domingo, 24 de fevereiro de 2013


Terra Legal não resolve imbróglio fundiário na Amazônia

* Ecio Rodrigues
Instituído em meio a grande polêmica, o Programa Terra Legal, do governo federal, não consegue avançar para solucionar o antigo e extremamente grave problema fundiário da Amazônia. Desde 2009, quando o programa foi implantado pela via do autoritarismo que cerca a edição de medidas provisórias pelo Executivo, tem-se discutido muito, polemizado bastante, mas não se resolveu quase nada.
À época, sob a tutela da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, então ocupada por Mangabeira Unger, chegou-se a conclusão (evidente, diga--se) de que as dúvidas jurídicas relacionadas à propriedade das terras em regiões como a Amazônia se configurava no maior e mais elementar entrave para se pôr em prática qualquer tipo de modelo de desenvolvimento.
Como sempre, o problema real estava (e permanece) na Amazônia, mas a incapacidade intrínseca da tecnocracia de Brasília para a objetividade fez com que o programa tivesse abrangência nacional. Talvez esteja aí o primeiro grande equívoco, uma vez que, diferentemente do que acontece nas outras regiões, na Amazônia o processo de desenvolvimento ainda se encontra em franca discussão.
A insegurança jurídica leva o pretenso proprietário a assumir duas atitudes perigosas, que obstam qualquer tipo de projeto de desenvolvimento regional.
Por um lado, ele hesita em tomar qualquer decisão de investimento, já que receia vir a perder a posse da terra. Como consequência, não aplica o dinheiro que ganha com a exploração da propriedade rural na consolidação desta e na ampliação do seu valor patrimonial.
Por outro lado, numa atitude ainda mais prejudicial para o processo de desenvolvimento, ele se exime de qualquer responsabilidade sobre a forma de exploração dos recursos florestais ali presentes. Afinal, não considera a terra que ocupa como seu efetivo patrimônio.
Desmatamento e queimada, problemas que chamaram a atenção do mundo para a Amazônia, são conseqüências dessa isenção de responsabilidade. Ora, como o seu direito de propriedade não é reconhecido, o suposto proprietário não pode ser imputado, seja sob o ponto de vista civil, seja sob o criminal, pelas irregularidades cometidas na exploração da terra.
Numa espécie de pressão equivocada por parte de ambientalistas desinformados e mesmo (o que é de espantar) por parte da pasta de Meio Ambiente do próprio governo federal, a Medida Provisória 458, que instituiu o Terra Legal, foi apelidada de “MP da Grilagem”.
Especulou-se, com apoio rápido e manifesto de uma mídia igualmente pouco informada, que a regularização fundiária promovida por meio da referida MP resultaria em distribuição de terra, ou melhor, no reconhecimento da propriedade de grileiros - que, por sua vez, teriam usurpado a terra de pequenos produtores pobres e desamparados. (Costuma-se defender um ideal de pequeno produtor que, muitas vezes, não passa de um ideal mesmo).
Para responder à pressão generalizada dos que achavam a regularização fundiária (pasme-se) desnecessária, o governo estabeleceu um rol de regras, a fim de assegurar que nenhum grileiro – veja bem, nenhum! – fosse beneficiado pelo processo de regularização.
No final das contas, o resultado (previsível) foi que nem o grileiro, nem o pequeno produtor ideal, nem o pequeno produtor real, nem o médio e nem o grande produtor tiveram suas propriedades regularizadas, uma vez que o governo não conseguiu superar as regras que ele mesmo instituiu.
Sem a regularização fundiária não haverá modelo de desenvolvimento amazônico baseado na floresta. A conclusão é que continuaremos a esperar a divulgação da taxa anual de desmatamento.

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
                  

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013


Zoneamento Ecológico-Econômico fracassou no Acre
* Ecio Rodrigues
Importando em custos extraordinários para as frágeis economias locais, a realização de zoneamento ecológico e econômico (ZEE) nos estados amazônicos sempre contou com a ajuda internacional. Ou por meio de financiamentos que elevaram a dívida externa ao limite da capacidade de endividamento, como ocorreu no Acre e no Amapá, ou mediante doações não reembolsáveis, a verdade é que sem a cooperação de outros países o ZEE não seria uma realidade na Amazônia contemporânea.
Mas nenhum país se esforçou tanto para a consecução do ZEE na Amazônia como a Alemanha. Por meio de sua agência de cooperação internacional, a GIZ (da sigla impronunciável em alemão), os alemães acompanharam de perto a execução dos estudos e as decisões sobre as zonas em cada um dos estados amazônicos.
Por um lado, o empenho germânico é perfeitamente compreensível, já que os alemães são famosos no mundo por suas técnicas de planejamento. É de lá que vieram os métodos de planejamento por objetivos, como o conhecido ZOPP, a sigla para Zielorientierte Projektplanung – do (novamente) impronunciável alemão.
Por outro lado, todavia, esse esforço não é assim tão compreensível quando parece certo que – tratando-se de um modelo de macro planejamento, com certo grau de generalização, que envolve custos elevadíssimos, realizado numa região de grande complexidade como a Amazônia – haverá muita dificuldade para a aplicação das conclusões técnicas, uma vez que o ambiente social e político não é capaz de assimilá-las.
Em outras palavras, parece que os alemães e os planejadores que atuam na alta esfera da tecnocracia estatal, em Brasília, em especial na área do Meio Ambiente, não sabiam o que para os amazônidas é evidente: por aqui, ninguém planeja nada, não.
Ou melhor, pode-se até planejar, mas ninguém vai levar a sério a execução do que foi planejado. Isto é, haverá um monte de reuniões, muita consultoria para peritos nacionais e internacionais, compra de centenas de caminhonetes com cabine dupla, pagamento de milhares de diárias e, no final, alguns documentos ornamentarão as estantes das salas de gestores de órgãos públicos.
No Acre, onde o ZEE foi vendido como tábua de salvação, não foi diferente. A despeito de ter sido convertido em legislação estadual, O ZEE fracassou no Acre. E três constatações demonstram esse fracasso.
Em primeiro lugar, a definição final das zonas de ocupação produtiva não respeitou as conclusões resultantes dos custosos estudos realizados. No frigir dos ovos, o resultado concreto foi a expansão das áreas destinadas à pecuária nos locais de melhor logística, uma vez que a ampliação em 30% das áreas cobertas por pastos (em face da redução da área de Reserva Legal de 80% para 50% da propriedade privada) ocorreu ao longo das rodovias pavimentadas.
Em segundo lugar, não se executou o zoneamento. Vale dizer, ainda que não tenha havido descontinuidade na gestão política estadual, ainda que praticamente a mesma equipe que contratou o ZEE continue desempenhando as funções necessárias para levar adiante o seu implemento, ainda que nada tenha, de efetivo, sido alterado, ainda que não tenha acontecido nenhum incidente de percurso, ante a nossa capacidade espantosa de esquecer o que foi planejado, o ZEE foi, sumariamente, esquecido.
Por fim, em terceiro lugar, passados cinco anos da conclusão do zoneamento, encontrando-se a lei do ZEE em plena vigência, o desmatamento no Acre aumentou de maneira surpreendente e perigosa. Esse talvez seja a mais contundente e explícita evidência que comprova o fracasso do ZEE no Acre.
Reduzir a zero o desmatamento e ampliar as áreas de florestas manejadas era o que pretendia o ZEE no Acre. Alguém viu isso acontecer?           
                
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
                  

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013


O Conama e a restauração florestal da mata ciliar
* Ecio Rodrigues
Considerada a mais importante inovação tecnológica concebida no âmbito do         “Ciliar Só-Rio Acre” – projeto executado em 2007 com recursos do CNPq, e que se deteve no estudo da mata ciliar do rio Acre – o Índice de Valor de Importância para Mata Ciliar, batizado de IVI-Mata Ciliar, é uma ferramenta metodológica, ou uma técnica, como preferem alguns, para a definição das espécies florestais (nativas) a serem empregadas na restauração florestal de uma determinada mata ciliar.
         O debate a respeito do tipo de árvores que deveria compor os projetos de restauração de matas ciliares durou muito tempo. Enquanto, de um lado, um grande número de técnicos acreditava que o caminho seria o emprego de espécies com valor comercial, sob o argumento principal de que o produtor teria preferência por esses cultivos, de outro lado, um contingente igualmente expressivo de técnicos defendia plantios voltados para a conservação desse tipo especial de formação florestal, a mata ciliar, intimamente relacionada com a qualidade e a quantidade de água que corre no leito dos rios.
         Discussões intermináveis foram travadas em dois ambientes institucionais distintos – um nos domínios do Poder Executivo e outro na esfera do Poder Legislativo. O processo de discussão culminou com a edição, em fevereiro de 2011, da Resolução 429, do Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama, que prescreveu o uso exclusivo de espécies florestais nativas na restauração florestal de matas ciliares.
         Parece não haver dúvidas que os conselheiros do Conama estavam conscientes quanto ao fato de que a restauração da mata ciliar não deve se submeter aos anseios dos produtores por resultados econômicos. Vale dizer, longe de se caracterizar como atividade econômica, os projetos de restauração são – como sua denominação indica – restauradores das funções ecológicas originalmente prestadas pela respectiva formação florestal a ser reconstituída.
         Mediante a Resolução 429, o Conama reforçou a função conservacionista da mata ciliar, conferindo ênfase à importância dessa vegetação para a manutenção do equilíbrio hidrológico do rio. Ao prever a realização de plantios puros ou consorciados em sistemas agroflorestais (desde que as espécies florestais empregadas sejam nativas), o Conama procurou resgatar a importância ecológica da formação florestal primitiva da mata ciliar.
Sublinhe-se que a norma ambiental não determina o emprego de espécies nativas nacionais, ou da região, ou mesmo do bioma atinente à floresta sob restauro. Bem mais exigente, a norma alude às espécies florestais nativas da própria mata ciliar; ou seja, às espécies consideradas endêmicas na mata ciliar que se pretende restaurar.
Enquanto o Conama se debatia para a definição da importante Resolução 429, o Congresso Nacional se envolvia em uma conturbada discussão sobre o Código Florestal.
As alterações propostas pelos deputados federais enfocaram justamente as prescrições do Código Florestal relacionados ao desmatamento das florestas existentes nas Áreas de Preservação Permanente e nas porções de Reserva Legal.
Os parlamentares cometeram o equívoco de reduzir a largura mínima da faixa de florestas a ser mantida e conservada nas margens dos rios – que passou de 30 metros, como previsto no Código Florestal de 1965, para apenas cinco metros. Mais grave ainda, os parlamentares tentaram – na contramão das disposições contidas na referida Resolução 429 – permitir o emprego de frutíferas exóticas na restauração florestal da mata ciliar.
A intenção era a de transformar um tipo especial de formação florestal, localizado nas margens dos rios – e que possui fundamental importância para a vazão do rio, para a qualidade da água e para a fauna aquática e terrestre que habita esse ambiente – num grande laranjal, num grande pomar.
A despeito da vontade dos parlamentares, contudo, as diretrizes da Resolução 429 do Conama foram mantidas e o estrago não foi maior. Ainda bem.
                
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
                  

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


Desmatamento aumenta no Acre, que estranho!
* Ecio Rodrigues
Festejada durante a realização da COP 18 (a Conferência das Partes sobre mudanças no clima), a menor taxa de desmatamento já registrada na Amazônia desde 1988, quando teve início esse tipo de medição, foi considerada uma das melhores notícias para compensar a crise ecológica de 2012.
Segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais, Inpe, no período entre agosto de 2011 e julho de 2012, foram desmatados, na Amazônia, o equivalente a 4,6 mil quilômetros quadrados – um número bem inferior aos 6,4 mil quilômetros de florestas destruídas no período anterior.
Para o Inpe, todavia, esse número poderia ser ainda menor. Ocorre que, em três estados amazônicos, o desmatamento aumentou – o que inibiu uma queda ainda mais significativa da taxa de desmatamento, considerando-se toda a extensão da região. Em dois desses estados, Tocantins e Amazonas, a ocorrência de eventos isolados explica esse aumento, que se limitou a algumas áreas localizadas.
A surpresa ficou por conta do terceiro estado, Acre. No caso desse estado, os técnicos do Ministério do Meio Ambiente e do Inpe não conseguiram encontrar uma explicação para o avanço do desmatamento.
Além de contrariar a tendência de queda, o aumento do desmatamento no Acre não se restringiu a uma área específica, o que significa afirmar que o desmate aconteceu de forma distribuída em território estadual.
Embora o Acre costumeiramente apareça nas estatísticas ao lado dos estados que se esforçam para reduzir o desmatamento, um conjunto de decisões de política pública podem, se não explicar a ampliação do desmatamento, ao menos demonstrar que há uma estratégia de ocupação do território que poderá pôr em risco, num futuro próximo, a manutenção da floresta.
Quando se toma, por exemplo, uma decisão como a que resultou na extinção da Secretaria Estadual de Florestas, um sinal é automaticamente emitido para os agentes econômicos: haverá mudança de prioridade na gestão pública. Afinal, não há como justificar que a política estadual de florestas, ante o fechamento de seu principal órgão, não vá sofrer descontinuidade em seus projetos.
Como o investimento privado é rápido para captar oportunidades, a conclusão de que a política florestal perdeu prioridade em relação às atividades que pressupõem a substituição da floresta, ocorre de forma instantânea. Por conseguinte, o deslocamento de recursos de capital e de trabalho para a substituição da floresta pelo plantio de alguma cultura é imediato.
Adicione-se à extinção da Secretaria de Florestas o elevado incentivo que tem ocorrido no estado para a criação de ovelhas, para o plantio de coco, de manga, de cana-de-açúcar e assim por diante.
E, finalmente, inclua-se nesse pacote de políticas públicas a determinação de conter as ações dos órgãos de controle voltadas para inibir o licenciamento de desmatamentos e queimadas.
Espera-se que o aumento do desmatamento no Acre não seja uma tendência, como já aconteceu num passado recente, que alarmou a sociedade local e que parecia esquecido. Essa tendência poderá ser ou não confirmada pelas estatísticas de desmatamento, a serem calculadas pelo Inpe no final de 2013.
Contudo, o susto com o aumento do desmatamento no Acre só não se tornará um pesadelo daqui a doze meses, se novas decisões de política pública forem tomadas agora, neste momento.
Vale dizer, seria um grande equívoco creditar-se o aumento do desmatamento no estado a um mero acaso, a um simples acidente de percurso.
   
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
                  

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre