segunda-feira, 26 de março de 2018



O Desafio de Bonn e a restauração da mata ciliar na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Além do 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília, o Brasil sediou neste mês de março (dias 16 e 17) outro importante evento internacional relacionado ao tema das florestas.
Trata-se da 3ª Reunião do Desafio de Bonn, que teve lugar em Foz do Iguaçu, Paraná, e contou com a participação de representantes de mais de 40 países.  
Embora tenha despertado bem menos atenção da imprensa, o Desafio de Bonn representa a maior concentração de esforço mundial no propósito de restaurar 150 milhões de hectares de florestas nativas em todo planeta até 2020, assumindo como data inicial de aferição o ano de 2005.
A partir de 2020, essa meta se amplia para 350 milhões de hectares de florestas – a serem restauradas até 2030.
Na restauração florestal, cabe esclarecer, o cultivo se direciona para a recuperação da função ou do serviço ecológico prestado pela floresta original. Essa finalidade é a principal particularidade a diferenciar a restauração do reflorestamento.
Lançado em 2011 na cidade que lhe emprestou o nome, o Desafio de Bonn surgiu de uma iniciativa da Alemanha, em associação com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), e rapidamente se distinguiu como um mecanismo inovador, que poderia ser aproveitado para o cumprimento dos compromissos assumidos pelos governos nacionais perante o Acordo de Paris.
Atualmente, já conta com a adesão de mais de 40 países e contabiliza um total de 160,2 milhões de hectares de florestas para restauração – dos quais 12 milhões de hectares estão a cargo do Brasil (que aderiu ao pacto em 2016).
Para alcançar a meta a que se propôs, o país definiu uma base legal, de modo a fornecer segurança jurídica aos investimentos em restauração florestal. Essa base tem como principal ordenamento o Código Florestal, cuja constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal em fevereiro último.
O Código Florestal estabelece a largura mínima da faixa de mata ciliar a ser mantida ao longo dos rios, igarapés e nascentes, e define as regras para a restauração florestal: de acordo com a norma, só podem ser empregadas árvores nativas, ou endêmicas, da própria mata ciliar.
A fim de regulamentar as disposições do Código referentes à restauração florestal de mata ciliar, foi instituída a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, ou Proveg, por meio do Decreto 8.972/2017.
A Proveg prevê o fomento à instalação, nos municípios, de empreendimentos destinados à produção de sementes, mudas etc., e que devem surgir em decorrência da execução de planos estaduais de restauração florestal.
Esses planos, por sua vez, integrarão o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, ou Planaveg, e poderão acessar os recursos disponibilizados pela política.
Dessa forma, de um lado, o Desafio de Bonn suscita a restauração de florestas cuja função ecológica foi substituída pela criação de gado.
De outro, impulsiona as frágeis economias das cidades amazônicas, mediante a promoção de atividades produtivas adequadas à vocação florestal da região.
Para a Amazônia, é tudo de bom.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 19 de março de 2018



Fórum Mundial da Água começa hoje!
* Ecio Rodrigues
Brasília sedia, de 18 a 23 de março, o 8º Fórum Mundial da Água, um dos mais importantes eventos organizados pelo Conselho Mundial da Água – organização internacional fundada em 1996, com sede permanente em Marselha, França.
Pensado para reunir gestores públicos, executivos empresariais e representantes da sociedade civil, o Fórum, em sua oitava edição, irá se debruçar sobre um conjunto diversificado de temas, entre os quais a urgência na conservação e ampliação das florestas mundiais, como meio de garantir a oferta de água às populações.
Trata-se de uma discussão muito oportuna para o Brasil, já que o STF, em decisão proferida em fevereiro último, se posicionou pela constitucionalidade do novo Código Florestal. Como se sabe, embora aprovado desde 2012, o Código tinha mais de 50 artigos questionados perante aquela corte.
Diga-se que, desde o surgimento da denominada Lei das Águas (Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos), o sistema legislativo brasileiro não promulgava norma intrinsecamente vinculada à conservação da água, como no caso do Código Florestal.
Não à toa, entre os temas polêmicos impugnados – e que ficaram à espera da decisão do Supremo por 6 longos anos – mais de 80% se referiam, direta ou indiretamente, à importância das florestas para a quantidade e a qualidade da água presente no território nacional, tanto na superfície (rios, lagos etc.) quanto no subsolo (aquíferos e lençol freático).
Por outro lado, depois de terem perscrutado os efeitos do desmatamento em relação à fertilidade dos solos e à diversidade de espécies arbóreas e de fauna, os pesquisadores se voltam agora para o estudo da interação entre água e florestas.
Grupos de pesquisas se formaram em todo o país, no intuito de diagnosticar o impacto do avanço da pecuária sobre a mata ciliar e as consequências desse avanço na vazão dos rios e na potabilidade da água.
Certamente a Amazônia é objeto de maior atenção, por ser uma região emblemática – que abriga, ao mesmo tempo, uma das maiores quantidades de água e de biomassa florestal do planeta.
Devido a esse esforço de pesquisa, por parte de estudiosos brasileiros e estrangeiros, hoje é possível afirmar, sob elevada segurança científica, que quanto maior a largura da faixa de floresta nativa presente na margem de um rio (a mata ciliar), maior será a resiliência desse recurso hídrico para enfrentar a ocorrência de eventos climáticos extremos. 
Significa dizer que os cursos d’água que detêm menor quantidade de florestas em suas margens apresentam maior risco de alagar e de secar.
Esse debate deverá se impor nas mesas redondas do Fórum. A pergunta a ser feita é o seguinte: que área de solo o agronegócio de gado pode dispensar, na forma de mata ciliar, sem que se reduza a importância econômica dessa atividade para o PIB brasileiro?
Espera-se que as respostas a essa pergunta se direcionem para chegar a uma maneira inovadora de assimilar na política o que os pesquisadores já sabem.
Que a floresta e o produtor que a mantém prestam um serviço valioso para a conservação da água; e esse serviço, obviamente, deve ser remunerado.
É imprescindível que a manutenção da floresta seja economicamente vantajosa para o produtor.
Somente dessa forma vai ser possível superar a discussão quanto à (insuficiente) largura mínima imposta pelo Código Florestal para a faixa de mata ciliar na Amazônia.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




segunda-feira, 12 de março de 2018


Código Florestal vai ser lei que “pega”?
* Ecio Rodrigues
Até o mês o passado, circulava pelos corredores ministeriais de Brasília o rumor de que o novo Código Florestal, mesmo tendo sido promulgado em 2012, e mesmo tendo levado mais de 10 anos de discussão no Congresso, só entraria em vigor pra valer depois que o Supremo se manifestasse quanto à sua constitucionalidade.
Ocorre que, acostumados que estamos em não aceitar o resultado do processo democrático (pois, de acordo com o que se repete por aí, deputados e senadores não são legítimos representantes da vontade do povo), grupos ambientalistas variados levaram sua insatisfação ao Supremo Tribunal Federal.
Como essa insatisfação foi expressa num conjunto de 4 ações que questionavam 58 artigos, o rumor tinha fundamento – na prática, o Código Florestal passou a viger a partir de fevereiro, quando o Supremo decidiu pela constitucionalidade dos dispositivos.
Ainda que o descontentamento dos ambientalistas tivesse amparo em informações científicas – já que a nova legislação prevê uma sensível redução nas formações florestais importantes para os recursos hídricos –, o fato é que o Código Florestal ficou congelado por longos 6 anos.
Conclusão: judicializar os resultados obtidos pela política é sempre o pior caminho. Isso ficou muito claro para os envolvidos na espera.
Mas, enfim, agora, efetivamente as disposições do Código Florestal poderão ser levadas a cabo; por conseguinte, a partir de agora o impacto dessa norma no cotidiano do país poderá vir a ser aferido.
Um dos pontos polêmicos que foram pacificados pelo Supremo diz respeito à possibilidade de o produtor em situação irregular aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), como forma de se legalizar e voltar a se beneficiar com o crédito rural oriundo do FNO.
Com a adesão ao PRA, o produtor assume o compromisso de reparar o dano ambiental pelo qual foi multado. Desse modo, enquanto durar o projeto de restauração florestal, a propriedade não será punida pelo desmatamento de mata ciliar ocorrido antes de 22 de julho de 2008.
Mesmo raciocínio vale para o desmatamento de reserva legal. Diga-se que, no caso da Amazônia, a reserva legal corresponde a 80% da área das propriedades particulares nos estados que não aprovaram legislação própria sobre zoneamento ecológico-econômico; e a cerca de 50%, nos estados que realizaram ZEE.
A decisão do Supremo trouxe ainda algumas elucidações para interpretações duvidosas. Era motivo de preocupação entre pesquisadores o entendimento perigoso que especulava que rios e nascentes intermitentes estariam excluídos da obrigatoriedade de manter mata ciliar.
Espera-se que, diante da segurança jurídica suscitada pela Suprema Corte, venham a ser consolidados, além do PRA, o Cadastro Ambiental Rural, a Compensação de Reserva Legal e outros mecanismos introduzidos pela legislação, de maneira que se promova o reflorestamento de 12 milhões de hectares de mata ciliar – e se honre o compromisso assumido pelos brasileiros em 2015 no Acordo de Paris.
A procrastinação ocorrida na implementação do Código Florestal foi um erro estratégico dos mais absurdos.  É hora de seguir em frente e fazer com que a lei “pegue”.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 5 de março de 2018


Supremo decide: não houve anistia no Código Florestal
* Ecio Rodrigues
Decisões do Supremo devem pôr fim a polêmicas inúteis, mas, no caso da suposta anistia conferida pelo novo Código Florestal aos produtores que desmataram APP (área de preservação permanente), parece que não.
Empregar o termo “anistia” foi um exagero do movimento ambientalista, incorporado por técnicos e pesquisadores, para expressar à sociedade sua insatisfação em relação ao Código Florestal.
Aprovado em maio de 2012, depois de mais de 10 anos de discussão no Congresso e de inúmeras – centenas, na verdade – audiências públicas, o Código Florestal trouxe um dispositivo que oferecia alternativa ao pagamento da multa para os infratores que aderissem ao Programa de Regularização Ambiental, PRA.
Muitos produtores, desde 2012, lograram regularizar-se por meio da adesão ao PRA, assumindo a obrigação de repor as árvores derrubadas em APP – o que deixa claro o uso indevido do vocábulo “anistia”.
Em suma, imputou-se uma pena alternativa, no intuito de tornar factível a sanção e evitar a impunidade, algo bem distante da concessão de anistia. Vale acrescentar que foi fixado um limite temporal peremptório para a possibilidade de adesão ao PRA – que alcança apenas as infrações que ocorreram até julho de 2008.
Esse prazo representa uma grande vitória para o movimento ambientalista, já que a partir dele os produtores com pendências legais deixaram de ter direito ao crédito rural (subsidiado, para as propriedades localizadas na Amazônia, com recursos públicos oriundos do Fundo Constitucional do Norte, FNO).
Sem acesso às fundamentais linhas de crédito disponibilizadas todos os anos pelo FNO, os produtores perdem a capacidade de competir no mercado internacional de commodities, enquanto o país, por seu turno, se arrisca a reduzir o PIB, ainda muito dependente do agronegócio.
Ao decidir pela constitucionalidade do Código Florestal como um todo, o STF não apenas descartou a tese da anistia como também forneceu, após o julgamento de 4 ações diretas de inconstitucionalidade e o exame de 58 artigos questionados, a tão esperada segurança jurídica aos produtores rurais.
Gritar que houve anistia, como faziam até ontem os ambientalistas que odeiam o agronegócio e desconhecem sua importância econômica para o país, não tem o menor cabimento.
Igualmente, não tem cabimento negar o PRA, na condição de ferramenta crucial para tornar a conservação de formações especiais de florestas como a mata ciliar (que garante a quantidade e a qualidade da água que flui nos rios e igarapés) uma realidade ainda no curto prazo.
O julgamento do STF, que demorou quase 6 anos, certamente se inclui entre os mais complexos no âmbito da política nacional de meio ambiente, pois tratou de temas polêmicos, como a quantidade de florestas que devem ser mantidas nas propriedades rurais.
E, embora a imprensa tenha divulgado que os produtores saíram satisfeitos e os ambientalistas, descontentes, em pelo menos dois pontos deve haver consenso: primeiro, a espera foi demasiadamente longa; segundo, a constitucionalidade do Código Florestal decidida pelo STF deixou o campo mais atrativo para investimentos.
Foi um julgamento difícil. A tese de que não houve anistia, e sim imputação de pena alternativa, venceu por 6 a 5. Assunto encerrado.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre