segunda-feira, 31 de julho de 2017

A revolução do Uber já começou!
* Ecio Rodrigues
No Brasil, a licença concedida aos taxistas – ou, como se define na administração estatal, a permissão para operar o serviço de táxi – foi alçada à condição de bem transmitido por sucessão hereditária, do tipo que passa de pai para filho ou de marido para viúva.
Com efeito, há quatro anos – num arroubo de populismo desvairado, tão característicos destas plagas ao sul do Equador –, o Congresso aprovou e a então presidente sancionou a Lei 12.865/2013, que garantiu que o direito de explorar o serviço de táxi fosse legado aos herdeiros dos beneficiários.
Em outras palavras, a lei transformou um instrumento de permissão num acervo patrimonial, numa espécie de título de nobreza passível de ser hereditariamente transmitido.
Se as transações comerciais envolvendo as licenças de taxistas já eram um absurdo, pelo menos (a despeito de ser correntemente toleradas) eram efetuadas de forma extralegal, ao arrepio da lei. Mas o que dizer quando é o próprio Congresso quem legitima esse tipo de antijuridicidade?
É bem verdade que, muito antes da promulgação da mencionada norma, as cidades, uma após outra – num arroubo de populismo desvairado, tão característico destas plagas ao sul do Equador –, se deitaram a outorgar também aos motoqueiros a permissão para o transporte individual de passageiros.
A anomalia chamada serviço de mototáxi foi institucionalizada, engrossando ainda mais as lamentáveis estatísticas de mortes no trânsito e lotando ainda mais os insuficientes leitos de UTI.
Não é preciso ser nenhum expert em ciências sociais para compreender que esse empenho, por parte dos políticos, em amparar os condutores de táxi (e, agora, também de mototáxi) tem uma razão de ser.
Acontece que aqui no Brasil, entre tantas outras idiossincrasias tipicamente tupiniquins, o taxista foi convertido num ator político e social importante – muitas vezes considerado decisivo no universo eleitoral.
Em todas as eleições, em especial no caso dos pleitos municipais, o apoio da categoria dos taxistas é disputado pelos candidatos. Reza o senso comum que essa classe de trabalhadores autônomos – apesar de não ser muito estimada pela população – exerce influência sobre o voto popular, principalmente quando a disputa se dá em torno dos cargos de vereador e prefeito.
Não à toa, nos municípios brasileiros, inclusive em metrópoles poderosas como Rio de Janeiro e São Paulo, os pontos de táxi, além de ocupar áreas nobres de logradouros e de instalações como aeroportos e rodoviárias, contam com “sedes” e comodidades (como aparelhos de tv) pagas com o dinheiro público.
A presença de fileiras e mais fileiras de táxis e mototáxis ociosos, atravancando espaços públicos, tal como as favelas, é uma cena bastante comum na nossa paisagem urbana.
Mas nada como uma boa dose de inovação tecnológica para transformar o cotidiano e pôr fim aos anacronismos. Com o avanço da comunicação e transmissão remota de dados em rede, e com o advento dos smartphones, uma reinvenção do serviço urbano de transporte individual está em andamento.
Possuindo várias denominações, porém com hegemonia reconhecida da marca Uber, surgiram os aplicativos que unem a demanda dos que precisam de condução pessoal à oferta dos que têm carro próprio e disponibilidade de tempo.
O Uber é uma revolução, e como todas as revoluções, pôs abaixo tudo o que se tinha como convencional no transporte individual de passageiros: desde a forma de pagamento até a suposição de que esse tipo de transporte configuraria serviço público, requisitando licenciamento para ser exercido.
O Uber é uma revolução, e como todas as revoluções, requer a adesão da população, mas prescinde do apoio de políticos e governos.
Agora é só tentar imaginar o fim dos pontos de táxi, num cenário em que nem o taxista tem importância política, nem sua licença tem valor econômico.  
A revolução do Uber está acontecendo no mundo e vai acontecer no Brasil. A sociedade já se posicionou, e isso é o que importa.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 24 de julho de 2017


A revolução da maconha já começou!
* Ecio Rodrigues
Em geral, a liberação do uso medicinal da Cannabis sativa e da Cannabis indica, espécies vegetais que possuem propriedades calmantes e analgésicas, das quais é obtida a maconha, é primeiro passo para chegar-se ao uso recreativo.
Esse caminho vem sendo trilhado pelo Uruguai e, eventualmente – em maior ou menor espaço de tempo –, deve ser seguido pelos demais países latinos.
Mas a revolução da maconha virá, por suposto, dos americanos.
Transformar a produção, o beneficiamento e o consumo da maconha num setor econômico foi o que os americanos fizeram quando duas constatações científicas passaram a ser amplamente reconhecidas pela opinião pública: primeiro, que a maconha tem efeitos terapêuticos; segundo, que os custos da criminalização são absurdos para a sociedade.
Estudos envolvendo a maconha, alguns realizados durante um período de mais de 50 anos, comprovaram as propriedades medicinais da Cannabis.
Por outro lado, os custos para reprimir e penalizar os delitos envolvendo o uso e o tráfico da maconha são extremamente elevados, mesmo para um país da estatura econômica dos Estados Unidos. Quando se trata de economias frágeis, como a do Brasil, os dispêndios são simplesmente proibitivos.
Já houve tempo, é verdade, em que esses gastos até poderiam ser justificados, sob a alegação de que repressão aos usuários de maconha desestimulava delitos mais sérios.
O efeito didático perde todo o sentido, todavia, quando o número de jovens e adultos presos em função do consumo de maconha representa 30% de uma das maiores populações carcerárias do mundo, como no triste caso brasileiro.
Pois transformar em indústria foi a solução encontrada pelos americanos. E já que nenhum povo sabe fazer isso melhor do que eles, é difícil imaginar qualquer possibilidade de retrocesso.
Levando-se em conta as profundas implicações sociais e econômicas decorrentes da grande proporção de empregos gerados e de riqueza produzida, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a indústria da maconha é uma revolução.
E ainda há mais um ingrediente a ser considerado no estudo dessa revolução sem volta. Trata-se das características botânicas da Cannabis.
Acontece que alguns exemplares da flora planetária, em função de suas impressionantes qualidades agronômicas, se tornaram extremamente importantes para a humanidade. O Eucalyptus, p. ex., gênero que compreende mais de 600 espécies, é usado na produção de energia elétrica e mais uma gama infindável de artigos imprescindíveis para o padrão de consumo atual.
Da mesma forma, a partir da soja é fornecida (além de óleo de cozinha e um sem-número de outros produtos) a maior parte da ração que alimenta os animais – que, por sua vez, fornecem a proteína consumida pela raça humana.
Tanto o eucalipto quanto a soja alcançaram esse grau de relevância porque podem ser adaptados a praticamente todas as regiões do globo. A Cannabis faz parte desse seleto grupo de espécies que têm muitas aplicações e são cultivadas em qualquer lugar, por isso se tornam imprescindíveis.
Diga-se que, afora o fato de ser pouco exigente em água e fertilidade do solo, a Cannabis é um arbusto que pode ser cultivado num pequeno jardim, sendo que não exige o domínio de grandes técnicas de jardinagem – e cada indivíduo fornece uma quantidade elevada de princípio ativo, ou seja, de maconha.
Para os países democráticos, vai ser muito difícil evitar a revolução da maconha, mesmo que muitos queimem, com o perdão do trocadilho, uma fortuna de recursos nesse propósito.
A revolução da maconha vai acontecer no século XXI, enquanto por aqui ainda continuamos enrolados com entraves do início do século XX – como reforma agrária e regularização fundiária.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


terça-feira, 11 de julho de 2017

Desmatamento legal zero!
* Ecio Rodrigues
Perante o mundo – vale dizer, a quase totalidade dos países existentes no planeta e que assinaram o Acordo de Paris – os brasileiros se comprometeram a zerar a taxa anual de desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
Dada a dificuldade tupiniquim em fazer cumprir a legislação ambiental, os países receberam com entusiasmo o compromisso brasileiro.
Não é preciso fazer referência à desonra embutida no fato de uma nação soberana, assumindo sua incapacidade, ser forçada a prometer, no âmbito de um acordo internacional, que vai fazer valer sua própria lei em seu próprio território.
Sem embargo, a persistência do desmatamento anual na Amazônia, que apresenta taxas elevadas desde 1988, quando se iniciaram as medições (antes deviam ser até maiores, já que passavam despercebidas) não será resolvida por meio da fiscalização.
Acontece que, em relação ao combate ao desmatamento na Amazônia, a atuação dos gestores públicos se resume basicamente a duas estratégias: priorizar o investimento na fiscalização e aumentar a produtividade das áreas desmatadas.
No primeiro caso, as fragilidades do sistema de fiscalização, em todos os campos, inclusive no tributário (que, como se sabe, tem primazia na aplicação dos recursos públicos), são amplamente comprovadas, já tendo sido objeto de diversos e recorrentes estudos. Na área ambiental, que nunca foi, e nunca será, considerada prioridade, a relação custo-benefício do aparato de fiscalização é muito desfavorável para a sociedade.
Ou seja, gasta-se dinheiro público demais com retorno de menos. É notória a condição de inexequibilidade que caracteriza as autuações com base na Lei de Crimes Ambientais – em que mais de 90% das multas não são arrecadadas, como também já demonstrado por numerosas pesquisas.
Esperar alteração no quadro caótico da fiscalização brasileira na esfera ambiental é um erro absurdo, pois são mais de 40 anos de estabilidade nas estatísticas, com poucos períodos nos quais a fiscalização obteve algum resultado, contudo, sempre muito abaixo dos custos realizados pela sociedade.
Pior que a aposta na fiscalização é a segunda estratégia, que segue o raciocínio de que o produtor precisa de alternativa para não exercer o direito de desmatar, sendo que essa alternativa – pasme-se! – consiste em aumentar a produtividade da área desmatada. Não parece insano?
Aumentar a renda do produtor em cada hectare de área desmatada não evita o desmatamento, pelo contrário; fornecer assistência técnica com profissionais que são peritos em área desmatada não ajuda a floresta, pelo contrário.
Enfim, dobrar de um para duas a quantidade de vacas produzidas em cada hectare de capim plantado terá o efeito de atrair ainda mais o produtor para a atividade, e não de afastá-lo.
Diante da persistência da taxa de desmatamento anual na Amazônia, que se mantém, a despeito de todos os investimentos realizados na fiscalização e no aumento da produtividade das terras desmatadas, parece insensato concluir que esse caminho evitará novos desmatamentos.
Por isso, a discussão deve se voltar para o desmatamento legalizado, e não para o ilegal. Mas salta aos olhos a indiferença dos gestores estatais no que diz respeito à busca de soluções para zerar o desmatamento amparado pela legislação. Esse tema nunca sequer entrou na pauta de discussão, e as razões para isso são impossíveis de se compreender.
A conclusão, no final das contas, é que existe uma dificuldade crônica em aceitar a solução que a ciência encontrou para superar a atração do produtor pelo desmatamento legalizado, qual seja: explorar a biodiversidade e assim ampliar o valor econômico da floresta.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

O desmatamento no Acre e a doação da Noruega para a Amazônia
* Ecio Rodrigues
Nos últimos dias foi noticiado que a Noruega cortou pela metade os recursos doados ao Brasil em 2017 (equivalentes a R$ 200 milhões), sob a justificativa de que o desmatamento da Amazônia aumentou 29% em 2016, em relação ao período anterior.
Como sempre apressada e simplista, a imprensa reportou o desmatamento da Amazônia, uma das maiores e mais importantes formações florestais do planeta, como apenas um graveto a mais na fogueira de queimação do governo, sem a menor preocupação em esclarecer minimamente o assunto.
Parece, inclusive, existir um senso comum, segundo o qual tudo se resume à política, entendendo-se por política a arte de corromper: uma vez que todos são corruptos, o que importa é derrubar quem quer que se encontre na Presidência da República, e o país que se afogue no poço da instabilidade.
Sim, o desmatamento aumentou na Amazônia, pondo em risco o reconhecimento internacional do Brasil. Mas, entre as causas desse aumento, despontam a crise econômica e a instabilidade política promovida pelos que são contrários às reformas e a tudo que possa nos tirar do atoleiro.
Deixando de lado a discussão infrutífera que move a imprensa, cabe uma pitada de informação, então vamos lá.
O Fundo Amazônia, que é gerido pelo BNDES, é abastecido todos os anos por doações de países desenvolvidos, sendo Noruega e Alemanha os principais doadores. Trata-se de doação, já que os recursos financeiros são transferidos a fundo perdido, e não a título de empréstimo ou financiamento. A contrapartida assumida pelo Brasil pode ser sintetizada na obrigação de reduzir o desmatamento na Amazônia.
Abram-se aqui parênteses. Acontece que no Brasil existe o desmatamento legalizado, que é realizado sob os auspícios da legislação. É um grande contrassenso, pois enquanto for permitido por lei, o desmatamento nunca – nunca! – será zerado. Mas como o país não discute nem assume esse desmatamento legalizado, faz uma espécie de “pegadinha” com a cooperação internacional.
Tanto é verdade que no âmbito do Acordo de Paris, o Brasil, ladinamente, se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Ou seja, mesmo que esse compromisso seja honrado, a sociedade terá que conviver com uma taxa anual (e bastante significativa, diga-se) de desmatamento da floresta.  
Talvez esteja aí a razão pela qual não se discute o desmatamento legalizado – tal discussão remeteria à constatação de que, a bem da verdade, nós aceitamos e justificamos o desaparecimento da floresta. Se a questão fosse enfrentada, fatalmente teríamos que responder uma pergunta bastante inconveniente, a saber: que extensão de destruição florestal a sociedade brasileira está disposta a tolerar todos os anos?
Desde 1988 o Brasil mede a área desmatada na Amazônia. A última taxa, essa que apontou o aumento de 29%, abrange o período entre agosto/2015 e julho/2016. A divulgação da taxa de 2017 (cuja medição se encerra em 31 de julho próximo) está prevista para novembro e certamente influenciará futuras decisões dos doadores.
Mas, e o Acre com isso? Bem, os dois estados amazônicos que mais colaboraram para a ampliação do desmatamento em 2016 foram Acre e Amazonas (que ostentaram, respectivamente, 47% e 54% de aumento na destruição florestal).
A responsabilidade pelo desmatamento anual deve ser partilhada entre os governadores dos 9 estados amazônicos – esta é uma condição precípua para mobilizar a sociedade local e pressionar os gestores públicos.
Afinal, não há dúvida científica de que o desmatamento é induzido por políticas públicas que valorizam a criação de boi em detrimento da vocação florestal da região e que são adotadas, em primeiro lugar, por governadores e prefeitos.
Perder o dinheiro da cooperação internacional é um dos efeitos do quadro perverso do desmatamento florestal da Amazônia, há piores.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre