segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Sobre cheias e alagações
* Ecio Rodrigues
Cheia não é alagação. Os rios amazônicos são, a cada ano, julgados e condenados pela população devido ao seu comportamento, considerada nefasto. Enquanto no verão, as secas, cada vez mais extremas, colocam em risco o abastecimento d’água, no inverno, as águas sobem o suficiente para que todos fiquem à espera dos desabrigados.
Mas o comportamento dos rios é conseqüência do modelo de ocupação que ocorre ao longo das bacias hidrográficas. É simples entender que, com as constantes enxurradas, as chuvas que caem sobre uma terra desmatada, que não tem a proteção da floresta, levarão uma boa quantidade de barro e areia pra dentro do rio.
Parece simples entender também que esse barro e essa areia alteram a profundidade do rio, deixando-o mais raso e, por isso, em menor condição de receber a quantidade de água que recebia antes. Não há dúvida que transbordará.
Por outro lado, a ausência da floresta, sobretudo na margem dos rios – a denominada mata ciliar -, diminui a capacidade da bacia hidrográfica de reter água por mais tempo, fazendo com que as secas sejam cada vez mais graves. Em casos extremos, como no Acre, por exemplo, o risco de o rio “apartar” é grande.
Ocorre que os rios amazônicos são conhecidos por suas flutuações de vazão, que acontecem naturalmente, no decorrer das duas estações chuvosas do ano. Diferenças de cotas de até oito metros são comumente observadas entre o verão (maio a outubro) e o inverno (novembro a abril) amazônico. Diferenças que se maximizam por causa dos desmatamentos. Vale dizer, mediante um programa agressivo de revegetalização das margens dos rios, no curto prazo seria possível reverter essas situações limites, pelas quais os rios são injustamente hostilizados.
Talvez, dessa forma, com os rios retornando aos seus regimes de flutuação natural de vazão, fosse possível distinguir e diferenciar estágios importantes para o diagnóstico preciso dessas flutuações, como a ocorrência de cheias e alagações.
As cheias dos rios são culturalmente esperadas todo ano, como sinônimo de fartura e felicidade. As cheias significam que os rios trouxeram novos nutrientes e que a colheita será promissora. Significam algo como renovação e esperança de dias melhores.
As alagações são, ao contrário, consideradas tragédias e catástrofes.
Na Amazônia, de tempos em tempos, costumam ocorrer alagações. Trata-se de fenômeno cíclico, em que pese a impossibilidade de se determinar sua ocorrência com exatidão. As últimas, de 1988 e de 2000, deixaram centenas de desabrigados e despertaram o espírito solidário do brasileiro, diante de uma comoção social que sacudiu o país.
Todavia, cheias não são alagações, e por isso não fazem vítimas.
Se, a cada inverno, surgem os desabrigados, isso só pode significar, primeiro, que as pessoas estão morando em locais impróprios, alcançados pelas cheias naturais dos rios; e, segundo, que transformar cheias em alagações parece ser um bom negócio para todos. 
Se uma família, todos os anos, se torna vítima da alagação e, não obstante, insiste em retornar para o mesmo lugar, significa que receber ajuda da Assistência Social e da Defesa Civil não é tão ruim assim; por outro lado, o auxílio aos desabrigados não pode ser rotina da ação pública, sob pena de se tornar meio de obtenção de dividendos eleitorais.
Todavia, quando, ao invés de fartura, as cheias se tornam sinônimo de catástrofe, tem alguma coisa errada aí, e com certeza, não é com o rio.
         
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

  Qual a largura da mata ciliar para a preservação dos cursos d’água?

Alana Chocorosqui Fernandes (*)
  
            O Código Florestal traz em seu Art. 2 as definições da largura da mata ciliar dependentes da largura do rio, onde, quanto mais largo o curso d’água, maior será a área destinada a preservação, tal relação porém se torna ínfima conhecendo a complexidade e importância de fatores diversos como vegetação, relevo e topografia.

Curcio (2009), pesquisador da Embrapa florestas comenta que da maneira como está estruturado, o código pressupõe a largura do rio como tensor ecológico, quando, na realidade, as tensões são resultantes dos atributos geomorfológicos (relevos) e pedológicos (solos) frente à ação climática. Assim, o que de fato deve ser considerado e o relevo e suas características, não tão somente a largura do rio.
Curcio (2009) lembra ainda que rampas mais íngremes determinam enxurradas mais fortes, consequentemente requerem faixas mais largas de APPs para evitar a depredação hidrológica. O tipo de solo, também contribui, os mais permeáveis, são mais friáveis que os argilosos, permitindo com mais facilidade processos erosivos. A profundidade também, os mais rasos são mais suscetíveis aos intempéries, e devem portanto receber faixas de proteção mais largas. A existência de vegetação permite uma maior fixação do solo, e, portanto e fator positivo na manutenção dos barrancos.
Assim, percebemos que não se trata apenas de mensurar a largura de um rio, a determinação da área de proteção permanente deve levar mais pontos em consideração, e preciso considerar as características encontradas nas margens do rio. E além disso, deve-se atribuir a vegetação, o papel de sustentação do solo.  Logo se destaca a importância também, de se conhecer e manter as espécies que se encontram na mata ciliar.

É de acordo com essa interpretação que o projeto Ciliar Só Rio Acre irá produzir estudos, que levarão em conta a declividade da encosta, espessura e textura do solo, para dessa forma estabelecer de modo científico e específico para cada município a largura necessária de mata ciliar. O projeto produzira ainda, através de inventário florestal, quais espécies ocorrem na região de mata ciliar, suas características e usos, a fim de propiciar também, um crescimento econômico as populações.

(*) Alana Chocorosqui Fernandes e acadêmica de Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Acre e bolsista do projeto Ciliar Só Rio Acre.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Na alagação, sobra água ou sobra chuva?

* Ecio Rodrigues

          Assim como no verão, de junho a setembro, a pergunta seria: falta água ou falta chuva? Parece simples, mas trata-se de um ponto crucial para que o Rio Acre não caia na ira da população. Um conceito, literalmente, divisor de águas, para tratar o tema das alagações e da seca nos rios amazônicos. Afinal, não se pode esquecer que houve prefeito que até pensou em tirar o Rio Acre da cidade e mudar seu curso para o Bujari.

          Uma solução, seguramente, inócua essa da mudança de curso. Atualmente impensável, mas que era um tipo de resposta comum na década de 1970, quando tudo se resolvia no concreto armado. Na era pós Eco-92 qualquer medida drástica, nas condições naturais existentes, é recebida como ataque frontal aos ideais de sustentabilidade do planeta. 

          Voltando à pergunta do título, ao afirmar que ora sobra e ora falta chuva, coisas normais no inverno e verão amazônicos, reforça-se a idéia de que se trata de um processo natural. O velho e tradicional jargão: no Acre e na Amazônia é assim mesmo, vem logo à mente.

          A responsabilidade ou a culpa por alagar ou secar, nesse caso, recai sobre um sem número de endereços desconhecidos. Ou foi São Pedro, que dizem, administra a chuva, ou foi o próprio clima, que é assim mesmo, ou foi o famoso e recente casal el niño e la niña, ou, ainda, foi o mais importante causador de tudo que é problema ambiental no mundo: o desequilíbrio climático.

Todavia, o mais importante, é que as pessoas de carne e osso, as populações, os dirigentes e as autoridades em geral, são redimidos da obrigação de tentar resolver, são, por assim dizer, absolvidos, devido a mais completa ausência de governabilidade sobre os já citados São Pedro, desequilíbrio climático... Assim a discussão sobre o tema é rapidamente abortada.

Já no segundo caso, isto é, se a resposta é de que falta ou sobra água não é bem assim. Se há excesso de água no leito do Rio Acre, ou por outro lado, se o Rio Acre não esta conseguindo absorver a vazão atual é porque alguma transformação, grave, vem ocorrendo nas características ambientais dessa bacia hidrográfica.

A discussão agora rende muito e ganha força no questionamento dos dois maiores problemas ambientais do Acre: o desmatamento e sua irmã, a queimada. O processo de ocupação ao longo da área de influência da bacia hidrográfica do Rio Acre favoreceu a retirada da cobertura florestal o que, como todo mundo sabe, gera assoreamento (deixando o leito do Rio mais raso e por isso cabendo menos água).

Além disso, a ausência da mata ciliar, aquela vegetação, que ocorre nas margens dos rios e igarapés, aumenta a quantidade de água que chega diretamente ao fluxo de água. Ou seja, cabe menos água ao mesmo tempo em que chega mais água ao leito do Rio. Sem exagero algum, duas excelentes razões para alagação, ou seca.

Um agravante ainda maior, essa mata ciliar é denominada de Área de Proteção Permanente, APP, e são protegidas pelo Código Florestal de 1965. Ou seja, é proibido, sujeito à multa e outras penalidades, o seu desmatamento.

Dada às condições de desmatamento acentuado nas margens do Rio Acre, não é preciso muito esforço para achar endereços, e muitos, para a responsabilidade e a culpa.

E são tantos endereços, que é melhor o problema ser mesmo a chuva.

(*) Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela UFPR e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UnB. É professor da Ufac.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Restaurar mata ciliar é prioridade do Projeto Ciliar Só-Rio Acre
* Ecio Rodrigues
Cortam o território do Estado do Acre três importantes bacias hidrográficas, todas depositárias do Rio Solimões, são elas: Bacia Hidrográfica do Rio Acre, Purus e Juruá. Dessas, a região que compreende a Bacia Hidrográfica do Rio Acre é a que apresenta mais intensa ocupação através da agropecuária. É aí onde se encontram os maiores índices de alteração antrópica, com projetos de colonização, nos quais a cobertura florestal foi convertida em plantios homogêneos de monoculturas, em área bem superior aos 20% permitidos por Lei. Por outro lado, as áreas de Reserva Legal, em sua grande maioria, representam menos de 30% das áreas das propriedades.
Essa ocupação intensa e antiga acarretou efeitos danosos à Bacia Hidrográfica, facilmente percebíveis, como o que ocorreu na seca de 2005. Efeitos que transformaram o Rio Acre em um problema durante todo ano. Ou porque irá causar alagações (período de inverno amazônico de dezembro a março) ou porque irá secar e deixar as áreas urbanas sem abastecimento de água (período de verão amazônico de abril a novembro).


            O fato é que os efeitos nefastos do Rio Acre são tratados como se suas causas dependessem de temas alheios à ação do homem. Um sentimento de insatisfação com o Rio faz surgir idéias absurdas como, por exemplo, o de sua canalização ou de alteração do trajeto de seu leito para passar fora da área urbana das cidades. Inacreditável, no entanto, é a constatação de que a perda total de sua ictiofauna não causa mais nenhum estranhamento ou indignação.
Na verdade, além dos graves problemas de vazão advindos de assoreamentos quase irreversíveis, o Rio Acre é um rio morto já faz uns quinze anos. As notícias de realização de pescarias em seu leito, em qualquer época do ano, remontam mais de 20 anos atrás, no decorrer da década de 1980. A pesca amadora ao longo do rio já não existe faz tempo.
Esse quadro repete-se ao longo de todo leito do Rio Acre, área na qual o projeto Ciliar Só-Rio Acre pretende contribuir para recuperar. O objetivo maior do projeto é reverter as condições de assoreamento, de quantidade e de qualidade da água, por meio da restauração florestal da mata ciliar.

Pretende-se, em cada um dos oito municípios acreanos cortados pelo Rio Acre, até sua desembocadura no Rio Purus, mapear os fragmentos de floresta nativa ainda existente na mata ciliar, realizar Inventário Florestal desses fragmentos, identificar as espécies florestais nativas mais importantes para serem usadas em projetos de restauração florestal e, finalmente, calcular a largura adequada da mata ciliar para cada cidade.
O produtor, cuja unidade produtiva ocupa a mata ciliar, por sua vez, deverá ser instado a contribuir com o projeto, primeiro para sair da condição de ilegalidade (devido infringir o Código Florestal) e segundo porque poderá usufruir dos benefícios da restauração florestal da mata ciliar.
Já as prefeituras municipais deverão ser sensibilizadas para o comprometimento para replicação das ações do projeto em todo leito do Rio Acre que corta o território municipal. Evidente que, diante das frágeis economias municipais, a União e o Estado terá que contribuir para isso. Todos os envolvidos na execução do projeto participarão ativamente de todas as sua etapas.
Afinal, retirar o Rio Acre do grave estágio de degradação no qual se encontra deve ser uma prioridade para a sociedade acreana.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Mobilização social - Fase V

 Finalmente o projeto deverá realizar um intenso processo de mobilização popular pela revegetalização da mata ciliar. Em cada município, as comunidades ribeirinhas se envolverão na discussão acerca do programa de revegetalização do Rio Acre. Seminários e outros eventos de mobilização popular sobre a experiência acontecerão em cada município.
            No entanto o ponto central do processo de mobilização, que deverá unir as pessoas envolvidas na sua consecução será a elaboração, apresentação e aprovação da Lei da Mata Ciliar de cada município.
           Uma legislação municipal própria que detalhará as normas exaradas do Código Florestal, por meio de uma clara definição de largura apropriada e das espécies ali existentes, além, claro, de estabelecer regras para efetivação de Termos de Ajustamento de Conduta entre o detentor do passivo ambiental e o Ministério Público, será principal produto dessa fase do projeto. 
Finalmente o projeto possui, por característica natural, o envolvimento social com instrumento de sustentabilidade. Tanto na concepção quanto na operacionalização de cada fase o envolvimento das administrações municipais, através de seu Conselho de Desenvolvimento Intermunicipal, Condiac, é prioridade.
A mobilização social em torno das ações do projeto será a principal garantia de seu sucesso e as populações ribeirinhas, suas principais beneficiárias, por meio de suas Associações e Sindicatos de Trabalhadores Rurais, serão o elo principal para essa mobilização. 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Processamento dos dados - fase IV

            De posse de todos os dados já obtidos no mapeamento temático, no inventario florestal e após decidir quais áreas criticas serão trabalhadas em cada município, a equipe do projeto começa a analisar esses dados. Das informações obtidas, serão produzidas quatro monografias, além de textos e publicações diversas.
           Nesta fase, serão estabelecidas as árvores que deverão ser usadas no processo de recuperação da mata ciliar, será estabelecida a largura mínima da mata ciliar para cada município cortado pelo Rio Acre em território acreano, será ainda elaborada uma equação de volume para o cálculo de carbono em mata ciliar, e por fim os trabalhos com extensão florestal nos Municípios.
           Esta fase e executada em escritório, onde são articulados os contatos necessários (parte de extensão) e os cálculos e análises. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Seleção das áreas críticas - fase III

           

          Após obtermos as informações de mapeamento e de inventário, foi possível determinar quais as áreas que o projeto selecionaria como prioritárias para os trabalhos de recomposição floristíca. foram selecionadas as áreas mais criticas de cada município (trecho critico) onde será desenvolvido o projeto.

Mapa geral do projeto, com todas as áreas críticas.


          Os trechos críticos, são áreas onde a mata ciliar tenha sido totalmente convertida e o assoreamento, erosão, degradação do solo, e demais prejuízos a este seja visível. A idéia do projeto e envolver as comunidades ali residentes, por meio de um programa de extensão florestal.


As prefeituras municipais, que estarão envolvidas em todas as fases de execução do projeto, se responsabilizaram pela replicação e multiplicação da experiência para outros trechos dos rios, onde as comunidades se mostrarem interessadas, a seleção de uma área crítica, tem como objetivo demonstrar como os processos de recuperação devem funcionar.
Trata-se por fim de uma concentração de esforços no sentido de recuperar as características ambientais da Bacia do Rio Acre tendo como foco a revegetalização da sua Mata Ciliar. 







Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre