quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A final: será que o termo Proteção Integral não se faz entender??

Alana Chocorosqui Fernandes*


Instituído pela Lei 9.985 de 18 de julho de 2000, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação foi uma resposta à ausência de leis que previam a proteção do meio ambiente e recursos naturais. O SNUC, como é popularmente abreviado, reuni informações para criar, gerir e manter as Unidades de Conservação (UCs) do país. Estabelece ainda os tipos de UCs e suas características.
Entre os diferentes tipos de UCs, uma divisão maior é feita, em dois grupos, considerando a intensidade de proteção, ou, por outro lado, de uso. O primeiro e mais permissivo, é o grupo de UCs de Uso Sustentável. Neste grupo, a conservação da natureza é aliada ao uso dos recursos naturais, desde que haja sustentabilidade, podendo se realizar o uso direto da unidade. A segunda categoria de UCs são as de Proteção Integral, que como o próprio nome sugere, são mais restritivas, permitindo apenas o uso indireto dos recursos, com atividades que não interfiram no ambiente, como a pesquisa, educação ambiental e turismo ecológico.
Um importante detalhe quando falamos em Proteção Integral e que neste grupo de UCs a atividade de mineração não é permitida.
Historicamente, já temos em nosso país uma retração na criação de unidades desse tipo, justamente porque restringe mais o uso, a fim de garantir, de fato, que a proteção desse espaço territorial garanta a não tão fácil missão de preservar a natureza.
Já não é de hoje, que os olhos de muitos brilham ao perceber o que tem dentro das UCs, e a busca pela redução de suas áreas, pela transformação de UCs de Proteção Integral em de Uso Sustentável ou a possibilidade de mais permissividade nas categorias mais restritas são cogitadas.
Ate que hoje, uma noticia sob o titulo “Projeto libera mineração em Parques e de quebra muda o SNUC” me chamou a atenção. O Projeto de Lei 3.682/2012 está pronto para ser votado na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e tem como objetivo, abrir 10% das Unidades de Conservação de proteção integral à mineração.
Você pode até dizer que temos muitas florestas, ou que isso vai trazer muita riqueza para o país, e isso e bom, certo!??? Reflitamos! Nossa ação sobre a natureza e tão agressiva, que nós mesmos precisamos criar unidades de conservação para proteger áreas de nossas próprias ações. Criamos considerando que nem todas essas áreas seriam invioláveis, mais que permitiriam o uso e gerariam renda e oportunidades para seus moradores, municípios, estados e para o país. Então, porque mexer nas UCs de Proteção Integral???
Essas áreas deveriam ser protegidas, para garantir a real conservação da área e seus serviços ambientais, a final, quanto vale uma floresta?  E quando pensamos na proposta, estamos falando na permissão de uma atividade nada degradante, como é o caso da mineração, certo?
Outras mudanças como o trecho:

Fica vedada a criação de unidades de conservação da natureza em áreas:
I – antropizadas com estrutura produtiva consolidada;

Impediriam a criação das APAs (Área de Proteção Ambiental) que são áreas protegidas do grupo de Usos Sustentável que tem por característica serem áreas de grande extensão, com certo grau de ocupação humana.
A proposta do Projeto de Lei retiraria ainda, os parágrafos que regulam as atividades permitidas às populações tradicionais dentro das UCs de Uso Sustentável, como por exemplo, a proibição à caça de animais ameaçados de extinção.
Outra modificação importante foi dispensar lei específica para alterar aumentar ou reduzir o tamanho ou limites das Unidades de Conservação, contra o que dispõe o Inciso III do artigo 225 da Constituição Federal, que prevê a desafetação de UC somente por decreto presidencial, e que por sinal até hoje, não foi feito. Caso uma primeira desafetação aconteça, surgirá um precedente perigoso para os limites de todas as demais UCs do país.

Para o deputado autor do projeto, essas mudanças são necessárias para “liberar áreas com riquezas minerais estratégicas para o desenvolvimento do País sem comprometer nosso esforço em favor da conservação”. Ora deputado, a quem esse discurso engana??? A final, será que o termo Proteção Integral não se faz entender???? Ou deve ser porque o que importa são os cifrões?? As UCs são um pequeno passo que damos na proteção de ecossistemas, mais agora me parece, que estamos andando pra trás. 

 (*) Alana Chocorosqui Fernandes é Engenheira Florestal pela Universidade Federal do Acre e Mestranda do Programa de Ciências de Florestas Tropicais do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

(**)Informações retiradas do texto: Projeto libera mineração em Parques e de quebra muda SNUC disponível em:<http://www.oeco.org.br/reportagens/27801-projeto-libera-mineracao-em-parques-e-de-quebra-muda-snuc> Acesso dia 28 de novembro de 2013.


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Os portugueses e o mercado da rolha de cortiça
* Ecio Rodrigues
A região de Coruche, em Portugal, intitula-se “Capital Mundial da Cortiça”, por abrigar uma extensa área coberta por Montado de Sobreiro, um sistema de produção tradicional, que consorcia árvores que produzem cortiça com espécies forrageiras, usadas para pastoreio animal, e outras culturas de ciclo curto.
Na condição de uma das maiores produtoras de cortiça e com uma expressiva indústria de rolha de cortiça ali instalada, Coruche lança diariamente no mercado cinco milhões de rolhas que são exportadas, sobretudo, para fins de vedação das garrafas que embalam o vinho produzido em França, Itália, Argentina, e assim por diante.
Em Coruche existe, ainda, um centro de negociação dedicado à cortiça (o Observatório do Sobreiro e da Cortiça), e é organizada, periodicamente, a Feira Internacional da Cortiça.
Além de Coruche, outras regiões portuguesas são dependentes da produção de cortiça que há séculos é praticada sob esse modelo de sistema agrosilvopastoril denominado Montado de Sobreiro. Um sistema de produção que goza de alguma similaridade com os Sistemas Agroflorestais existentes na Amazônia brasileira, voltado para a produção de pupunha, por exemplo.
Ocorre que a cortiça – que tem em Portugal seu maior expoente internacional, uma vez que 50% da cortiça que abastece a demanda do mercado mundial é de origem portuguesa – é produzida a partir de uma espécie florestal, o sobreiro, ou Quercus suber, do gênero do carvalho.
Esse tipo de cobertura florestal representa 21% de toda a área ocupada por florestas em Portugal, encontrando-se, com maior expressão, na parte central e sul do país, nas regiões conhecidas como Ribatejo e Alentejo, sob a influência do rio Tejo.
Tal como ocorre com alguns produtos florestais, a cortiça passa por momentos difíceis de mercado, em face de sua substituição por matéria-prima sintética.  
Com efeito, a cortiça tem sido substituída por isopor e plástico, entre outros materiais oriundos da poluente e exaurível indústria do petróleo. É provável que esteja na fabricação de rolha o derradeiro e mais importante uso da cortiça, sendo que Portugal também é o maior produtor mundial.
A produção de cortiça é sustentável, pois se trata de matéria-prima extraída da casca de uma árvore. Essa casca se renova de tempos em tempos, e as técnicas de manejo florestal que garantem que a extração ocorra sem pôr em risco a própria árvore foram estudadas e desenvolvidas pelos engenheiros florestais europeus, sobretudo os portugueses.
A produção de rolha de cortiça, por sua vez, ajusta-se aos ideais de sustentabilidade preconizados no mundo porque o manejo florestal da árvore de Quercus suber é largamente praticado no Montado de Sobreiro. Ou seja, a quantidade de sobreiros atualmente existente e em condições de ser manejada é suficiente para garantir a oferta sustentável de cortiça para as suas variadas aplicações em todo o mundo.
Finalmente, após o seu uso – seja como rolha ou outra aplicação qualquer, como na poderosa indústria de decoração ou na de artesanato –, a cortiça descartada transforma-se em matéria orgânica para a adubação de solos agricultáveis.
 A poluente indústria do petróleo, por outro lado, logrou produzir uma rolha de plástico, com preços inferiores aos da cortiça, mas cujo processo de produção e de descarte aumenta de forma perigosa a quantidade de carbono jogada na atmosfera.
A fim de manter sua produção de cortiça, a estratégia dos portugueses tem sido alertar para o risco de alteração no clima provocado pela rolha de plástico. Será que dará certo?


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Após 37 meses, democracia e fuso horário são devolvidos ao Acre
* Ecio Rodrigues
Parece até causo do tempo dos coronéis nordestinos, que mudavam curso de rio, faziam mulher parir, cabra macho chorar, aparecer voto onde não havia gente, e até transformavam boto em gente e vice-versa: depois de 37 meses, a hora retirada do fuso horário do Acre finalmente vai voltar.
Entender essa história exige certo domínio sobre os trâmites que envolvem o processo legislativo e a aprovação de leis que transformam a vida das pessoas. Mas, nem que seja por uma questão pedagógica, vale a pena tentar.
A novela começa com o trabalho de alguns técnicos, funcionários de carreira do Congresso Nacional, muito bem remunerados pela sociedade, que prepararam um estudo demonstrando que a redução da quantidade de fusos horários existentes no Brasil, de quatro para três, traria benefícios econômicos em âmbito nacional e ajudaria a melhorar a dinâmica econômica nas regiões abrangidas pelo quarto fuso – que compreende o Acre e alguns poucos municípios do Pará e do Amazonas.
O estudo motivou a promulgação de uma lei, já que os quatro fusos haviam sido instituídos por um decreto presidencial de 1913. Assim, de uma hora para outra, com o perdão do trocadilho, o quarto fuso foi extinto em 2008.
Contudo, nem os técnicos do Congresso Nacional nem os parlamentares tiveram sensibilidade para perceber que não se tratava de mera questão econômica. Sendo o planeta Terra redondo, ou quase redondo, como afirmam os geólogos, o sol nasce e se põe em horários diversos, de acordo com a localização do indivíduo em solo terrestre.
A conclusão é que um contingente considerável de pessoas, incluindo toda a população do Acre, teve sua rotina severamente afetada, ao ter que começar a acordar de madrugada para ir trabalhar (ou estudar), e, por outro lado, a voltar para casa, no final do expediente, com o sol ainda luzindo.
Um referendo – e não plebiscito, uma vez que a hora já havia sido alterada sem consulta prévia – foi realizado no Acre, evidenciando que os habitantes desse estado eram contrários à sua inclusão no terceiro fuso horário. Todavia, a única população ouvida foi a do Acre, e isso iria fazer uma diferença enorme no final do enredo.
Acontece que o resultado do referendo não foi acolhido de forma automática, para efeito de revalidar o quarto fuso. Assim, por excesso de burocracia, decidiu-se pela necessidade de elaboração de um projeto de lei, para alterar a norma que havia, por sua vez, modificado o decreto presidencial de 1913.
Depois de tramitar por mais de um ano na Câmara dos Deputados, o projeto que acatava o que a população do Acre havia, sob o princípio democrático, reivindicado no voto, chegou para aprovação no Senado. Nesse momento, porém, entra em cena uma senadora, que, desatenta e imprudentemente, incluiu no projeto o restante da região abrangida pelo quarto fuso horário, ou seja, uma parte do Pará e do Amazonas.
Como apenas a população do Acre havia se pronunciado por meio do voto de referendo, os parlamentares paraenses protestaram. Coube à Presidência da República, novamente com excesso de legalismo e burocracia, vetar integralmente o projeto aprovado no Congresso, e encaminhar para votação uma nova proposta de lei. O processo legislativo foi então reiniciado, levando cerca de dois anos para ser concluído.
Diga-se que o Gabinete da Presidência cometeu o equívoco de excluir apenas o Pará, mantendo o Amazonas no quarto fuso. Assim, chegou-se a aventar, já no Senado, a possibilidade de retirar do projeto os municípios amazonenses, considerando-se que também ali não houvera referendo. A ser levado a efeito esse último atropelo, a aprovação final teria demorado pelo menos um ano a mais.
O importante é que, mesmo passados mais de três anos, a vontade da população foi respeitada. O Acre voltou ao quarto fuso horário, comprovando que vivemos num Estado democrático. E que a Democracia é construída por todos e a cada hora.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

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