários, em decorrência dos predadores naturais comuns em um meio hostil e que ameaçam sua sobrevivência.

Por outro lado, além do direito a ficar no mato, o que a Abema não está discutindo, os animais selvagens, segundo os desinformados, portam doenças que poderiam apresentar risco à saúde humana.

Ora, a conclusão romântica é que os bichos correm risco de vida com os humanos e vice-versa.

Deixa-se de considerar que os criatórios, obrigatoriamente, devem garantir a sanidade dos pets selvagens antes de entregá-los nas mãos dos futuros cuidadores, que, por sua vez, vão assumir a responsabilidade pelo bem-estar dos animais.  

Mas ainda é cedo para essa polêmica. Existe um longo caminho a ser percorrido para aprovar a Lista pet selvagem, convencer empreendedores a investir em criatórios e ofertar os animais de estimação.

Enquanto isso, os bichos amazônicos continuam a ser comercializados por outros países – e dentro da legalidade. Mas isso é conversa para outro artigo.  

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 9 de março de 2021

Unidade de conservação é o almoxarifado da bioeconomia


* Ecio Rodrigues

A Lei 9.985/2000, que instituiu o Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) está completando 20 anos – sem a devida comemoração, entretanto.

O Snuc representa um avanço sem precedentes, ao permitir, em especial a partir da regulamentação trazida pelo Decreto 4.340/2002, que as terras com atributos ecológicos passassem a gozar de proteção legal especial.

Significa dizer que sempre que uma determinada área apresente atrativos diferenciados e que importem ser protegidos do processo de ocupação vigente na respectiva região, essa área – de floresta, de mar, de montanha etc. – poderá ser declarada de especial interesse para os brasileiros.

A maior parte das unidades de conservação hoje existentes foi criada pelo governo federal. Excetuando-se o governo atual, todos os anteriores, a partir da introdução do Snuc, tiveram a atitude republicana de instituir UCs, na categoria que consideravam mais pertinente.

Assim, aos poucos e de maneira paulatina e ininterrupta – até a ascensão do governo atual, repita-se –, foram sendo adicionadas ao Snuc novas terras e superfícies marinhas que demandavam proteção especial pela legislação.

Graças a essas relevantes iniciativas, quase 15% do território florestal da Amazônia goza de proteção legal – e, dessa forma, dispõe da garantia fundiária imprimida pelo formato unidade de conservação, estando sob a tutela de um órgão federal, no caso o ICMBio, nos termos estabelecidos pelo SNUC.

Não à toa, o Brasil detém reconhecimento internacional por ser um dos países com maior extensão de terras protegidas como unidades de conservação, distribuídas em todos os cinco biomas: cerrado, mata atlântica, caatinga, pampa e, claro, Amazônia.

Há quem questione a importância das UCs, sob o argumento pífio de que se trata apenas de um instituto jurídico, sendo que, na prática, o atributo ecológico a ser protegido continuaria ameaçado – e não seria a mera edição de um decreto que alteraria essa realidade.

Um grande disparate.

Não há dúvida científica quanto à salvaguarda fornecida pelo decreto de criação de uma unidade de conservação, e há uma profusão de estatísticas que comprovam que a instituição da UC potencializa de forma indiscutível a proteção da terra e de suas características ecológicas.

Por sinal, o atual governo federal, incapaz de entender a importância das unidades de conservação, mas, por outro lado, numa demonstração de reconhecimento de seu significado para a proteção fundiária, nem cogita criar novas UCs.

Igualmente, parlamentares pouco informados não cansam de propor iniciativas no intento de desafetar ou reduzir o perímetro de UCs já criadas. Propostas que, para além do fato de serem desprovidas de fundamento, não prosperam, diante do peso moral de que dispõem as unidades de conservação e do grande desgaste político que causaria a desconstituição ou alteração dessas áreas.

Mas há uma novidade.

Entidades de grande porte vinculadas ao setor rural, como a Indústria Brasileira de Árvores e a Associação Brasileira do Agronegócio, estão organizando o Fórum Mundial de Bioeconomia, que vai acontecer no Pará, em outubro próximo.

Por bioeconomia, entenda-se a possibilidade de gerar emprego e renda por meio do aproveitamento econômico de atributos ecológicos existentes em ecossistemas, como os protegidos em unidades de conservação.

O governo federal, que execra UCs, mas tem declarado apoio à bioeconomia defendida pelo agronegócio, certamente se deparará com mais um paradoxo: como é possível, no âmbito da bioeconomia, tolerar a criação de boi na Amazônia e desprezar as unidades de conservação?    

De que maneira se pode ignorar o peso das unidades de conservação para o desenvolvimento econômico, quando ¼ da água potável que atende à demanda urbana (algo em torno de 4,03 bilhões de m³ de água por ano) é diretamente influenciada por unidades de conservação?

Ou quando 44% da geração de energia em hidroelétricas se assenta na área de influência direta de UCs?

Unidades de conservação e criação de boi na Amazônia não podem fazer parte do mesmo almoxarifado da bioeconomia. Tem que tirar o boi. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

 

 

 

 

segunda-feira, 1 de março de 2021

Resistência pública e resiliência dos rios

 * Ecio Rodrigues

Derramar lágrimas pelas mazelas que afligem o Acre é uma demonstração de solidariedade. Só isso. Na lista de tragédias que pode parecer interminável somou-se a alagação – que não houve em Rio Branco, diga-se, mas aconteceu em Tarauacá. Então, vamos lá. Queimadas, desmatamento, haitianos, covid, dengue, seca – e alagação. Flagelos que certamente podem se amenizados pela solidariedade da população do estado e do restante do país. Jamais resolvidos. A solução existe, mas para se tornar realidade depende de uma equipe de gestores públicos com capacidade técnica e competência.

Publicado originalmente em 12/04/2015, esse artigo discute as soluções para o caso das secas e alagações, sintetizadas no que os autores chamaram de resistência pública e resiliência do rio.

 

Como tudo na vida, a alagação e a seca que atingem os rios na Amazônia têm causa e consequência.

Para resolver o problema de maneira definitiva, sem paliativos, as ações de política pública devem ser direcionadas no sentido de abolir as causas e de tornar as consequências aceitáveis para a sociedade.

Para além da assistência prestada aos atingidos pelas alagações, e das medidas de racionamento adotadas em função da seca, a atuação da gestão pública deve se pautar por dois tópicos bem demarcados: resistência pública e resiliência dos rios.

A resiliência dos rios, vale dizer, sua capacidade de reagir às flutuações extremas de vazão, está no cerne da questão: a ampliação dessa resiliência é a saída para restabelecer o equilíbrio hidrológico dos cursos d’água, atacando-se o problema pela causa.

É preciso ter em conta, por outro lado, que, quando se trata do desequilíbrio hidrológico dos rios e da alteração drástica do regime pluviométrico – fatores que explicam tanto a seca nas represas do Sudeste quanto a alagação nos rios do Acre –, é necessário um intervalo de tempo relativamente elástico para solucionar as causas. Nesse período, a população terá que conviver com algum tipo de transtorno – e é aí que entram as ações de resistência pública.

O passo inicial e decisivo para a resistência pública é o reconhecimento de que eventos extremos, como as alagações e sobretudo as secas, deixaram de ser sazonais – ou seja, já não obedecem a interstícios de ocorrência de 10 anos ou mais. Esses eventos, desde pelo menos os últimos 5 anos, têm incidência anual, já não podem causar espanto; ninguém pode alegar, tampouco, que foi pego “desprevenido”.

É necessário levar a cabo, portanto, medidas imediatas – no propósito, entre outros, de promover a desocupação dos terrenos alagadiços; de efetuar a urbanização dessas terras para o fim de convertê-las em áreas verdes; de fomentar a arborização urbana, melhorando os indicadores que medem o número de árvores por habitante.

O planejamento da resistência pública envolve ainda o monitoramento permanente das condições de pluviosidade, de modo a se obter um conjunto de dados cada vez mais preciso. Para tanto, é indispensável o investimento na aquisição de equipamentos e na contratação de técnicos e especialistas.

Mas o maior desafio da gestão pública está mesmo no embate para resolver as causas do desequilíbrio hidrológico dos rios, por meio da ampliação de sua resiliência.

Nesse quesito, a providência primeira diz respeito ao alargamento do calado, com a retirada e dragagem do material acumulado no leito ou no fundo do rio. O período de seca é a época ideal para esse tipo de medida – que, sabe-se lá por que cargas d’água (com o perdão do trocadilho), nunca chegou a ser efetivada.

A etapa seguinte envolve a restauração florestal da mata ciliar. Sem embargo das dificuldades políticas que resultaram nas abstrusas definições contidas no Código Florestal a respeito da largura mínima da faixa de mata ciliar, parece ser consenso no meio científico de que essa “largura legal” perdeu a validade.

Será necessário calcular uma “largura técnica”, isto é, a largura ideal que a faixa de mata ciliar deverá ter em cada município situado ao longo da bacia do rio Acre, a fim de ofertar, com maior eficiência, o serviço de equilíbrio hidrológico do rio. Uma nova negociação política, mais sóbria, se faz urgente.

Por fim, não se pode esquecer: queimadas nunca mais! É melhor aproveitar o ensejo para banir de vez essa prática nefasta.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre