quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Em 2020, desmatamento põe sustentabilidade em risco na Amazônia

 * Ecio Rodrigues

De acordo com as medições efetuadas pelo reconhecido Inpe, 11.088 km² de florestas foram desmatadas na Amazônia entre agosto/2019 e julho/2020 – o que representa uma ampliação de 9,5% na destruição florestal, em relação ao ano passado.

À parte a reação leviana e insensata do governo, a preocupação mundial se volta para o fato de que os índices de 2020 confirmam a tendência de alta observada desde 2012 – e que poderá culminar em recordes de desmatamento como os registrados em décadas passadas.

Apenas para lembrar, em 1995, pela primeira e, felizmente, única vez, foram destruídos 29.059 km² de florestas, o que recrudesceu a pressão dos países associados à ONU por medidas severas, a fim de conter essa catástrofe considerada planetária.

A partir daí, por meio de um dispêndio público considerável em aparato fiscalizatório, foi possível manter as taxas em níveis “toleráveis” até 2004, quando foram devastados nada menos que 27.772 km² de biodiversidade florestal na Amazônia.

É insano que a destruição de certa quantidade de florestas por ano seja considerada “tolerável” pelos brasileiros. Todavia, e lamentavelmente, isso é o que se pode deduzir observando a série histórica. Por sinal, houve muita comemoração em 2012, único ano em que foram desmatados menos de 5.000 km².

Diferentemente do caso da taxa anterior, desta vez a medicação ocorreu integralmente sob a tutela dos gestores que assumiram o país em janeiro de 2019.  Portanto, é difícil – para não dizer impossível – deixar de responsabilizar o atual governo pela escalada do desmatamento

Não se pode desconsiderar, ademais, que o aumento do desmatamento acontece num momento em que o país passa por uma significativa retração econômica (que em parte se deve à pandemia, mas em última instância é resultado da incompetência do governo mesmo).

A conjugação entre aumento do desmatamento e redução da riqueza é o pior dos mundos. Com efeito, a economia em frangalhos não produz ganhos na renda da sociedade capazes de contrabalancear o sacrifício da perda na sustentabilidade.

Dessa forma, existem razões de sobra para preocupação.

Acontece que, a despeito da inação do governo, a economia certamente irá reagir no próximo ano, uma vez que a covid-19 será contida com a chegada da vacina, e a indústria deve começar a se recuperar, juntamente com o setor terciário, um dos mais atingidos pela pandemia – dando início a um período de certa prosperidade.

Ora, quando o PIB aumenta, a pressão pelo investimento na destruição florestal também sobe.

Em um ambiente de pressão pela substituição da floresta por plantio de capim para criação extensiva de gado, atividade prioritária para o investimento privado na Amazônia, a responsabilidade do governo federal em relação ao controle do desmatamento redobra.

Todavia, o governo já demonstrou sua inépcia política e técnica para lidar com a conservação da floresta na Amazônia. Exemplos dessa inépcia não faltam.

Assim, as perspectivas são desoladoras.

Nem tudo está perdido, porém. Alteração nesse cenário desditoso para 2021 poderá surgir com a ameaça de boicote por parte de investidores e de países compradores da carne oriunda da pecuária praticada onde antes havia biodiversidade florestal. É esperar para ver.

Por ora, o estrago está feito: a Amazônia segue se afastando da sustentabilidade, pois 11 mil km² de florestas foram destruídas em 2020.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

652 km² de florestas destruídas no Acre em 2020

 

* Ecio Rodrigues

Entre agosto/2018 e julho/2019 foram desmatados 682 km² de florestas no Acre. Foi a maior área devastada desde 2004 – a despeito da tendência de alta observada a partir de 2013.

Com a divulgação da taxa de 2020, constata-se que o desmatamento manteve a mesma intensidade do ano passado, tendo atingido 652 km² de florestas. Considerando o período abrangido pela medição (agosto/2019 a julho/2020), integralmente sob a responsabilidade do atual governo, é possível concluir que a conservação da biodiversidade florestal permanece sem ser prioridade no Acre.

O fato de os índices de devastação retrocederem aos níveis da década passada, que se supunham superados, acende o alerta. Além de representar atraso inadmissível na política pública de meio ambiente, há o risco imediato de ocorrência de uma taxa de desmatamento de 4 dígitos. Sem falar da descrença da sociedade em relação ao futuro das florestas.

Não se pode esquecer que em 2003 o Acre superou a barreira dos 1.000 km² de destruição florestal. Para conter a tendência de alta e lograr rebaixar a taxa de desmatamento foram consumidos expressivos recursos na criação de aparato fiscalizatório. Todavia, e como apontam as evidências, o efeito trazido pela fiscalização é de curto prazo.

Existe farta evidência técnica, de outra banda, no sentido de que o agronegócio depende do desmatamento para se viabilizar. Talvez reconhecer essa dependência seja o primeiro passo, como informam os guias de autoajuda, para iniciar uma discussão aprofundada e, a partir daí, quem sabe chegar a uma solução.

Dessa forma, e assumindo que o agronegócio é, atualmente, prioridade para a economia do Acre e que mais de 80% da área ocupada por essa atividade produtiva é destinada à criação extensiva de gado – um empreendimento, diga-se, que fornece retorno questionável à sociedade –, facilmente se deduz que porção considerável  florestas será substituída por pasto nos próximos anos.

Ora, há que se convir que se trata de um cenário desolador, que pode fazer surgir uma geração de acreanos “sem-sem” – para usar um jargão caro aos demógrafos.

Sem emprego no presente, sobrevivendo numa economia estagnada, e também sem poder contar com a biodiversidade florestal, principal recurso estratégico do estado e garantia para as gerações futuras.

Para explicar. Se a economia continuar a depender da criação extensiva de gado, não haverá saída, ou mudança para melhor. A estagnação econômica permanecerá, e de igual modo continuará a pressão pela conversão da floresta em pasto, a fim de atender à demanda da pecuária por novas terras.

Continuaremos, por um lado, a depredar a valiosa biodiversidade florestal e, por outro, sem gerar riqueza suficiente para fortalecer a economia do estado e oferecer opção de emprego e renda aos acreanos.

Por muito tempo acreditou-se – e ainda há quem acredite – que os governos poderiam conter o desmatamento promovendo a ampliação da produtividade da pecuária (a fim de aumentar a quantidade de cabeças de gado por hectare). Significa afirmar, em outras palavras, que o fomento à pecuária inibiria a devastação florestal.

Mas a persistência de elevadas taxas de desmatamento demonstrou a insensatez dessa tese.

Na verdade, a raiz do problema é econômica. Mesmo que se estimule o desmatamento legalizado, o que não deixa de ser paradoxal, e se penalize o ilegal, que ninguém sabe direito onde ocorre, enquanto a pecuária extensiva se mostrar mais lucrativa para o produtor e, pior, para o Basa, que fornece financiamento com crédito subsidiado para a criação de gado, não haverá resposta.

Fazer a biodiversidade florestal gerar mais rendimentos que os ganhos de curto prazo trazidos pelo boi criado solto em 2 hectares de pasto é a única e providencial saída para cançar o desmatamento zero no Acre. Por mais que pareça utópico, não existe plano B, e o tempo urge.

O negócio da biodiversidade florestal no Acre precisa ser viabilizado, e já!

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

domingo, 13 de dezembro de 2020

Desmatamento na Amazônia volta a alcançar as altas taxas da década passada

 

* Ecio Rodrigues

Com a divulgação, pelo conceituado Inpe, da taxa de desmatamento na Amazônia para o período entre 1/8/2019 e 30/7/2020, constata-se que a intensidade da destruição florestal voltou a alcançar os altos níveis observados na década passada.

De fato, é desanimador perceber que chegamos em 2020 com uma área total de 11.088 km² de florestas derrubadas – número que se aproxima do patamar de destruição observado em 2008 (12.911 km²), com um agravante: a tendência agora é de alta.

Significa afirmar que existe a probabilidade, ou risco, como gostam os estatísticos, de chegar a acontecer um novo e preocupante recorde – à semelhança do que ocorreu em 2004, quando o desmatamento atingiu a marca absurda de 27.000 km² –, caso nenhuma ação reverta o movimento de subida.

A regressão aos níveis de desmatamento observados até 2010 acende o alerta mundial. Primeiro, porque vai na contramão do compromisso brasileiro assumido perante o Acordo de Paris; segundo, porque naquela época o PIB nacional era bem superior ao atual, quando o país atravessa um contexto de pandemia.

A economia estava aquecida, o que explica, pelo menos em parte, o investimento no desmatamento para criação extensiva de boi, atividade produtiva predominante na Amazônia. Mas, hoje, a realidade é bem diferente.

Em metade do período abrangido pela taxa de 2020, o aumento do desmatamento ocorreu durante a pandemia – ou seja, em situação de isolamento social e retração econômica.

Não é possível, portanto, debitar na conta da dinâmica econômica a ampliação de 9,5% na taxa em relação a 2019. Por outro lado, a costumeira alegação de ausência de investimento público em fiscalização está longe de ser um fato.

Ainda no início da estação seca guarnições do Exército foram enviadas à Amazônia com o propósito de intimidar o produtor que desmata. Chegou a ser decretada uma “moratória do desmatamento”, o que liberou os fiscais da complexa tarefa de distinguir o desmate ilegal do legalizado.

As habituais e inócuas campanhas de sensibilização para o produtor não desmatar e queimar, sob o lema romântico “Floresta é vida”, aconteceram às tantas.

O fracasso das medidas fiscalizatórias transmite à sociedade a ideia equivocada de que não existe solução para zerar o desmatamento, ilegal ou legalizado.

Por sua vez, a percepção de que não há saída, que leva ao conformismo, levanta um questionamento bastante embaraçoso, mas pertinente: que área de floresta destruída todos os anos na Amazônia os brasileiros estamos dispostos a tolerar?

Da parte dos cientistas e técnicos que defendem a alternativa produtiva ancorada na exploração da biodiversidade florestal, o desmatamento zero não só é possível como deveria ser meta prioritária de política pública.

Convenhamos, a conversão de 2 hectares de biodiversidade florestal em 2 hectares de pasto (superfície que alimenta uma única cabeça de gado, que vale menos que R$ 2.000), para além de qualquer noção de legalidade ou ilegalidade, é pura estupidez econômica.

Quem pode ser tolo o suficiente para defender proposta de tamanha agressividade intelectual como a criação extensiva de gado na Amazônia?

Ainda há esperança, o mundo cobrará que os brasileiros honrem o Acordo de Paris – pacto que prevê a organização de uma nova economia, dita de baixo carbono.

No negócio da biodiversidade florestal está a resposta para zerar o desmatamento na Amazônia, nunca no Exército ou no fiscal do Ibama.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Inpe honra tradição e divulga taxa de desmatamento em novembro

 * Ecio Rodrigues

No final do segundo tempo, como diriam os futebolistas, e a despeito da pressão da torcida do governo e do próprio ministro da ciência e tecnologia, o Inpe honrou sua reputação: em 30 de novembro último foi divulgada a taxa anual de desmatamento na Amazônia.

Com efeito, há mais de 30 anos esse índice é publicado até novembro do ano de referência. A taxa de 2020, medida no período de 12 meses entre 01/8/2019 e 30/7/2020, é a primeira sob total responsabilidade do atual ministro do meio ambiente e do governo federal como um todo.

Essa foi, sem dúvida, uma das razões pelas quais a divulgação pelo Inpe foi precedida de grande expectativa por parte dos envolvidos com o estudo do desmatamento na maior floresta tropical do mundo.

Havia certa desconfiança em relação à postura governamental diante da obrigação moral e ética de conferir transparência às informações em torno da destruição da biodiversidade florestal na Amazônia.

Na verdade, alguns movimentos levantaram a suspeita, felizmente não confirmada, de que o governo poderia afrouxar o criterioso processo que envolve medição, cálculo e publicação da taxa anual de desmatamento.

Quem não se lembra quando, no decorrer de 2019, em meio aos alertas rotineiros de desmatamento localizado emitidos pelo sistema “Deter”, o governo iniciou ataques constrangedores contra o mensageiro, no caso o Inpe, por discordar da mensagem, nesse caso a destruição da floresta?

Logo depois, já na estação seca, vieram os dados extraídos do Programa de Monitoramento de Queimadas, também gerido pelo Inpe.  A quantidade de focos de calor detectada pelos satélites demonstrava que as queimadas estavam fora de controle e, o mais grave, que havia alto risco de ocorrência de incêndios florestais.

Ao invés de adotar medidas drásticas de combate ao fogo, o governo, mais uma vez, se fez de vítima, passando a elucubrar que inimigos do país e da Amazônia, com o apoio das ONGs, numa ação de sabotagem explícita, estariam queimando a floresta para chamar a atenção da imprensa mundial.      

O então presidente do Inpe, um cientista prestigiado no mundo e conceituado entre seus pares, foi destituído, sob a acusação insana de que estaria a serviço de ONGs ambientalistas.

Decerto não é preciso gastar tinta defendendo o irretocável levantamento por satélite realizado pelo Inpe e conferido por agências europeias de monitoramento climático, ou a inegável e exitosa atuação das ONGs nos últimos 50 anos em prol do desenvolvimento sustentável da Amazônia.      

O militar empossado na presidência do Inpe no lugar do cientista, vendo-se diante de uma absurda narrativa de conspiração mundial que afirmava a existência de um suposto plano para atacar a soberania brasileira na Amazônia, optou, habilmente, por deflagrar um procedimento sucessório, criando um “comitê de busca”, no intuito de levar à direção do órgão um gestor que gozasse do respeito da equipe de pesquisadores.

Esse comitê, mesmo com a ameaça de ingerência do governo, logrou concluir sua missão, selecionando um cientista com perfil para presidir o Inpe.

Enfim, aguardada com grande expectativa e publicada mediante planejamento e disciplina religiosa pelo Inpe desde 1988, a taxa de desmatamento da Amazônia chama a atenção do mundo por duas razões: credibilidade e preocupação.

Ninguém põe em xeque a credibilidade do trabalho científico realizado pelo Inpe, o que, por um lado, é excelente, mas significa que o desmatamento aconteceu de verdade, o que, por outro lado, acende o alerta.

Não há dúvida, 11 mil km² de biodiversidade florestal foram destruídos em 2020 na Amazônia, uma área 9,5% maior que em 2019, e agora?

Encontrar solução depende de considerável esforço técnico por parte do governo federal – mas isso, há de se convir, seria algo insólito. Lamentavelmente, não existe um Inpe para responder ao “e agora?”.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

 


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Gestão das florestas na Amazônia e a Lei Complementar 140/2011

 * Ecio Rodrigues

Ainda que as tentativas anteriores de descentralização na área ambiental tenham sido desanimadoras, a Lei Complementar 140/2011 promoveu alterações sensíveis na Lei 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente.

Um dos pontos considerados nevrálgicos para a descentralização das ações relacionadas ao meio ambiente se refere ao monitoramento e controle de empreendimentos voltados para a exploração de florestas nativas.

Contudo, no caso da Amazônia, a exploração comercial direta de florestas públicas, bem como o licenciamento de obras de grande porte próximas a áreas de floresta (e que, portanto, causam significativos impactos a estas) trazem empecilhos complexos e de difícil superação para a descentralização.

Para os defensores da descentralização da gestão florestal, a transferência a estados e municípios de atribuições relacionadas ao gerenciamento das terras cobertas por florestas ampliaria o envolvimento direto das comunidades locais na conservação da floresta nativa.

Assim sendo, e depositando exagerada expectativa na LC 140/2011, parcela considerável do movimento ambientalista nacional passou a reivindicar, já há algum tempo, maior participação das administrações estaduais na gestão florestal, sob o argumento de que a descentralização estaria alicerçada nessa lei complementar.

Levando-se em conta as particularidades que distinguem as leis complementares e que lhes conferem proeminência em relação às leis ordinárias, pode-se dizer que a edição da LC 140/2011 representou um grande passo.

Entretanto, passados quase 10 anos, a descentralização da gestão florestal na Amazônia ainda está bem longe de atender àquelas expectativas. Pelo contrário, exemplos de frustração não faltam.

Um dos mais significativos diz respeito à promulgação da Lei 11.284/2006, a chamada Lei de Gestão de Florestas Públicas, que dispôs sobre a transferência de algumas atribuições da União a estados e municípios.

Na verdade, essa norma previu não apenas a descentralização (ou seja, a delegação de responsabilidades entre os entes federativos) como também a desconcentração da gestão de florestas – isto é, a instalação, nos estados e municípios, de representações do órgão federal de gestão, cuja sede se localiza em Brasília, obviamente.

Não obstante, mesmo tendo sido criado um órgão específico para conduzir os processos de descentralização e desconcentração da gestão florestal – o Serviço Florestal Brasileiro – e mesmo tendo sido constituído um Fundo Nacional de Florestas para arcar com os custos correspondentes, essa lei ordinária não só não logrou promover a descentralização como as decisões parecem ter ficado mais concentradas nas mãos dos gestores públicos federais.

Vale dizer, o nível de concentração ficou superior ao que existia antes, quando a gestão das florestas públicas era exercida pelo Ibama, por meio de suas ineficientes superintendências estaduais – que, por sinal, foram instituídas para desconcentrar e, mesmo depois de sucessivas reformas, ainda existem.

No final das contas, a competência dos estados continuou circunscrita às florestas públicas criadas em suas respectivas jurisdições.

Resumindo, se nem mesmo em relação aos 9 estados amazônicos a descentralização prevista na Lei 11.284/2006 foi adiante, não há o que dizer quanto aos municípios.

É difícil saber as razões pelas quais as tentativas de descentralização da gestão florestal na Amazônia não tiveram êxito, mas existe, não há dúvida, certa resistência por parte dos órgãos federais. Resistência que, depois de praticamente 10 anos de vigência da LC 140/2011, deveria ter sido superada.

A despeito de sua complexidade, trata-se de um tema de grande importância, sendo imperiosa a superação dos obstáculos. Já não faz mais sentido que as atribuições dos municípios nessa área se restrinjam à gestão de parques e à arborização urbana.

Afinal, a participação da sociedade local na gestão das florestas na Amazônia é imposição legal. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 22 de novembro de 2020

SUS ambiental depende de vontade política que não existe na Amazônia

 

* Ecio Rodrigues

Embora conte com o apoio de parcela expressiva do movimento ambientalista, o processo de municipalização da gestão ambiental não consegue avançar no país – e tampouco na Amazônia.

Não é de hoje. Desde a década de 1980 que o debate em torno do papel a ser desempenhado pelas cidades no licenciamento ambiental de atividades produtivas e de obras de infraestrutura, inclusive usinas hidrelétricas e pavimentação de rodovias, acontece sob pouco envolvimento político, apresentando resultados pífios.

Uma novidade surgiu com a aprovação da Lei Complementar 140, em 2011. O Ministério Público Federal já se posicionou no sentido de que essa norma abriu caminho para a municipalização, na medida em que atribuiu aos municípios o licenciamento das atividades e iniciativas que causem impactos ambientais em âmbito local.

Sem embargo, para assumir o licenciamento desses empreendimentos, é imprescindível que as cidades constituam equipes técnicas habilitadas na análise de termos de referências e outros estudos complexos, específicos para a área ambiental.

Trata-se sem dúvida de um gargalo difícil de ser superado – mas, em contrapartida, os municípios poderiam instituir e recolher taxas de licenciamento para o custeamento do serviço.

Resumindo, o SUS ambiental, reivindicado pelo movimento ambientalista desde a década de 1990 – ao levar para esfera municipal o licenciamento ambiental –, além de adequar os empreendimentos à realidade na qual serão instalados, também poderia ampliar a arrecadação e reforçar o orçamento municipal.

Se, por um lado, a municipalização traz mais eficácia e efetividade – pois quanto mais distante da realidade local mais genéricas são as regras, aumentando o risco de fracasso no propósito de mitigar os impactos ambientais dos empreendimentos licenciados – por outro, a pressão política tende a ser maior, uma vez que, sobretudo nas cidades interioranas, os prefeitos e os gestores por eles nomeados são mais suscetíveis à influência dos atores sociais e agentes econômicos.

Afinal, como dizem no Acre, as coisas no interior se resolvem no espaço privado da casa do interessado, e não raro o prefeito vai até lá. Esse dilema – adequação à realidade local X maior pressão política – tem se mostrado mais profundo do que se imaginava.

De qualquer forma, em relação à gestão ambiental em si, pelo menos duas constatações se sobressaem.

Em primeiro lugar, o processo de licenciamento precisa ser atualizado, posto que muitas das regras de tramitação foram instituídas ainda na década de 1980.

E mais, essa atualização deve se basear na demanda representada pelas obras de grande porte previstas pelo governo federal para execução nos próximos 10 anos – o que inclui, apenas na Amazônia, cerca de 15 hidrelétricas e mais de 4 mil km de pavimentação de rodovias.

Em segundo lugar, as exigências para liberação das licenças de instalação e de operação precisam ser padronizadas e especificadas, de modo a e tornar o procedimento mais célere, preciso e eficiente.

Nos moldes atuais, em que Ministério do Meio Ambiente contradiz Ibama e vice-versa, fica até difícil imaginar a participação dos municípios.

A despeito de se mostrar atrativo para o município e para a sociedade, o SUS ambiental depende de uma demanda política que ainda não existe na Amazônia.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Pense no rio Acre e vote por ele!

 

* Ecio Rodrigues

Todos os anos, quando chega a estação seca, entre meados de julho e setembro, a população de Rio Branco se espanta ao ver o rio Acre, sua única fonte de água, se transformar aos poucos num córrego – num canal de esgoto, praticamente.

Nesse período, todos os anos, o abastecimento de água potável fica comprometido na capital, afetando um contingente de cerca de 400.000 pessoas (de acordo com estimativas do IBGE), e correndo o risco de entrar em colapso.

Além dos costumeiros e persistentes problemas relacionados à gestão pública do sistema de tratamento e distribuição de água – que nos últimos 30 anos passou, sem sucesso, da estadualização para a municipalização e vice-versa, o rio Acre sofre impressionante queda de vazão, a ponto de muitas vezes parecer que vai apartar.

Isso nunca aconteceu – graças às forças divinas, diga-se –, mas o fenômeno do “apartamento”, que quando ocorre, segundo os produtores rurais, faz a água do rio voltar no sentido da nascente, não deixa de ser ameaçador e insufla o imaginário popular.

“Vai secar?”, “Vai apartar?” – são as perguntas, erradas, que a imprensa não cansa de repetir, tal qual ladainha, toda vez que o verão amazônico atinge seu ápice.

Mas, em outubro as chuvas começam a cair, trazendo fartura e causando inundações. Se antes o rio batia recorde de vazão máxima a cada 10 anos, nos últimos 20 anos as alagações (eventos extraordinários) se tornaram tão comuns que se confundem com as cheias (eventos anuais e ordinários).

Os dois fenômenos extremos, seca intensa e alagação, têm origem na perda do equilíbrio hidrológico – o que leva o rio a apresentar vazão máxima e mínima em intervalos cada vez menores.

Mas, e os eventos climáticos? – hão de questionar alguns, ou muitos, afinal, quando El Niño ou La Niña surpreendem, não há como garantir o equilíbrio hidrológico de nenhum rio na Amazônia.

Por óbvio, se a chuva chega mais cedo ou mais tarde, se diminui ou se aumenta, haverá efeitos diretos e de curta duração na vazão do rio. Trata-se de fato comprovado em farta pesquisa, e certamente ninguém duvida disso.

Contudo, duas constatações são importantes para analisar, com maior precisão, a relação entre os eventos climáticos extremos e o equilíbrio hidrológico do rio.

Primeiro, e mais importante, a área de floresta presente às margens do rio, a chamada mata ciliar, potencializa os efeitos dos extremos de precipitação para mais ou para menos.

Significa afirmar o seguinte: se a quantidade e a qualidade de biomassa florestal que existe na mata ciliar do rio Acre em Assis Brasil fosse a mesma para todos os municípios a jusante, de Brasileia a Porto Acre, as diferenças de vazão entre cheia e seca não seriam tão expressivas.

Considerando que em Assis Brasil a cobertura florestal na área de influência da bacia hidrográfica se encontra em excelentes condições de conservação, enquanto em Rio Branco a degradação florestal é das mais graves, desde que sob o efeito do mesmo evento climático, a resiliência do rio será diferenciada para ambas as cidades.

Já a segunda constatação diz respeito às medidas que os munícipios podem tomar para recuperar a resiliência do rio Acre.

Depois dos embates relacionados à definição de competência para imposição de regras de isolamento social durante a pandemia – resolvidos pelo STF –, não há mais dúvida (se é que antes havia) de que os municípios, como prevê a Constituição, têm autonomia para dispor sobre assuntos de interesse local.

Prefeitos e vereadores podem atuar e legislar no sentido de aumentar a quantidade de biomassa presente ao longo da mata ciliar, de modo a assegurar que as demais cidades abastecidas pelo rio Acre sigam o exemplo de Assis Brasil.

Pesquisas recentes demonstram que mais de 50% da mata ciliar desse rio tão importante foi destruída para o plantio do capim que alimenta um boi que não paga, à sociedade, pela água que bebe.

Reverter o triste diagnóstico do rio Acre deveria ser prioridade para o próximo prefeito – ou a próxima prefeita – de Rio Branco. Só o voto pode fazer isso acontecer. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Prometendo prioridade ao Acordo de Paris, Partido Democrata vence eleição nos EUA

 * Ecio Rodrigues

Diante da derrota da inépcia e do amadorismo político, representados na figura tosca de Donald Trump, os Estados Unidos voltam a se posicionar na condição de referência para agenda das mudanças climáticas e, por conseguinte, no apoio incondicional ao Acordo de Paris.

Joe Biden venceu uma eleição complexa, em meio a uma conjuntura de pandemia e quarentena, o que levou mais de 60 milhões de americanos a votar pelo correio.

Sem embargo, e ainda que estivesse enfrentando um adversário perigoso, que tentava um segundo mandato (sendo que por lá são raros os governantes que não conseguem) e que se elegeu presidente negando o aquecimento global, o democrata sempre fez questão de deixar claro que uma de suas prioridades seria o enfrentamento das mudanças climáticas.

Pode ser cedo ainda para afirmar, entretanto, um dos grandes vitoriosos nas eleições americanas de 2020 certamente foi o movimento ambientalista mundial, cuja principal bandeira, na atualidade, é a efetivação do Acordo de Paris.

Existe farta evidência científica quanto ao fato de que o planeta está aquecendo e que o aumento da temperatura acarreta alterações climáticas, degelo das calotas polares, elevação do nível dos oceanos e outros eventos calamitosos, como secas, alagações e tsunamis, para ficar nos mais noticiados.

Assinado em 2015, na cidade que lhe empresta o nome, o Acordo de Paris é considerado o mais amplo e representativo pacto político planetário direcionado à mitigação dos impactos do efeito estufa, causa principal do aquecimento do planeta.

Os países associados à Organização das Nações Unidas, ONU, assumiram metas de redução de carbono, a serem alcançadas até 2030. Embora não seja a única causa do efeito estufa, o carbono é considerado o inimigo número 1 por duas razões, basicamente: tempo de permanência na atmosfera e quantidade produzida pela humanidade.

Boa parte do carbono presente hoje na atmosfera foi lançado há mais de 100 anos, ou seja, ainda no início do século passado, quando a humanidade descobria o largo leque de aplicações do petróleo e começava a usar indiscriminadamente essa matéria-prima.

É aí que entra a segunda parte da equação que torna as mudanças climáticas prioridade para todos os países. Reduzir a emissão de carbono significa mudar a matriz energética, freando a expansão da indústria que usa petróleo em quase tudo e ampliando o uso de fontes de energia limpa.

Uma revolução ainda pouco percebida por estas bandas está acontecendo, com o emprego do motor elétrico no sistema mundial de transporte de pessoas e cargas. Em muitos países da Europa foram impostas restrições à queima de combustíveis fósseis em automóveis, e o motor a diesel foi praticamente banido de cidades como a própria Paris.

Motores elétricos vão demandar quantidade razoável de geração de energia elétrica – que, por sua vez, não poderá ser produzida pela queima de óleo diesel. A matriz de energia elétrica mundial se volta para as 4 fontes de energia limpa: água, sol, vento e biomassa.

Nesse contexto, o Brasil é privilegiado, já que pelo menos 70% da energia elétrica produzida aqui é energia limpa, originando-se principalmente da água dos rios. Não apenas, mas muito por isso, o país é considerado peça-chave no jogo de estratégias políticas da ONU para as mudanças climáticas.

Não à toa, o Acordo de Paris é sucedâneo da Convenção do Clima, assinada em 1992 no Rio de Janeiro. Depois vieram Rio + 10, em 2002; e Rio + 20, em 2012, sempre com a presença marcante da diplomacia brasileira e tornando o país um dos mais ativos para política mundial sobre clima.

Defenestrados os ineptos nos Estados Unidos, há muita expectativa que estadistas e profissionais da política internacional entrem em cena naquele país, a fim de ajudar a humanidade a superar esse que é o real desafio – dar início à era pós-petróleo, alavancando a economia de baixo carbono.

Lamentavelmente, por aqui, o governo anda a passos lentos, e ainda tem um pé na década de 1980, quando o problema das cidades era lixo e saneamento.

A realidade do Acordo de Paris exige profissionais da política. Não há espaço para amadores na construção de uma saída planetária para a emergência climática. 

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Criação de boi na mata ciliar dos rios do Acre: absurdo, mas realidade

 * Ecio Rodrigues

Quem já teve o privilégio de viajar de batelão pelos rios Purus, Juruá e Acre, para ficar nos tributários da margem direita do rio Amazonas, provavelmente deve ter estranhado a presença de pastos às margens dos rios.

Para um observador atento, o domínio econômico da atividade pecuária, distribuída em pequenas propriedades rurais ao longo do rio, não passa despercebido.

Embora se constate significativa lacuna de informações a respeito da pecuária bovina praticada por produtores ribeirinhos em território estadual – o que deixa sem resposta questões elementares, como tamanho do plantel e densidade de animais por hectare de pasto –, é um tanto evidente a disposição do produtor para ampliar o plantio de capim até o rio, mesmo quando faltam animais para ocupar toda a área de pasto de que dispõe.

Na condição de APP (área de preservação permanente), a mata ciliar goza de proteção legal, não podendo ser usada para nenhum tipo de atividade produtiva. Dessa forma, e como estabelece o Código Florestal, uma faixa de floresta com largura mínima de 30 metros (que pode ser maior, dependendo da largura do corpo d’água) deve ser obrigatoriamente mantida nas margens dos rios e igarapés.

Significa dizer que todos os produtores que levaram seus pastos até a beira do rio estão infringindo o Código Florestal. Caso suas propriedades estejam com a situação fundiária regularizada (o que não é muito comum), terão que se comprometer com a restauração florestal da mata ciliar.

Um quadro complexo, por óbvio, que se arrasta há pelo menos 50 anos e parece sem solução – e que vem se agravando, na medida em que os igarapés mais significativos, tributários dos rios de maior vazão, também têm sido atingidos. A mata ciliar destruída nos igarapés intensifica o assoreamento dos rios e compromete a capacidade de carga em toda a bacia hidrográfica.  

Muitos municípios do Acre, se não todos, apresentam esse mesmo cenário.

Em Xapuri, um projeto recente, executado por uma organização não governamental com recursos da Fundação Banco do Brasil, levou a efeito estudo minucioso no igarapé Santa Rosa, que atravessa o município e recebe mais de 70% do esgoto domiciliar da cidade, sem tratamento.

Como demonstra esse estudo, no trecho rural do Santa Rosa, que corresponde a 60% do traçado do igarapé (cuja foz é no rio Acre), 90% da mata ciliar nativa foi substituída por capim para criação extensiva de gado.

Isto é, na porção rural a ausência da mata ciliar impossibilita o equilíbrio hidrológico do igarapé, e na urbana, o esgoto transforma a água em uma pasta viscosa e fedida.

A boa notícia é que existem tecnologias de baixo custo voltadas para a restauração florestal da mata ciliar (nos trechos rurais de rios e igarapés) e tratamento do esgoto domiciliar (nos trechos urbanos). Tecnologias que estão disponíveis e são de domínio público.

Todavia, o emprego dessas tecnologias depende da decisão dos gestores, no sentido de destinar a essa finalidade recursos orçamentários do município, do estado ou do governo federal.

Mas, enfim, a pecuária extensiva é, de longe, o maior problema nos rios e igarapés do Acre e da Amazônia.

Houve um tempo em que muitos – inclusive ambientalistas – defendiam a pecuária extensiva praticada pelo pequeno produtor, sob o argumento de que, nesse caso, limitando-se o plantel a 50 cabeças no máximo, os danos ambientais seriam insignificantes. Essa premissa se mostrou flagrantemente falsa.

Atualmente, o desmatamento no Acre está estreitamente vinculado à pecuária extensiva, ao ribeirinho e ao agricultor familiar.

O poder público tem dificuldade para lidar com essa realidade por duas razões: os gestores não conseguem desagradar o pequeno agricultor familiar, com receio de perder votos na classe média urbana – o que é insólito, mas verdadeiro; e de maneira geral as administrações não dispõem de equipe técnica para atuar nas pequenas propriedades.

Resumindo, existem soluções, mas faltam vontade política e equipe técnica, isso sim, inexistente no Acre.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Outubro/1998: 44 queimadas no Acre; 22 anos depois: 1.396

 

* Ecio Rodrigues

Antes de tudo, cabe informar que as 44 queimadas de 1998 foram realizadas durante todo o mês de outubro, enquanto as 1.396 queimadas de 2020 foram registradas até o dia 13 – ou seja, ainda restavam 17 dias de fogo em outubro no Acre.

Aos incrédulos, o recorde absurdo e desalentador pode ser aferido no portal do Programa de Monitoramento de Queimadas do Inpe: http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/

Mas, deixando de lado a minoria desinformada que prefere a escuridão às estatísticas, para os que se preocupam com a realidade da destruição florestal fica um sentimento de desesperança, uma impressão de que não há solução para as queimadas.

Sem embargo, importa escalarecer que, de maneira direta ou indireta, as duas principais tragédias ecológicas amazônicas – desmatamento e queimadas – estão presentes na maior parte dos estudos realizados na região.

Nos últimos 30 anos, pesquisadores vinculados a universidades, instituições de pesquisas (como é o caso da Embrapa) e organizações não governamentais se dedicaram a encontrar soluções e alternativas – a fim de extirpar as duas práticas nocivas.

E soluções e alternativas foram encontradas.

Ainda na década de 1990, os estudos se direcionaram a demonstrar os efeitos trazidos pelo investimento público no aparato de fiscalização e de repressão ao produtor que desmata e queima irregularmente.

Como tudo na vida, o resultado produzido pela fiscalização encontra limites. Explicando de forma bem resumida, o sucesso da fiscalização reside na quebra da inércia, ao reverter uma comprovada tendência de alta.

Um sucesso que, conforme demonstrado com fartura de dados nas estatísticas do Inpe, dura, na melhor das vezes, por duas safras – ou por 2 anos consecutivos, para o caso da criação extensiva de boi praticada no Acre.

Significa dizer que o efeito da fiscalização é de curto prazo.

E esse efeito de curto prazo independe do volume de recursos investidos – ou, como prefere a ladainha repetida pelo pessoal do raciocínio fácil, da “vontade política” para fiscalizar.

Ao longo de 22 anos de registros regulares das queimadas (as medições do desmatamento se iniciaram bem antes), muito dinheiro foi investido; por outro lado, nenhuma liderança política que tenha ocupado cargo de relevância nesse período possui, em seu currículo de autoridade pública, a pecha de defensor do desmatamento ou das queimadas.

Muito pelo contrário, os gestores públicos são unânimes quanto à existência de um suposto compromisso dos criadores de gado no Acre com o meio ambiente.

Por isso, o passo seguinte para tentar prolongar o efeito de curto prazo da fiscalização passou a ser a realização de campanhas de conscientização do produtor.

Programas de sensibilização, conscientização e convencimento (parecem a mesma coisa, mas todo extensionista sabe que não são) passaram a integrar a ação estatal, consumindo todos os anos o orçamento público, sem retorno palpável. A fumaça continuou a sair do mesmo lugar. 

Desde 1998 até chegar no perigoso recorde deste outubro, mês que a partir de 2020 passa a formar a tríade dos meses do fogo no Acre (juntamente com agosto e setembro), foram realizadas operações anuais de fiscalização e, no mínimo, 22 campanhas para conscientizar o produtor.

De volta à resposta por soluções, a principal responsável pelo desmatamento e pelas queimadas no Acre foi identificada pelos pesquisadores há muito tempo: a pecuária extensiva de gado, que substitui a floresta por capim.

Ciente disso, o caminho seria, por óbvio, instituir sistemas que desmotivem o produtor a abraçar essa atividade produtiva de lucro privado questionável e prejuízo público evidente.

O ambiente de negócios para a pecuária extensiva no Acre deveria inibir o produtor.   

Em se mantendo promissor, não faltará motivação para queimar por mais 22 anos.

 

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O setembro mais quente de nossas vidas

* Ecio Rodrigues

Entre todos os setembros da história moderna da humanidade, este último foi o mais quente. Significa dizer que desde que começaram as medições de temperatura, no final do século XIX, nunca houve um mês de setembro tão quente como o de 2020.

Tanto a medição das temperaturas quanto a publicação dos resultados foram realizadas pelo Serviço de Mudança Climática Copernicus, da União Europeia, e reforçam a tendência de aquecimento planetário observada nos últimos 5 anos – os mais quentes desde o início das medições.

Segundo os dados do Copernicus, as temperaturas médias aferidas no mês de setembro de 2020 tiveram um aumento de 0,05ºC em relação a 2019; e de 0,08ºC, em relação a 2016 – anos que registraram os dois recordes anteriores para esse mês.

Mesmo que ainda existam (em número cada vez menor) os que associam o aquecimento do planeta a uma conspiração internacional, a ocorrência de picos de temperatura é uma tendência comprovada pela ciência.

Ou seja, não surpreende que setembro de 2020 tenha sido o mais quente, da mesma maneira que o de 2021 poderá ser ainda pior. O que causa estranheza é a pouca ou nenhuma relevância conferida pela imprensa a esses recordes e à sua vinculação ao Acordo de Paris.

Assinado em dezembro de 2015, o Acordo de Paris é o mais amplo pacto mundial já celebrado em torno das mudanças climáticas, tendo sido subscrito por mais de 95% dos países associados à ONU.

Mantida a tendência de elevação da temperatura, cresce entre os países a ideia-força de que as metas que voluntariamente estabeleceram perante o Acordo de Paris podem não ser suficientes para conter os efeitos nefastos do aquecimento global.

Nesse caso, há apenas dois caminhos.

O primeiro remete à ampliação das metas de redução das emissões de carbono, o principal (mas não único) gás responsável pelo efeito estufa. Essa alternativa esbarra em resistências, pois poderá inibir a retomada num momento de retração econômica mundial, quando a maior parte dos países se encontra no limiar da recessão.

O segundo caminho aponta para a substituição da matriz energética vigente, intensiva em carbono e combustíveis fósseis, pela chamada economia de baixo carbono – baseada em fontes de energia considerada limpa, como a luz do sol e a força das águas e do vento.

Quanto ao Brasil, se por um lado nos estarrecemos com o desmatamento e as queimadas que assolam nossos ecossistemas – em especial Pantanal e Amazônia –, por outro parece haver uma incapacidade um tanto proposital, no sentido de não associar essas práticas nocivas às metas que o país se propôs a alcançar no âmbito do Acordo de Paris.

O termo “incapacidade proposital” não é à toa. Os jornalistas tendem a responsabilizar os governos, sobretudo o federal, pelas mazelas que afligem o país; todavia, deixam à parte o tema do aquecimento do planeta, porque no fundo veem esse aquecimento como resultado de fenômenos climáticos – como El Niño e La Niña – e, ao que parece, temem dar ensejo a justificativas por parte dos gestores.

Um grave equívoco. Primeiro, o aquecimento global resulta principalmente das emissões de carbono – e no Brasil, o desmatamento é, comprovadamente, o maior responsável pelo carbono lançado na atmosfera.

Segundo, o MMA (Ministério do Meio Ambiente), que claramente apresenta dificuldade técnica insuperável para diagnosticar a realidade amazônica e propor soluções ao desmatamento, tem a missão institucional de operacionalizar as metas do Brasil junto ao Acordo de Paris.

Uma delas é exatamente zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.

Por sinal, fazer uma distinção entre o desmatamento ilegal e o legalizado tem sido a estratégia adotada pelo MMA para ludibriar a mídia – sob a alegação insana de que o primeiro deve ser combatido e o segundo, não.

Uma estratégia que vem dando certo, diante de jornalistas e ambientalistas igualmente distantes da realidade da Amazônia, que não conseguem visualizar alguma solução factível para zerar o desmatamento.

Há uma conexão visível entre Acordo de Paris, aquecimento global, queimadas e desmatamento na Amazônia. Mesmo que os estúpidos não consigam enxergar.

 

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Após 10 anos de persistente aumento, novo recorde de queimadas no Acre

 


* Ecio Rodrigues

Na última terça, 06 de outubro, o programa de monitoramento de queimadas na Amazônia, executado pelo Inpe desde 1998, constatou, para o ano de 2020, a ocorrência de nada menos que 7.973 queimadas no Acre – um recorde em 10 anos.

Para os que duvidam, os dados podem ser acessados em http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas estados/.

Importante frisar que a despeito das investidas desastrosas do governo contra o seu próprio órgão, o Inpe tem uma atuação científica inquestionável, integrando o seleto grupo de instituições brasileiras que gozam de grande reconhecimento internacional.

Os números relativos à ocorrência de queimadas no Acre chamam a atenção dos pesquisadores por duas razões, principalmente: efeito bordadura e marca de sustentabilidade.

No primeiro caso, e como a própria denominação sugere, o efeito bordadura diz respeito ao perímetro de contato entre o ecossistema florestal amazônico e outras formações de vegetação – tipificadas como cerrado, cerradão, savana e assim por diante.

Ocorre que, se por um lado as florestas do Acre estão no caminho do vetor de expansão da criação de boi e do consequente desmatamento que vem de Rondônia e do Mato Grosso, por outro, são as áreas de florestas que garantem a conservação da cabeceira de dois importantes rios tributários da calha direita do rio Amazonas –Juruá e Purus.

Contudo, diante do efeito bordadura, tanto a resistência (a capacidade de o ecossistema florestal suportar o desmatamento) quanto a resiliência (a capacidade de regeneração natural da floresta desmatada) ficam comprometidas.   

Resumindo, além de apresentar indicadores de evapotranspiração e umidade diferenciados – em relação à porção central da massa florestal heterogênea que compõe o bioma Amazônia –, a faixa de bordadura da floresta será sempre a porta de entrada para o desmatamento.

É aí que entra a segunda motivação dos cientistas para acompanhar de perto a destruição das florestas do Acre pelo desmatamento e pelas queimadas.

Estado pioneiro na discussão em torno de uma alternativa à ocupação produtiva baseada na pecuária, o Acre conquistou, a partir de meados da década de 1990, uma marca de sustentabilidade, traduzida na defesa da valorização do patrimônio representado pela biodiversidade florestal.

Além de ser o berço de Chico Mendes, ícone do movimento ambientalista no mundo, foi no Acre que surgiram as primeiras duas unidades de reserva extrativista do país – o que levou à concepção da tecnologia de manejo florestal comunitário como modelo produtivo. Inovações desenvolvidas no Acre e reproduzidas mundo afora.

Não à toa, dividendos eleitorais foram fartamente colhidos por lideranças políticas que apregoavam a sustentabilidade como bandeira.

Sem embargo, nos últimos 10 anos, pelo menos, essa marca foi perdida, diante dos crescentes índices de destruição florestal medidos no estado.

Ou seja, pode-se considerar o triste recorde quebrado agora, em 2020, como corolário do persistente aumento no número de queimadas que vem sendo observado desde 2010.

Basta dizer que, há 3 anos, em 2017, foram computadas 1.350 queimadas no mês de outubro – a maior quantidade já registrada para esse mês desde o início das medições.

Quase 90% das queimadas este ano aconteceram entre agosto e setembro – o que leva a crer que o mês de outubro de 2020 pode ser ainda mais fumacento que o de 2017. Só a chuva poderá evitar novo recorde.      

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

 

 

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre