segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

 

Quer entender mais sobre o potencial da biodiversidade florestal da Amazônia, adquira esse livro:

CILIAR CABECEIRA: MATA CILIAR NO RIO PURUS

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

Pela primeira vez um projeto de pesquisa se propôs a analisar um tipo especial de vegetação, conhecida pela denominação de mata ciliar, na área de influência da cabeceira do rio Purus, em seu trecho brasileiro.

Longe da discussão terminológica, uma vez que muitos técnicos preferem usar outros nomes, a equipe de pesquisadores resolveu se debruçar sobre a composição e a dinâmica da floresta existente na mata ciliar.

Assumindo duas premissas decisivas, a primeira de que a bacia hidrográfica do rio Purus é a primeira barreira no rumo do vetor de expansão do desmatamento no Acre em direção ao interior e à fronteira com o Peru, a segunda que, está na mata ciliar a resposta para o equilíbrio hidrológico do rio, os pesquisadores procuraram respostas que possam se antecipar ao que parece implacável: a degradação ambiental da cabeceira do rio Purus.


Esse é o espinhoso tema desse livro que divulga a experiência do Projeto Ciliar Cabeceira do Purus, aprovado no CNPq com orçamento de R$ 100.000,00, cujo principal objetivo foi o diagnóstico da dinâmica florestal presente na mata ciliar do rio Purus no trecho que corta as cidades de Sena Madureira (desde a foz do rio Iaco), Manuel Urbano e Santa Rosa do Purus, em direção a sua nascente no Peru, considerada para efeito dos estudos como área de influência da cabeceira.

Afinal, parece haver certo consenso técnico de que a presença ou ausência da mata ciliar nos rios amazônicos pode significar maior ou menor, respectivamente, estabilidade da vazão do rio.

Não que a mata ciliar seja a única ou a principal responsável pela quantidade de água que corre no rio, longe disso, as características do relevo, do lençol freático, a dinâmica do desmatamento na área de influência da bacia hidrográfica e, mais que tudo, a pluviosidade, sempre vão interferir nas características hidrológicas do rio.

Não à toa que a sociedade diante de condições extremas de alteração de vazão, quando há seca ou alagação, em primeiro lugar se pergunta quais as razões que fizeram com que chovesse tanto, de forma tão rápida e naquele mesmo lugar.

Quem não se fez essa pergunta durante a alagação de 2015 ocorrida no Acre.

A pluviometria no trecho do rio Acre nas cidades de Brasiléia e Assis Brasil não deixa dúvida quanto a condição atípica da quantidade de chuva despejada naquela região. Um verdadeiro dilúvio, para usar um termo bíblico, embora São Pedro não tenha a nada ver com o ocorrido.

Existe uma sequência de raciocínio lógico que pode ajudar a entender melhor o ocorrido, que é mais ou menos assim:


Fácil observar que o desmatamento está raiz do problema.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Terceiro artigo da série RETROSPECTIVA SUSTENTABILIDADE DA AMAZÔNIA EM 2021 (publicado originalmente em 20/06/2021).

 

Para iniciar o novo ano, e como forma de apresentar uma mostra da realidade vivenciada na Amazônia durantes os 12 meses do ano que terminou, foram selecionados e serão novamente postados, neste espaço, 4 textos considerados representativos, entre os mais de 50 artigos publicados em 2021. Abaixo o terceiro artigo.

 

Uso múltiplo da biodiversidade florestal é a chave para o sucesso da bioeconomia na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Imagine um almoxarifado que dispõe de mais de 50 produtos (a maioria perecível) em estoques reduzidos que duram cerca de 3 meses, cada um atendendo a um determinado nicho de mercado e sendo comercializado sob valor atrativo.

É mais ou menos assim que funciona a economia da biodiversidade florestal da Amazônia.

Sem embargo, e ainda que inúmeras pesquisas tenham comprovado o valor econômico estratégico desse almoxarifado, a região ainda não conta (excetuando-se a indústria madeireira) com empreendimentos bem sucedidos e em funcionamento voltados para a exploração da biodiversidade florestal.

Essa circunstância, pode-se dizer, perdura desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando o principal produto da biodiversidade florestal amazônica, a borracha, foi praticamente eliminado do mercado de pneus.

Administrar esse complexo almoxarifado exige grande capacidade técnica. A boa notícia é que já foi desenvolvida tecnologia apropriada e há disponibilidade de engenheiros formados na própria região – o que permite a gestão desse patrimônio, de maneira a propiciar renda e emprego permanentemente.

A noção de uso múltiplo da biodiversidade é recente. Até a segunda metade da década de 1980, a ideia de uso múltiplo se restringia às diversas possibilidades de beneficiamento da madeira.

Naquela época, a engenharia florestal amazônica ainda não era capaz de “ver a floresta que existe além das árvores”, para citar um provérbio inglês comumente usado em macroeconomia.

A versão contemporânea do uso múltiplo aplicado à biodiversidade florestal foi formulada mais acentuadamente no Acre, onde um contingente expressivo de extrativistas, ou manejadores florestais, até hoje obtém renda com a venda de castanha, açaí, jarina e mesmo borracha.

É possível, inclusive, determinar horizontes temporais distintos para a evolução da tecnologia de uso múltiplo. Até 1987, a extração de borracha e castanha, apesar de praticada do mesmo modo havia mais de um século, ainda era a base da economia no estado.

Com efeito, os dois produtos representavam a maior parcela do ICMS arrecadado no setor primário. A exploração de um e outro foi considerada, pelo movimento ambientalista, uma atividade adequada do ponto de vista ecológico, uma vez que não causava danos à floresta.

Por isso, os ambientalistas apoiaram os seringueiros na reivindicação pela criação de reservas extrativistas, sendo que a partir daí mais de 2 milhões de hectares foram destinados a essa finalidade em território estadual.

Já mais para o final dos anos 80, a industrialização da castanha para exportação e a diversificação da borracha eram os desafios. Quantidade significativa de recursos públicos foram investidos em tecnologia e qualificação do produtor.

Todavia, a borracha quase sumiu das estatísticas de produção amazônica, e a culpa já não era mais dos asiáticos – como foi em 1911, o que inflamou nossos brios nacionalistas, diante da falácia da biopirataria –, mas, sim, dos paulistas, que vêm batendo recordes de produção anual desde 1993.

Por seu turno, a castanha não deslanchou por questões que vão da mera fragilidade gerencial a problemas complexos, como a inelasticidade do preço internacional.

A falência da base produtiva amparada no binômio borracha/castanha forçou a busca por outros produtos da biodiversidade florestal.

A visão acerca do potencial estratégico da Amazônia ganhou força nesse período. A partir do início da década de 1990, a biodiversidade florestal passou a ser enxergada de forma holística, ou seja, como um todo – evidenciando-se a capacidade da floresta para ofertar um leque variado de produtos e de serviços ambientais, estes últimos relacionados principalmente ao sequestro de carbono e à produção de água.

Resumindo, o uso múltiplo pode ser explicado como a possibilidade de manejar a biodiversidade para obter riqueza de maneira perene, sem comprometer as relações ecológicas que ocorrem no interior da floresta.

Chamou-se, então, de manejo florestal de uso múltiplo essa atividade-fim da engenharia florestal amazônica, que permite administrar adequada e satisfatoriamente o almoxarifado da biodiversidade florestal, viabilizando a vocação produtiva da região.

Mas a sustentabilidade do uso múltiplo só será alcançada quando os produtores lograrem obter retorno financeiro superior ao auferido com a pecuária extensiva de gado. Enquanto a criação de boi for mais vantajosa financeiramente, o produtor será atraído para essa atividade.

Enfim, não há alternativa. A bioeconomia da Amazônia precisa se afastar da pecuária extensiva e promover o uso múltiplo da biodiversidade florestal.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal (UFRuRJ), mestre em Política Florestal (UFPR), e doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre