segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

200 engenheiros florestais formados no Acre
* Ecio Rodrigues
Eram em torno de seis, um pouco mais talvez, mas não passavam de dez os engenheiros florestais – todos importados da região Sudeste – que atuavam no Acre no final da década de 1980.

Anos turbulentos, aqueles; a Amazônia ostentava elevadas taxas de desmatamento, e o mundo pressionava os brasileiros a encontrar uma saída para evitar a destruição da maior floresta tropical do planeta.

Foi quando surgiu a concepção das Reservas Extrativistas, um tipo especial de projeto de assentamento, que, diferentemente dos demais, não assentava produtores em novas áreas de terra, simplesmente reconhecia a posse de quem já estava lá (ou seja, dos seringueiros que permaneciam nas colocações de seringa). Em contrapartida, os extrativistas aceitavam a condição de produzir de maneira diversa da prevista na cartilha comum da expansão agropecuária, baseada no desmatamento e na criação de boi.

O manejo da floresta para a produção de borracha e de um rol de mais de 40 produtos - incluindo a madeira, obviamente - foi a saída encontrada para viabilizar um modelo de ocupação produtiva que se adequasse aos ideais de sustentabilidade preconizados para a Amazônia.

Por meio da tecnologia do manejo florestal comunitário (para o caso da madeira) e da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo (para a floresta como um todo), os ex-seringueiros - agora manejadores florestais - poderiam obter renda e conservar a floresta. É provável que essa tenha sido a principal contribuição que os extrativistas do Acre, com ajuda dos engenheiros florestais, legaram para o desenvolvimento da região.

Nascia ali uma Engenharia Florestal genuinamente do Acre. Mas foram necessários muitos anos para que seu passo mais significativo fosse dado: a criação do curso de graduação na Universidade Federal do Acre.

Hoje, ao completar 13 anos de funcionamento – e sempre recepcionando 80 alunos por ano – a Engenharia Florestal da Ufac está comemorando a graduação de seu engenheiro de número 200.

Embora exista, apenas no âmbito das reservas extrativistas – que somam quase 2,5 milhões de hectares no estado – demanda para um contingente estimado em mais de 250 engenheiros florestais (o que ajuda a explicar o fato de que os graduados não ficam desempregados), a importação desse profissional já não é necessária.

Contando com mais de 10 professores-doutores em seu quadro de docentes, e investindo na formação de engenheiros com perfil para atuar no Acre e na Amazônia, o curso da Ufac se vê às voltas com os desafios da pós-graduação.
Depois da criação de um Programa de Residência Florestal, que já está na terceira turma e tem foco na especialização em Gestão Florestal, a meta agora é a implantação de um curso de Mestrado em Ciência Florestal.

Decerto que depois de 200 engenheiros formados – o que tem grande impacto em âmbito regional -, a demanda para o mestrado é expressiva. Ademais, para um estado como o Acre, e uma região como a Amazônia, com categórica vocação florestal, a importância da pós-graduação em Ciência Florestal é inquestionável.

Contudo, e infelizmente, esses critérios não são levados em consideração no equivocado processo de avaliação levado a efeito pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o órgão do Ministério da Educação responsável pela implantação dos cursos de pós-graduação. Assim, o esforço da equipe não tem alcançado sucesso, e cinco propostas de mestrado já foram recusadas. Sem embargo, uma sexta tentativa será realizada em 2014.

Além do aprimoramento dos profissionais formados no estado, a insistência dos professores-doutores tem uma razão simples – o histórico significado da Engenharia Florestal para o Acre.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

                  

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O novo Código Florestal e o aumento do desmatamento na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Pode ser que não exista uma relação direta, da mesma forma que pode ser que exista, mas o fato é que, quando o novo Código Florestal foi aprovado, em maio de 2012, muitos, incluindo os cientistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, alertaram para a possibilidade de ampliação do desmatamento. E o desmatamento, realmente, aumentou na Amazônia.

O aumento ocorrido na taxa de desmatamento foi anunciado em Varsóvia, durante a Décima Nona Conferência das Partes (COP 19, na sigla em inglês), evento anual que discute as mudanças climáticas.

Houve quem relativizasse esse aumento, ponderando, em especial os representantes do governo federal, que o avanço se deveu a ações conjunturais e localizadas que tiveram lugar em alguns estados amazônicos, principalmente no Mato Grosso. Mas uma avaliação criteriosa e menos emocional demonstra que não é bem assim.

Desde que, pela primeira vez, a área anual desmatada foi inferior a 5000 km quadrados (no período entre agosto de 2011 a julho de 2012), as autoridades responsáveis pelo monitoramento do desmate na Amazônia passaram a acreditar que existia uma tendência de queda.

Entretanto, entre agosto de 2012 e julho de 2013, foram desmatados 5.843 km quadrados de floresta. Essa cifra representa um aumento de 28%, quando comparada à área atingida em 2012, que foi de 4.571 km quadrados.

A conclusão óbvia e ao mesmo tempo perigosa é que a tendência de queda pode ter se invertido. Este talvez seja o mais importante fato relacionado à dinâmica do desmatamento na Amazônia. E embora não seja um aumento que se possa considerar expressivo - haja vista os recordes alcançados em 1996 e em 2005, quando a área desmatada ultrapassou a casa dos 27.000 km quadrados –, não pode ser desconsiderado ou desvalorizado.

Um novo ciclo de ampliação do desmatamento pode estar por acontecer. Essa perspectiva é corroborada pela declaração feita pela Ministra do Meio Ambiente, de que o governo federal não irá tolerar a existência de desmatamento ilegal na região.

É de refutar-se, porém, que as áreas destinadas aos desmatamentos legalizados já não existem com tanta fartura. Considerando-se a porção de 20% das propriedades privadas que é passível de ser desmatada, como previsto no Código Florestal (tanto no antigo quanto no atual), é fato que, pelo menos nas localidades com acesso rodoviário, já foi desmatada percentagem superior.

Aliás, a inexistência de áreas disponíveis para o desmate legalizado pode mesmo se configurar no xis da questão. Ora, se não existe mais possibilidade de desmatamento legal, significa que todo e qualquer desmatamento passa a ser ilegal (o que, diga-se de passagem, facilita significativamente os procedimentos de fiscalização).

Mas, enfim, se em 2013 a economia nacional apresentou crescimento pífio, se não houve eleições, e se não foi levado a cabo nenhum programa específico de fomento produtivo na Amazônia (essas três circunstâncias, comprovadamente, promovem a ampliação do desmatamento), quais as razões para a tendência de queda se inverter e a área desmatada em 2013 ser 28% maior que a de 2012?

É difícil de responder. No mínimo, é necessário aguardar a aferição da taxa de 2014. Longe de torcer pelo pior, espera-se que a retórica oficial acerte e que a reversão na tendência de queda não seja confirmada. Caso contrário, como já referido, estaremos diante de um novo ciclo de crescimento do desmatamento na Amazônia.

Um ciclo de desmatamento a ser debitado, seja em função das novas regras, seja em face da demonstração de força dos ruralistas, na conta do novo Código Florestal. 


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Sobre vacas e ovelhas
* Ecio Rodrigues
Seria otimismo exagerado imaginar que pecuaristas renitentes, que sempre exerceram a pecuária e dessa atividade sempre obtiveram renda, procedessem a uma alteração substancial em suas unidades produtivas, a fim de trocar de animal, indo do boi para a ovelha. Independentemente da escala de produção, passar do boi para os caprinos (cabras, cabritos e bodes) ou para os ovinos (ovelhas e cordeiros) significaria organizar um novo – e bem diferente, diga-se – tipo de produção.

É certo que o apoio governamental ajuda (e muito) a convencer os produtores a embarcarem nessa aventura. Sem dúvida que, contando com o lastro do dinheiro público, os produtores se sentem mais seguros para se envolver com a criação das ovelhas, já que não teriam que arcar com iniciativas de alto custo, como a aquisição de matrizes selecionadas que funcionam como matriarcas do rebanho (daí o seu alto valor).

Entre outros incentivos, o Estado pode ainda fornecer crédito subsidiado e se comprometer com a estrutura de abate, uma vez que as novas criações precisam de matadouro próprio, não podendo ser aproveitadas as instalações empregadas para o abate de bois e porcos.

A despeito desse patrocínio, contudo – e é possível que apenas os extensionistas rurais, que estão no contato diário com os produtores, possam, verdadeiramente, explicar isso – o fato é que os produtores não só não querem mudar do boi para a ovelha, como de fato não irão fazê-lo. Estão apenas deixando-se levar, sabendo que podem entrar e sair da atividade sem qualquer tipo de comprometimento.

Existe uma cumplicidade entre quem financia, que precisa mostrar para a sociedade que a produção rural goza de apoio do governo, e quem é financiado, que vive ávido por apoio de qualquer ordem, seja em dinheiro ou assistência técnica, que solidifica uma relação com a produção rural, que, de concreto, promove a ampliação de pastos.

Por outro lado, a razão que leva os governos, sobretudo na Amazônia, a investirem recursos públicos para estimular a produção de ovelhas ou outro animal que não seja o boi, parece ser uma só: é feio financiar a pecuária bovina.

Promover a pecuária bovina passou a ser feio de uns anos para cá. Desde a Rio 92, a segunda conferência da ONU sobre desenvolvimento e meio ambiente, que o cerco sobre a instalação da pecuária de gado na Amazônia vem se fechando. Atualmente, até mesmo ardorosos defensores dessa atividade já se convenceram que o futuro dela, na região, é limitado.

Não haverá mais meios de expansão, pois novas terras significarão novos desmatamentos, algo que a sociedade não irá tolerar. De outra banda, a ampliação da produtividade, a fim de aumentar a quantidade de bois criados numa mesma quantidade de terras já desmatadas, tem limites impostos por uma realidade de mercado, a saber, custos elevados.

Como é feio promover a pecuária, o apoio público, que existe e não é pequeno, acontece por vias tortuosas, que não são explícitas. Mas é esse apoio que fornece a essa atividade a importância econômica que ela possui na região.
 Todavia, se é feio mostrar apoio à criação de boi, não será diferente, no curto prazo, com a criação de ovelhas. Uma série de elementos relacionados à produção de ovinos e caprinos afastam essa atividade dos ideais de sustentabilidade, tanto ou mais que a própria criação de boi que (paradoxalmente) se pretende substituir.

Além do fato de que se trata de animais que vêm sendo melhorados geneticamente ao longo dos anos, como é o caso da falecida Dolly, que foi clonada, as ovelhas também exigem o cultivo de pastagens – o que, no frigir dos ovos, irá significar mais desmatamentos no futuro.

Ou seja, com as ovelhas não se muda nada na produção rural amazônica, a lógica insustentável da pecuária bovina continua prevalecendo. 

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

                  

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A final: será que o termo Proteção Integral não se faz entender??

Alana Chocorosqui Fernandes*


Instituído pela Lei 9.985 de 18 de julho de 2000, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação foi uma resposta à ausência de leis que previam a proteção do meio ambiente e recursos naturais. O SNUC, como é popularmente abreviado, reuni informações para criar, gerir e manter as Unidades de Conservação (UCs) do país. Estabelece ainda os tipos de UCs e suas características.
Entre os diferentes tipos de UCs, uma divisão maior é feita, em dois grupos, considerando a intensidade de proteção, ou, por outro lado, de uso. O primeiro e mais permissivo, é o grupo de UCs de Uso Sustentável. Neste grupo, a conservação da natureza é aliada ao uso dos recursos naturais, desde que haja sustentabilidade, podendo se realizar o uso direto da unidade. A segunda categoria de UCs são as de Proteção Integral, que como o próprio nome sugere, são mais restritivas, permitindo apenas o uso indireto dos recursos, com atividades que não interfiram no ambiente, como a pesquisa, educação ambiental e turismo ecológico.
Um importante detalhe quando falamos em Proteção Integral e que neste grupo de UCs a atividade de mineração não é permitida.
Historicamente, já temos em nosso país uma retração na criação de unidades desse tipo, justamente porque restringe mais o uso, a fim de garantir, de fato, que a proteção desse espaço territorial garanta a não tão fácil missão de preservar a natureza.
Já não é de hoje, que os olhos de muitos brilham ao perceber o que tem dentro das UCs, e a busca pela redução de suas áreas, pela transformação de UCs de Proteção Integral em de Uso Sustentável ou a possibilidade de mais permissividade nas categorias mais restritas são cogitadas.
Ate que hoje, uma noticia sob o titulo “Projeto libera mineração em Parques e de quebra muda o SNUC” me chamou a atenção. O Projeto de Lei 3.682/2012 está pronto para ser votado na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e tem como objetivo, abrir 10% das Unidades de Conservação de proteção integral à mineração.
Você pode até dizer que temos muitas florestas, ou que isso vai trazer muita riqueza para o país, e isso e bom, certo!??? Reflitamos! Nossa ação sobre a natureza e tão agressiva, que nós mesmos precisamos criar unidades de conservação para proteger áreas de nossas próprias ações. Criamos considerando que nem todas essas áreas seriam invioláveis, mais que permitiriam o uso e gerariam renda e oportunidades para seus moradores, municípios, estados e para o país. Então, porque mexer nas UCs de Proteção Integral???
Essas áreas deveriam ser protegidas, para garantir a real conservação da área e seus serviços ambientais, a final, quanto vale uma floresta?  E quando pensamos na proposta, estamos falando na permissão de uma atividade nada degradante, como é o caso da mineração, certo?
Outras mudanças como o trecho:

Fica vedada a criação de unidades de conservação da natureza em áreas:
I – antropizadas com estrutura produtiva consolidada;

Impediriam a criação das APAs (Área de Proteção Ambiental) que são áreas protegidas do grupo de Usos Sustentável que tem por característica serem áreas de grande extensão, com certo grau de ocupação humana.
A proposta do Projeto de Lei retiraria ainda, os parágrafos que regulam as atividades permitidas às populações tradicionais dentro das UCs de Uso Sustentável, como por exemplo, a proibição à caça de animais ameaçados de extinção.
Outra modificação importante foi dispensar lei específica para alterar aumentar ou reduzir o tamanho ou limites das Unidades de Conservação, contra o que dispõe o Inciso III do artigo 225 da Constituição Federal, que prevê a desafetação de UC somente por decreto presidencial, e que por sinal até hoje, não foi feito. Caso uma primeira desafetação aconteça, surgirá um precedente perigoso para os limites de todas as demais UCs do país.

Para o deputado autor do projeto, essas mudanças são necessárias para “liberar áreas com riquezas minerais estratégicas para o desenvolvimento do País sem comprometer nosso esforço em favor da conservação”. Ora deputado, a quem esse discurso engana??? A final, será que o termo Proteção Integral não se faz entender???? Ou deve ser porque o que importa são os cifrões?? As UCs são um pequeno passo que damos na proteção de ecossistemas, mais agora me parece, que estamos andando pra trás. 

 (*) Alana Chocorosqui Fernandes é Engenheira Florestal pela Universidade Federal do Acre e Mestranda do Programa de Ciências de Florestas Tropicais do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

(**)Informações retiradas do texto: Projeto libera mineração em Parques e de quebra muda SNUC disponível em:<http://www.oeco.org.br/reportagens/27801-projeto-libera-mineracao-em-parques-e-de-quebra-muda-snuc> Acesso dia 28 de novembro de 2013.


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Os portugueses e o mercado da rolha de cortiça
* Ecio Rodrigues
A região de Coruche, em Portugal, intitula-se “Capital Mundial da Cortiça”, por abrigar uma extensa área coberta por Montado de Sobreiro, um sistema de produção tradicional, que consorcia árvores que produzem cortiça com espécies forrageiras, usadas para pastoreio animal, e outras culturas de ciclo curto.
Na condição de uma das maiores produtoras de cortiça e com uma expressiva indústria de rolha de cortiça ali instalada, Coruche lança diariamente no mercado cinco milhões de rolhas que são exportadas, sobretudo, para fins de vedação das garrafas que embalam o vinho produzido em França, Itália, Argentina, e assim por diante.
Em Coruche existe, ainda, um centro de negociação dedicado à cortiça (o Observatório do Sobreiro e da Cortiça), e é organizada, periodicamente, a Feira Internacional da Cortiça.
Além de Coruche, outras regiões portuguesas são dependentes da produção de cortiça que há séculos é praticada sob esse modelo de sistema agrosilvopastoril denominado Montado de Sobreiro. Um sistema de produção que goza de alguma similaridade com os Sistemas Agroflorestais existentes na Amazônia brasileira, voltado para a produção de pupunha, por exemplo.
Ocorre que a cortiça – que tem em Portugal seu maior expoente internacional, uma vez que 50% da cortiça que abastece a demanda do mercado mundial é de origem portuguesa – é produzida a partir de uma espécie florestal, o sobreiro, ou Quercus suber, do gênero do carvalho.
Esse tipo de cobertura florestal representa 21% de toda a área ocupada por florestas em Portugal, encontrando-se, com maior expressão, na parte central e sul do país, nas regiões conhecidas como Ribatejo e Alentejo, sob a influência do rio Tejo.
Tal como ocorre com alguns produtos florestais, a cortiça passa por momentos difíceis de mercado, em face de sua substituição por matéria-prima sintética.  
Com efeito, a cortiça tem sido substituída por isopor e plástico, entre outros materiais oriundos da poluente e exaurível indústria do petróleo. É provável que esteja na fabricação de rolha o derradeiro e mais importante uso da cortiça, sendo que Portugal também é o maior produtor mundial.
A produção de cortiça é sustentável, pois se trata de matéria-prima extraída da casca de uma árvore. Essa casca se renova de tempos em tempos, e as técnicas de manejo florestal que garantem que a extração ocorra sem pôr em risco a própria árvore foram estudadas e desenvolvidas pelos engenheiros florestais europeus, sobretudo os portugueses.
A produção de rolha de cortiça, por sua vez, ajusta-se aos ideais de sustentabilidade preconizados no mundo porque o manejo florestal da árvore de Quercus suber é largamente praticado no Montado de Sobreiro. Ou seja, a quantidade de sobreiros atualmente existente e em condições de ser manejada é suficiente para garantir a oferta sustentável de cortiça para as suas variadas aplicações em todo o mundo.
Finalmente, após o seu uso – seja como rolha ou outra aplicação qualquer, como na poderosa indústria de decoração ou na de artesanato –, a cortiça descartada transforma-se em matéria orgânica para a adubação de solos agricultáveis.
 A poluente indústria do petróleo, por outro lado, logrou produzir uma rolha de plástico, com preços inferiores aos da cortiça, mas cujo processo de produção e de descarte aumenta de forma perigosa a quantidade de carbono jogada na atmosfera.
A fim de manter sua produção de cortiça, a estratégia dos portugueses tem sido alertar para o risco de alteração no clima provocado pela rolha de plástico. Será que dará certo?


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Após 37 meses, democracia e fuso horário são devolvidos ao Acre
* Ecio Rodrigues
Parece até causo do tempo dos coronéis nordestinos, que mudavam curso de rio, faziam mulher parir, cabra macho chorar, aparecer voto onde não havia gente, e até transformavam boto em gente e vice-versa: depois de 37 meses, a hora retirada do fuso horário do Acre finalmente vai voltar.
Entender essa história exige certo domínio sobre os trâmites que envolvem o processo legislativo e a aprovação de leis que transformam a vida das pessoas. Mas, nem que seja por uma questão pedagógica, vale a pena tentar.
A novela começa com o trabalho de alguns técnicos, funcionários de carreira do Congresso Nacional, muito bem remunerados pela sociedade, que prepararam um estudo demonstrando que a redução da quantidade de fusos horários existentes no Brasil, de quatro para três, traria benefícios econômicos em âmbito nacional e ajudaria a melhorar a dinâmica econômica nas regiões abrangidas pelo quarto fuso – que compreende o Acre e alguns poucos municípios do Pará e do Amazonas.
O estudo motivou a promulgação de uma lei, já que os quatro fusos haviam sido instituídos por um decreto presidencial de 1913. Assim, de uma hora para outra, com o perdão do trocadilho, o quarto fuso foi extinto em 2008.
Contudo, nem os técnicos do Congresso Nacional nem os parlamentares tiveram sensibilidade para perceber que não se tratava de mera questão econômica. Sendo o planeta Terra redondo, ou quase redondo, como afirmam os geólogos, o sol nasce e se põe em horários diversos, de acordo com a localização do indivíduo em solo terrestre.
A conclusão é que um contingente considerável de pessoas, incluindo toda a população do Acre, teve sua rotina severamente afetada, ao ter que começar a acordar de madrugada para ir trabalhar (ou estudar), e, por outro lado, a voltar para casa, no final do expediente, com o sol ainda luzindo.
Um referendo – e não plebiscito, uma vez que a hora já havia sido alterada sem consulta prévia – foi realizado no Acre, evidenciando que os habitantes desse estado eram contrários à sua inclusão no terceiro fuso horário. Todavia, a única população ouvida foi a do Acre, e isso iria fazer uma diferença enorme no final do enredo.
Acontece que o resultado do referendo não foi acolhido de forma automática, para efeito de revalidar o quarto fuso. Assim, por excesso de burocracia, decidiu-se pela necessidade de elaboração de um projeto de lei, para alterar a norma que havia, por sua vez, modificado o decreto presidencial de 1913.
Depois de tramitar por mais de um ano na Câmara dos Deputados, o projeto que acatava o que a população do Acre havia, sob o princípio democrático, reivindicado no voto, chegou para aprovação no Senado. Nesse momento, porém, entra em cena uma senadora, que, desatenta e imprudentemente, incluiu no projeto o restante da região abrangida pelo quarto fuso horário, ou seja, uma parte do Pará e do Amazonas.
Como apenas a população do Acre havia se pronunciado por meio do voto de referendo, os parlamentares paraenses protestaram. Coube à Presidência da República, novamente com excesso de legalismo e burocracia, vetar integralmente o projeto aprovado no Congresso, e encaminhar para votação uma nova proposta de lei. O processo legislativo foi então reiniciado, levando cerca de dois anos para ser concluído.
Diga-se que o Gabinete da Presidência cometeu o equívoco de excluir apenas o Pará, mantendo o Amazonas no quarto fuso. Assim, chegou-se a aventar, já no Senado, a possibilidade de retirar do projeto os municípios amazonenses, considerando-se que também ali não houvera referendo. A ser levado a efeito esse último atropelo, a aprovação final teria demorado pelo menos um ano a mais.
O importante é que, mesmo passados mais de três anos, a vontade da população foi respeitada. O Acre voltou ao quarto fuso horário, comprovando que vivemos num Estado democrático. E que a Democracia é construída por todos e a cada hora.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

terça-feira, 29 de outubro de 2013

De extrativista a manejador florestal
* Ecio Rodrigues
A transformação do extrativista, na condição de ator social e econômico, em manejador florestal é, ao mesmo tempo, a saída para o extrativismo e para a conservação da floresta na Amazônia. Todavia, a concretização dessa transformação irá requerer um grande esforço na qualificação do produtor.

Diga-se que nos últimos 20 anos, o extrativista, que se acostumara à completa ausência das instituições públicas e estatais, tem sido beneficiado com serviços que incluem desde o fornecimento de documentos elementares, como registro de identidade e certidão de casamento, até treinamentos mais sofisticados, como a habilitação em alguma inovação relacionada à produção de borracha.

Esses treinamentos, não obstante, são sempre de curta duração e direcionados para um fim específico. Trata-se de eventos que ocorrem de acordo com as demandas da fonte financiadora e da instituição responsável por sua execução, quase sempre uma organização da sociedade civil.
É necessário, portanto, o desenvolvimento de programas de qualificação planejados, de média ou longa duração, que envolvam, em seu conteúdo programático, além de uma discussão sobre a tecnologia do manejo florestal comunitário e o procedimento de licenciamento ambiental, o detalhamento de alternativas produtivas concretas para o produtor – por exemplo, a criação de paca (Agouti paca) em sistema agrosilvopastoril, e a coleta e beneficiamento de sementes florestais, para fins de venda nos mercados de mudas, e para a fabricação de peças de decoração e bijuterias.

Experiências levadas a cabo por organizações da sociedade civil demonstram que a qualificação para o manejo florestal comunitário traz resultados surpreendentes. Além da possiblidade de elevação do nível de renda do produtor, a qualificação em manejo florestal induz o extrativista a investir em atividades produtivas baseadas na diversidade biológica presente no ecossistema florestal, afastando-o do perigoso e nefasto universo da pecuária bovina.

Ao final desses cursos, os extrativistas costumam demonstrar grande interesse nesse tipo de alternativa econômica – ainda que alguns manifestem receio de enfrentar o processo de licenciamento ambiental, por considerarem as regras excessivas e por já terem tido alguma experiência negativa relacionada à fiscalização ambiental, notadamente a efetuada pelo Ibama.
Mas, o mais importante é que todos os extrativistas ficam entusiasmados com a nova tecnologia e com o leque de opções produtivas que lhes traz a possibilidade de manter sua tradição extrativista no interior do ecossistema florestal.

A execução de um amplo programa de qualificação do extrativista para o manejo florestal comunitário certamente apresentará, como a experiência comprova, ganhos imediatos para um conjunto de atividades econômicas, em face das quais, hoje, não há geração de renda. Trata-se da introdução de novas opções produtivas, que vão melhorar a frágil dinâmica econômica local, atualmente ancorada na produção de arroz, feijão, milho e macaxeira.

Esse extenso programa de qualificação, voltado para disponibilizar as ferramentas do manejo florestal comunitário para o extrativista, deve ter caráter permanente e, mais que isso, deve organizar os atuais projetos de extensão florestal, indo além dos eventos temporários e desconectados que tomam o tempo do produtor e produzem resultados discutíveis.

Não há dúvida que está na qualificação do extrativista para o manejo florestal comunitário a saída mais barata, mais rápida, mais inclusiva e mais adequada aos ideais de sustentabilidade atualmente preconizados para a ocupação produtiva da Amazônia.

Trata-se de uma solução de simples implemento, mas que, pela falta de prioridade no âmbito da política pública, não acontece.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 21 de outubro de 2013


Sobre o extrativista manejador florestal na década de 2010
* Ecio Rodrigues
As reservas extrativistas, a tecnologia do manejo florestal comunitário e a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo (que ainda se encontra em elaboração) são concepções que os profissionais da engenharia florestal e os extrativistas do Acre legaram à Amazônia.

A rigor, como os próprios extrativistas costumam dizer, uma coisa levou à outra. Vale dizer, a segregação de espaços territoriais específicos para o modo extrativista de produção demonstrou que a exploração exclusiva do binômio borracha/castanha-do-brasil era frágil, sob o ponto de vista econômico.

Assim, depois de obterem a ampliação das áreas destinadas à atividade extrativista na Amazônia, em face da segurança fundiária conferida pelas reservas extrativistas e pelos assentamentos extrativistas, os produtores dependiam de aporte em tecnologia para ampliar sua produção florestal para além desse binômio.

 Foi justamente a perspectiva de desenvolvimento de uma tecnologia apta a atender à demanda desse tipo especial de área florestal que motivou um grupo de técnicos (a maioria engenheiros florestais) que atuavam no Acre em meados da década de 1990 a se dedicar à elaboração do que viria a ser denominado manejo florestal comunitário.

Por fim, com o surgimento das reservas extrativistas, adveio o problema da geração de renda, tendo ficado evidente que as famílias extrativistas não poderiam depender unicamente da extração de borracha e castanha.

Ocorre que o mercado gomífero tem passado por grandes transformações, apresentando uma dinâmica que tem como tendência comprovada o fato de que os seringais nativos amazônicos – nos quais a proporção média das árvores dispersas no ecossistema é de 3,2 indivíduos por hectare – estão fadados a atender a um nicho de mercado cada vez mais restrito.

Fotografia: Alana Chocorosqui 

Ou seja, há consenso de que a borracha oriunda do látex do seringal nativo (que pode até ser de melhor qualidade, como afirmam alguns) será cada vez mais direcionada para a manufatura de produtos bem específicos, como preservativos, torniquetes e luvas cirúrgicas. Certamente que essa produção depreca uma quantidade reduzida de matéria-prima, quando comparada à poderosa indústria de pneus, cuja demanda por borracha é atendida pelos seringais cultivados, mormente os plantados no Estado de São Paulo.

O exemplo da fábrica Natex, localizada na cidade de Xapuri, é elucidativo. Com uma produção anual estimada em 100 milhões de preservativos, essa indústria consome o látex colhido por, no máximo, 700 famílias, das mais de 2 mil residentes na Reserva Extrativista Chico Mendes. Trata-se de um número diminuto diante dos mais de 50 mil produtores extrativistas existentes no Acre.

Por ouro lado, mesmo demonstrando notável desempenho de mercado, a produção de castanha-do-brasil, isolada, não garante renda suficiente para satisfazer as necessidades de consumo dos extrativistas. E a despeito de não apresentar problemas de mercado, as árvores de castanha-do-brasil (que são difíceis de ser cultivadas) ocorrem exclusivamente no Vale do Rio Acre; essa ocorrência se acentua quando se vai em direção ao município amazonense de Boca do Acre e se dispersa quando se vai em direção a Sena Madureira, suprimindo-se totalmente após esse município.

O caminho encontrado foi a conversão do extrativista em manejador florestal. Mediante a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, um leque de produtos florestais – que vão da madeira aos princípios ativos demandados pela indústria da biotecnologia – poderiam somar-se às tradicionais borracha e castanha da cesta extrativista.

Mas esse caminho, diga-se, só poderá ser traçado com um intenso processo de qualificação que permita ao produtor extrativista atuar como manejador florestal.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

                  

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Sobre o extrativista pecuarista na década de 2000
* Ecio Rodrigues
Se o acesso, por via rodoviária ou fluvial, aos seringais nativos da Amazônia foi consolidado em proporções inéditas, durante a década de 2000, o extrativismo, na condição de modo de produção, e o extrativista, como ator social e econômico, foram expostos ao que se pode considerar seu mais difícil desafio.

Fotografia: Alana Chocorosqui
Ocorre que, da mesma forma que os benefícios advindos com o fim do isolamento (como serviços de educação e saúde) chegaram aos seringais, também chegou ao interior da floresta a pressão decorrente da madeira, bem como das atividades econômicas que dependem da terra sem florestas. O extrativista, embora vivendo com melhor padrão de vida, foi de certa forma pego de surpresa por essa pressão do capital.

De modo geral, a regularização fundiária trazida pelas reservas extrativistas (e demais formas de reconhecimento da posse dos seringueiros sobre suas colocações) conferiu aos empresários do setor madeireiro e pecuário a segurança necessária para negociar com os extrativistas a ocupação de novos pastos e a extração de madeira.

Assim, na ausência de uma atividade extrativa mais atrativa que a combalida produção de borracha (uma vez que a produção florestal ancorada no extrativismo ainda carecia do aporte tecnológico posteriormente fornecido pelo manejo florestal comunitário), o extrativista foi levado à prática da pecuária e à venda da madeira existente em sua colocação.

É que, com o passar do tempo, o estoque de madeira presente nas reservas extrativistas, em especial nas reservas próximas às vias de escoamento fluvial e rodoviário, despertou a atenção dos empresários do setor madeireiro, cujas fontes de madeira estão sempre em deslocamento, o que traz um risco de escassez permanente.

Uma simbiose nefasta surgiu da relação do extrativista com os compradores de madeira arregimentados pelas empresas – os chamados “toreiros”. Mediante negociações que envolviam ofertas como manutenção de ramais, construção de pontes ou disponibilização de caminhões para transporte, uma quantidade expressiva de árvores começou a ser vendida, em pé na floresta, a preços módicos de 50 reais a unidade.

Como a exploração do recurso madeireiro, nesse tipo de operação comercial, não atende aos princípios básicos da técnica de manejo florestal, a composição comercial entre o seringueiro e o toreiro depaupera o recurso florestal e traz consequências perigosas para a conservação da floresta.

Entretanto, embora eventualmente essa exploração se realizasse ilegalmente, na maior parte das vezes ela era efetuada em conformidade com as normas vigentes e sob o licenciamento ambiental dos órgãos de controle.

O problema é que o quesito legalidade é variável, dependendo da realidade fundiária na qual se encontra o extrativista. Estabelecendo uma ordem de grandeza que vai de um cenário mais restrito, no qual a licitude é difícil de ser alcançada, até uma situação em que a regularização da exploração é facilmente obtida, pode-se dizer que o primeiro caso se aplica ao produtor extrativista que vive nas reservas extrativistas; e o segundo, ao que habita uma colocação situada nas áreas de reserva legal dentro das propriedades privadas.

De qualquer forma, a simbiose nefasta se mantém, pondo em risco o apoio conferido aos extrativistas pelo movimento ambientalista e, o pior, carreando perigosos passivos econômicos e ecológicos para o ecossistema florestal que se espera conservar.

A reversão dessa perigosa realidade – em cujo contexto se logrou resolver o problema fundiário, se ampliou o acesso a vias de escoamento da produção, mas não se conseguiu minimizar o risco da degradação florestal associada ao extrativismo – era uma prioridade.

A elevação do extrativismo, mediante o necessário sustentáculo tecnológico, ao patamar do manejo florestal comunitário é a saída para se manter o imprescindível apoio dos ambientalistas à atividade e, por conseguinte, para se conservar a floresta.  


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobre o extrativista ambientalista na década de 1990
* Ecio Rodrigues
Tendo sido considerado, no decorrer da década de 1970, uma atividade extinta pelas instituições estatais, o extrativismo ressurgiria, depois de 20 anos de abandono, na condição de atividade produtiva adequada aos ideais de sustentabilidade da Amazônia. 

A associação entre a reivindicação dos extrativistas pelo reconhecimento do seu direito à posse da terra e as aspirações de um movimento ambientalista que crescia mundo afora (embora ainda com pouca expressão no Brasil e nenhuma na Amazônia) ocorreu quando se percebeu que as colocações de seringa, diferentemente das fazendas dos pecuaristas, não representavam uma ameaça à conservação da floresta.

Os ambientalistas constataram que, ao defender sua atividade produtiva, o seringueiro também promovia a defesa da seringueira (Hevea brasiliensis); por seu turno, essa espécie florestal dependia da existência da floresta ao seu redor para não sofrer o ataque letal do fungo Microcyclus ulei, causador da doença conhecida como “mal das folhas”, que compromete a produção de látex.

Fotografia: Alana Chocorosqui

Resumindo, o seringueiro dependia da seringueira que dependia da floresta, logo, a atividade de produção de borracha garantia a conservação do ecossistema florestal. Essa conclusão levou o movimento ambientalista a depositar todo seu apoio ao movimento dos seringueiros e, sobretudo, em sua principal liderança: Chico Mendes.

O extrativista, que era sindicalista rural e defensor das reivindicações de uma categoria específica de trabalhador florestal, o seringueiro, foi alçado à condição de ambientalista, tornando-se um ator fundamental no cenário de destruição florestal que tomava conta da Amazônia.

Ao se aproximar a data de realização da Segunda Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como Rio 92, as reivindicações dos seringueiros, concretizadas na proposta de criação das reservas extrativistas, alcançaram status de prioridade.

Depois da criação das duas primeiras unidades no Acre (Chico Mendes e Alto Juruá), as reservas extrativistas ganharam a Amazônia e o mundo. Atualmente, essa categoria de unidade de conservação está presente em todos os estados amazônicos.
Não há dúvida, entre os estudiosos do tema do acesso aos recursos florestais de uso comunitário, quanto ao fato de que, onde houver uma comunidade manejando um recurso florestal, o caminho mais adequado para a regulação dessa exploração é a implantação de uma reserva extrativista.

Todos os anos são criadas novas reservas extrativistas, bem como outras unidades de conservação que também atendem aos anseios dos extrativistas (é o caso da reserva de desenvolvimento sustentável). E, entre as unidades de conservação existentes, essas categorias tendem a representar maior quantidade, tanto em termos de unidades autônomas quanto em termos de porção territorial.

O extrativista ambientalista da década de 1990, além de obter garantias fundiárias, materializadas nas unidades de conservação, logrou regularizar seu direito de posse no âmbito do Programa Nacional de Reforma Agrária, mediante a criação dos Projetos de Assentamentos Extrativistas e dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável, geridos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra.

Atualmente, contudo, o relevante e permanente apoio do movimento ambientalista ficou fragilizado, na medida em que os seringueiros residentes nas reservas extrativistas foram levados a ampliar sua área desmatada e seu plantel de gado. O problema é que, por meio da exploração dos produtos tradicionais do extrativismo, notadamente borracha e castanha-do-brasil, os extrativistas já não conseguem obter a renda requerida por suas demandas de consumo.

Ao perder o apoio dos ambientalistas e, o pior, ao ameaçar o ecossistema florestal que se propôs a conservar, o extrativismo dá um tiro no pé: põe em risco sua própria existência.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

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