domingo, 29 de dezembro de 2019



Políticos da Amazônia atenuam fiasco brasileiro na COP 25 
* Ecio Rodrigues
Não adianta esperar alguma liderança política por parte do governo (sobretudo em assuntos relacionados ao meio ambiente e aquecimento global), mas  a participação brasileira na COP 25 trouxe um alento, já que alguns parlamentares e governadores da Amazônia assumiram sua responsabilidade na condução de políticas regionais para reduzir os impactos das mudanças climáticas.
Pelo que se viu em Madri, até o encerramento, no sábado (14/12), e no decorrer da COP 25, a 25ª Conferência das Partes para a Convenção do Clima, a comitiva oficial brasileira, comandada pelo Ministério do Meio Ambiente, não apresentou propostas, tendo se limitado a obstruir negociações que requerem desfecho urgente.
Sob o entendimento simplório e equivocado de que o Acordo de Paris privilegia as nações mais industrializadas e cria barreiras não tarifárias para dificultar que países em desenvolvimento exportem seus produtos, a equipe do MMA perdeu o foco da discussão – a saber, a mitigação da crise ecológica.
Para os poucos familiarizados, barreiras não tarifárias são obstáculos impostos pelos compradores aos países exportadores, quando estes adotam práticas consideradas inaceitáveis em seus processos produtivos.
Por exemplo, quando o Brasil, que é o maior produtor e exportador de carne de boi, é acusado de desmatar e plantar capim em áreas de florestas – o que, por óbvio, contraria o esforço mundial para reduzir as emissões de carbono –, e os importadores, sob o argumento de que a pecuária não pode destruir a floresta na Amazônia, deixam de comprar a carne brasileira.
Ora, se por um lado o comércio internacional de commodities se reveste de crucial importância para o Brasil, que tem mais de 50% do PIB subordinado ao agronegócio, por outro, é inegável que os países associados à ONU estão sendo pressionados a adotar salvaguardas ambientais, no sentido de reduzir os efeitos do aquecimento global.
Dessa forma, as nações cuja economia é baseada no setor primário terão que investir em aumento de produtividade. Significa dizer que o Brasil deve aumentar a oferta de carne de boi e, ao mesmo tempo, reduzir a demanda por novas terras com florestas para cultivo de soja e capim.
Por seu turno, países em estágio avançado de industrialização, como os que integram o G7, grupo das sete economias mais pujantes do planeta, terão que instalar filtros nas chaminés de suas fábricas e financiar o plantio de florestas para retirar o carbono que lançam na atmosfera.
Nenhum país sairá imune, livre de obrigações e prejuízos, no processo de adaptação às mudanças climáticas e mitigação da crise ecológica atual.
A boa notícia é que a economia de baixo carbono, que pressupõe a substituição dos combustíveis fósseis (leia-se: petróleo e carvão mineral) na geração de energia, possibilita o surgimento de novos ofícios – que por sua vez são superiores, em termos de quantidade e qualidade, às ocupações a serem extintas.
Resumindo: no caso da Amazônia, os empregos e a renda advindos da exploração sustentável da biodiversidade florestal, no modelo preconizado pela economia de baixo carbono, irá, no médio prazo, produzir mais riqueza que o desmatamento para criar boi.
Felizmente, esse foi o ponto de vista defendido por deputados federais, senadores e governadores presentes na COP 25, durante as negociações realizadas diretamente entre países doadores e os 9 estados da Amazônia.
Os políticos da Amazônia assumiram o vazio de liderança deixado pelos representantes brasileiros.
Enfim, o aquecimento do planeta é uma realidade, o Acordo de Paris vai resolver, e a Amazônia poder ser a chave para a solução – pouco importando a estupidez e a indiferença do governo federal. 
  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 15 de dezembro de 2019



                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Após recorde de desmatamento, Acre vai alterar ZEE para desmatar mais?
* Ecio Rodrigues
Pode ser que alguém acredite que o destino da floresta no Acre é ser convertida em pastos para criação de boi, mas uma coisa é certa: alterar o ZEE (zoneamento ecológico-econômico) para estimular o desmatamento é de uma estupidez sem tamanho.
Explicando melhor. Por meio do Decreto 4.673, publicado em 14 de novembro último, o governo estadual nomeou uma comissão com a atribuição de revisar o ZEE.
Nada foi mais significativo para transformar a realidade produtiva rural do Acre nos últimos 50 anos do que o zoneamento ecológico-econômico. Instituído pela Lei 1.904/2007, o ZEE dividiu a superfície rural em zonas, de acordo com dois critérios: (a) potencial produtivo apontado em estudos; (b) consulta junto aos produtores diretamente envolvidos.
Nas situações em que a informação científica se contrapôs aos interesses dos produtores, o impacto econômico e social teve maior peso na decisão. Significa dizer que prevaleceu a vontade dos produtores que ocupavam a terra e praticavam a atividade predominante no meio rural local – a saber, o agronegócio da criação extensiva de boi.
Dessa forma, e ainda que o pecuarista tenha sido o ator social que mais opôs resistência à realização do zoneamento, no final das contas foi o que mais se beneficiou.
Nos termos da legislação então (e ainda) vigente, o ZEE poderia permitir – como de fato permitiu – a redução das áreas de reserva legal, de 80% para 50% da área total das propriedades rurais, nas zonas destinadas à produção agropecuária.
Por efeito do ZEE, portanto, um extenso território coberto por florestas foi imediatamente e legalmente cedido à ampliação da pecuária.
Em outubro de 2007, este articulista já alertava para o impacto que a aprovação do ZEE causaria à sustentabilidade ecológica, ao liberar novas terras para a instalação da pecuária.
Em artigo intitulado “Sustentabilidade em risco no Acre”, chamou a atenção para o erro que significava a aprovação de um zoneamento que, cedendo à pressão dos pecuaristas, reduzia em 30% as áreas de reserva legal das propriedades – e justamente nas margens das rodovias, as regiões mais valorizadas no âmbito rural.
Era evidente que a disponibilização de mais terra para desmatamento e cultivo de pasto conferia a segurança jurídica necessária ao aumento do rebanho estadual.
Ocorre que, entre os 3 fatores de produção requeridos pela pecuária, o fator terra, no caso do Acre, é o mais limitante.
Traduzindo do economês, pode-se afirmar o seguinte: mesmo que exista sobra de capital (quase sempre na forma de crédito público subsidiado) e mesmo que exista excesso de trabalhadores dispostos a permanecer nos ramais, a oferta de terras legalizadas para desmatamento é o fator mais determinante para o crescimento do rebanho bovino no Acre.
Não é demais afirmar que graças ao zoneamento o Acre chegou em 2018 com um efetivo bovino de mais de 3 milhões de cabeças, um crescimento superior à média nacional – em especial quando comparado ao plantel de 2,3 milhões de cabeças apurado em 2005, apenas 2 anos antes da aprovação do ZEE.
Voltando à pretendida revisão do ZEE. Não precisa exercitar muito o intelecto para perceber que essa revisão tem o propósito de aumentar ainda mais a quantidade de terras com florestas destinadas ao desmatamento legalizado.
Ora, é óbvio que a ideia não é criar uma reserva extrativista ou qualquer outra unidade de conservação, muito menos ampliar a área de reserva legal nas propriedades particulares.
Enfim, o desmatamento no Acre aumentou 55% em 2019. Revisar o ZEE para desmatar mais é o mesmo que combater fogo com gasolina.   
  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





terça-feira, 10 de dezembro de 2019



Ainda sobre o desmatamento recorde na Amazônia em 2019
* Ecio Rodrigues
No início do ano, os gestores do Ministério de Meio Ambiente nomeados pelo governo que assumiu em janeiro acrescentaram duas contribuições ao rol de polêmicas inúteis que pululam nestes tempos vácuos de lideranças políticas.
Primeiro, ao afirmar que o aquecimento do planeta e a consequente alteração do clima, verdades científicas incontestáveis, seriam produto da intenção conspiratória de alguns países que têm por estratégia manter outros países no subdesenvolvimento(!) – inclusive o Brasil, a sétima maior economia do mundo. Algo insano não?
Segundo, ao defender que a taxa de desmatamento da Amazônia deveria ser estratificada, de maneira a se fazer uma distinção entre os produtores que já extrapolaram o limite legal de desmatamento em suas propriedades e os que ainda têm área a desmatar.
Embora esse raciocínio pareça até coerente, a coerência é só aparente mesmo: na pratica, os gestores do MMA – instância superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente – estão a endossar que os produtores têm e devem exercer o direito de desmatar 20% da área total de suas propriedades rurais.
Reforçando uma conduta que deveriam coibir, a despeito de sua suposta legalidade, os gestores ambientais sustentam que o desmatamento legalizado representa a maior parcela da destruição florestal levada a efeito na Amazônia. Dentro da lógica absurda e obtusa por eles perfilhada, se os produtores têm o direito de desmatar e se a maior parte do desmatamento é legalizada, não haveria o que fazer – portanto, não haveria razão para gritaria.
Acontece que o MMA tem por missão institucional zerar o desmatamento na Amazônia – pouco importando se ilegal ou legalizado.
No primeiro caso, o êxito obtido com as medidas de contenção adotadas no período posterior ao desmatamento recorde ocorrido tanto em 1995 quanto em 2004 demonstra que o elevado investimento em fiscalização fornece o retorno esperado, já no curto prazo.
Apesar do lapso de quase 10 anos entre um recorde e outro, em ambas as ocasiões o esforço fiscalizatório logrou derrubar as taxas de desmatamento a níveis considerados aceitáveis, logo no período seguinte de medição.
A dinâmica apresentada pelo desmatamento nas conjunturas de 1995 e 2004 é similar à dinâmica do desmatamento medido em 2019 – o que significa que reforçar a fiscalização, mesmo que com a ajuda do Exército, como deseja o MMA, resolverá boa parte do desmatamento ilegal.
E ainda que a fiscalização não seja a solução para o desmatamento legalizado, nem por isso os gestores ambientais estão autorizados a lavar as mãos. Ora, ao MMA não é facultado condescender com a devastação da Amazônia – ao contrário, como órgão máximo de execução da Política Nacional de Meio Ambiente, tem a atribuição legal de propor e implementar alternativas produtivas à degradação florestal.
A diferenciação, no somatório das áreas de floresta anualmente destruídas, entre o desmatamento ilegal e o legalizado sem dúvida é importante, mas apenas em termos de definição de estratégia de atuação – jamais para eximir a responsabilidade do MMA.
De outra banda, os gestores do MMA também estão errados em relação à participação do desmatamento legalizado no cômputo total da área de floresta anualmente perdida.
Mesmo não sendo possível comprovar com segurança, todos os indicativos levam a crer que o desmatamento ilegal representa mais da metade dos 9.762 Km² de florestas destruídas em 2019.
Existe uma evidência, muito robusta, como dizem os pesquisadores, que reforça a noção de que o desmatamento ilegal prevalece sobre o legal.
Mais de 80% dos 256 municípios que integram o Arco do Desmatamento (localizado na bordadura curva do bioma Amazônia, entre o Acre e o Maranhão) ultrapassaram o limite legal de áreas desmatadas.
Sem embargo, a verdade é que as autoridades ambientais do momento simplesmente desconsideram o arcabouço de discussões e de produção científica construído no país nos últimos 40 anos.
Sob maior especificidade, qualidade e quantidade a partir de 1988, quando tiveram início as medições por satélite das taxas de desmatamento, sempre executadas com a precisão científica do Inpe, a análise da dinâmica da destruição florestal já foi objeto de um sem-número de artigos científicos e teses de doutoramento.
O mundo espera que o MMA reconheça o óbvio: todo e qualquer desmatamento na Amazônia precisa, em breve, ter fim.
   
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





segunda-feira, 2 de dezembro de 2019



688 km2 desmatados no Acre em 2019: recorde para os últimos 15 anos
* Ecio Rodrigues
Períodos eleitorais costumam aquecer a economia no Acre, e uma vez que a elevação de 55% no desmatamento anual foi aferida entre 01/08/2018 e 31/07/2019, fica a dúvida: de quem é a culpa?
Segundo o prestigiado Inpe, em 2019 o Acre bateu recorde de desmatamento para os últimos 15 anos, sendo que uma espantosa área de 688 km2 de florestas foi completamente destruída, em corte raso – isto é, sem chance de regeneração.
A dúvida quanto à responsabilidade, ou culpa, pela absurda destruição florestal que mancha a reputação do estado, e que certamente não é motivo de orgulho para os acreanos, é mais que pertinente.
Explicando melhor. Uma parte desse desmatamento recorde medido pelo Inpe ocorreu nos últimos 5 meses de 2018, durante e logo após o período eleitoral, ocasião em que os produtores rurais investem para aumentar o pasto, apostando na omissão generalizada dos políticos que disputam seu voto.
Afora a usual injeção de dinheiro público na economia, por meio dos recursos oriundos do Fundo Partidário que abastecem as campanhas eleitorais, no caso específico do Acre, os produtores rurais foram incentivados a desmatar – tanto pelo governo da época como também por todos os candidatos da oposição, sem exceção.
Nenhum partido ou candidato apresentou alternativa viável para o futuro do estado que não fosse o agronegócio (ainda que ninguém tenha se dado ao trabalho de esclarecer, ou pelo menos debater, que categoria de agronegócio seria adequada à realidade rural e florestal de cada município).
Por sua vez, o governo que assumiu em janeiro de 2019, reproduzindo as declarações de baixo nível técnico do governo federal, fez questão de sair em defesa de um suposto direito de desmatar do produtor – muito embora não tenha demonstrado capacidade para explicar a que se destinaria o desmatamento da floresta no Acre.
Quer dizer, o governo estadual até o momento não conseguiu fazer uma distinção clara entre a produção de commodities para exportação (leia-se: cultivo de soja) e a criação extensiva de boi, atividade antiga e predominante no meio rural local.
No frigir dos ovos, o tal apoio ao agronegócio, prometido como a “redenção da economia”, não passa de incentivo à destruição da floresta para cultivo de capim e criação de boi – ou seja, a mesma pecuária extensiva e de baixíssima produtividade que vem sendo praticada nos últimos 40 anos, e que exige a destruição de um hectare de floresta para cada boi criado.
De outra banda, o governo anterior, ao abraçar o agronegócio, abandonando o projeto “Florestania”, que pressupunha uma saída econômica para o desenvolvimento do Acre por meio da exploração da biodiversidade florestal, teve expressiva parcela de responsabilidade sobre o desmatamento recorde de 2019.
Por sinal, as flutuações nas taxas anuais de desmatamento em território estadual nos últimos 20 anos evidenciam a dificuldade dos gestores ambientais para controlar a permanente tendência de alta.
Adotando costumeira atitude defensiva, os governos de antes e o de agora insistem no argumento de que é possível criar boi sem desmatar novas áreas de floresta, a despeito das fartas evidências científicas demonstrando o contrário.
Se existe algum aprendizado a ser extraído das idas e vindas do atual governo com relação à extinção e recriação do IMC-AC (Instituto de Mudanças Climáticas do Acre), é que o mundo já não admite a destruição florestal na Amazônia.
Outro aprendizado: controlar o desmatamento é mais complicado do que se imagina, exige um nível de competência técnica que não é fácil encontrar por aí.

  *Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre