quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Sacolas de papelão deveriam substituir as de plástico
* Ecio Rodrigues
No Sudeste, foi desencadeado um processo - sem volta, por sinal - de substituição das sacolas de plástico nos supermercados. Na verdade, substituição não seria o melhor termo, tendo em vista que não se pôs nada no lugar das execradas sacolas de plástico.
Acontece que os ambientalistas - ou o que se convencionou chamar de Movimento Ambientalista - deflagraram, ainda nos idos da década de 1990, uma ofensiva vigorosa contra o emprego das sacolas plásticas nos supermercados. Os argumentos são mais que fortes, e as estatísticas corroboram o impacto dessas sacolas na composição do lixo não degradável (aquele que permanece por séculos nos lixões) produzido pela sociedade moderna.
Muitos advogam que transformar a singela sacolinha de plástico em vilã da história não passa de hipocrisia, quando no supermercado existem inúmeros produtos que são embalados em plástico ainda na indústria, muitos deles com nada menos que isopor, outro tipo de lixo que não desaparece nunca do ecossistema. Argumento equivocado, contudo, uma vez que retirar as sacolas de circulação é um primeiro passo, e o isopor também terá que ser discutido em algum momento.
Mediante iniciativa do Ministério Público, em São Paulo e no Espírito Santo, apenas para citar dois exemplos, os supermercados foram levados a assinar termos de ajustamento de conduta, com prazos de até 60 dias para abolir de vez o uso da sacola de plástico.
Até aí tudo bem. Se não fosse a atuação do Ministério Público, a medida não iria à prática tão cedo. Mas o problema reside na opção proposta para o consumidor. Muito embora a maioria dos compradores que usam o supermercado concorde com o fim da sacola, não tem cabimento que sejam forçados a pagar por uma embalagem alternativa, ainda que por uma bolsa que possa ser usada de forma permanente.
Há que se atentar, ademais, para o fato de que a bolsa permanente, para que venha a ser usada todas as vezes que o consumidor for ao supermercado, seguramente dará muito trabalho para ser mantida limpa. Para melhorar o efeito insalubre, deverá ser confeccionadas com o mesmo material das sacolas que se pretende abolir: plástico.
Ainda quando confeccionada em lona, essa bolsa não poderá prescindir de um produto químico – forte, diga-se – impermeabilizante, para evitar que os micróbios (como se costumam chamar fungos, bactérias e outros micro-organismos) se incrustem no tecido e saiam contaminando todo produto que entre em contato com a sacola.
Fazer com que o supermercado forneça sacolas de papelão, como por sinal acontece na maioria dos países desenvolvidos, e que compõem a lista das 10 maiores economias do mundo (o Brasil agora é a sexta), não foi cogitado pelo Ministério Público, pelos ambientalistas, e tampouco, claro, pelos próprios estabelecimentos. Mas certamente é o mais sensato a ser feito.
Existe, no confuso ideário nacional da sustentabilidade, um preconceito que parece insuperável com os produtos feitos de papel. Ambientalistas costumam transformar em exemplos de boas práticas a reciclagem de papel, como se o papel fosse tão nocivo como o alumínio ou os produtos oriundos do petróleo, como o plástico.
Papel, papelão e seus congêneres são produzidos a partir de florestas plantadas, compostas de duas espécies principais: eucalipto e pinus, e que possuem a característica fundamental de poder se renovar. Ou seja, são florestas que podem ser replantadas para produzir mais papel e papelão - que, quando descartados, transformam-se em adubo.
Um ciclo de vida - árvore/produto/adubo/árvore - praticamente fechado, como os ambientalistas adoram. Um dos motivos da inexplicável resistência está no emprego do eucalipto, uma árvore, sem razão, detestada por muitos.
A saída está nas sacolas de papelão, que, apesar de negligenciadas, deverão ser impostas pelo próprio mercado. Isso se a mão invisível do frágil capitalismo tupiniquim chegar a funcionar.   

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Fim da Secretaria de Floresta enfraquece política florestal no Acre
* Ecio Rodrigues
Em uma data a ser lembrada, dia 09 de fevereiro último, a política florestal amazônica sofreu um duro retrocesso. Sob argumentos pífios, uma legislação aprovada pelos deputados estaduais do Acre pôs fim à única Secretaria Estadual de Floresta existente no país. Justificou-se que a extinção da SEF iria melhorar a gestão pública. Algo inusitado, quando todos sabem que a administração pública brasileira - federal, estadual e municipal – encontra grandes dificuldades para lidar com noções de eficiência, efetividade e eficácia.
Vale dizer, melhorar-se a gestão não é argumento para uma decisão que é essencialmente política. Da mesma forma que a criação da SEF foi recebida como uma concreta oportunidade para se fortalecer uma economia regional adequada aos ideais de sustentabilidade, a extinção da pasta marca uma guinada perigosa em direção à expansão da agropecuária.
A lamentável iniciativa partiu do mesmo governo (ou da mesma concepção de governo) que havia instituído a inédita Secretaria. Uma incoerência que alvitra, pelo menos, duas reflexões importantes: ou a SEF foi criada por um mero arroubo de entusiasmo, sem que de fato houvesse demanda por uma mudança de referência na precária economia estadual; ou, então, o segmento majoritário das coligações que formam o governo não concorda com o modelo econômico indicado pela existência de uma Secretaria de Floresta.
De qualquer forma, diante das justificativas prestadas, o que transparece é que a medida foi tomada da mesma forma que, outrora, foi criada uma Secretaria Estadual de Extrativismo (que já não existe), ou mesmo a Secretaria de Agropecuária, que se fortalece na própria existência, como tintas que escorrem pelo papel.
Chega a ser paradoxal que uma decisão política de tal monta tenha sido tomada num momento tão pouco propício, e justamente do ponto de vista político. Pois que o tema das Florestas está em evidência no mundo inteiro. Para se ter uma idéia, a ONU – que declarou 2011 como o Ano Internacional das Florestas - tem estimulado as nações a promoverem discussões acerca da necessidade de se instituir uma nova governança florestal.
O que a ONU intenciona é o aprimoramento da governança florestal. Ou seja, para as Nações Unidas, é mandatória a definição de um novo arcabouço institucional, capaz de reger e conduzir o tema das florestas - assunto que adquiriu reconhecimento sem precedentes, desde que se conseguiu comprovar a estreita dependência existente entre água e florestas, bem como a importância das florestas na retirada e imobilização do carbono presente na atmosfera.
Advogam-se, inclusive, mudanças na esfera federal brasileira, suprimindo-se da alçada do Ministério do Meio Ambiente as atribuições atinentes ao tema, já que o órgão tem se mostrado incompetente para gerir tão complexo assunto. O chamado setor florestal brasileiro, responsável por produzir quase 5% do PIB nacional, reivindica com razão a criação de uma pasta específica, o Ministério das Florestas.
Em tal contexto, certamente que se esperava mais do Acre, estado reconhecido por suas contribuições para a realidade econômica e florestal amazônica, detentor de um legado que inclui as Reservas Extrativistas, o Manejo Florestal Comunitário e o Manejo Florestal de Uso Múltiplo. Inovações desenvolvidas no Acre e reproduzidas mundo afora.
A conversão da SEF num departamento de um órgão maior, que vai agregar todos os assuntos que se relacionam à indústria - seja uma fábrica de plástico ou uma usina de borracha -, como se fossem a mesma coisa, evidencia a dimensão que o governo espera fornecer à política estadual de florestas – ou seja, nenhuma.
Ainda há saída. Que as pessoas e organizações que conhecem a realidade florestal no Acre consigam conferir à política florestal o reconhecimento que o governo não está enxergando.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Manejo Florestal Comunitário na Amazônia: existe saída!
* Ecio Rodrigues
Fazer com que as comunidades que vivem no interior da floresta, na Amazônia, tenham acesso ao recurso florestal - para produzir e ganhar dinheiro - pode até parecer algo banal. Afinal, os produtores, como se diz, têm a floresta na biqueira de casa. Mas, não é bem assim. Eles estão na floresta, mas não ganham nada com ela. Solucionar-se esse dilema não é tarefa fácil, e a questão tem envolvido considerável esforço técnico.
Afinal, muito embora a região seja rica em experimentos envolvendo recursos florestais e o seu respectivo manejo por alguma comunidade, nem sempre é possível fazer com que a produção tenha a perenidade necessária para resistir aos inúmeros percalços que surgem no cotidiano da atividade florestal na Amazônia.
Imposições não faltam, e todas, com pouquíssimas exceções, atravancam o manejo florestal praticado pelas comunidades amazônicas. São prescrições relacionadas às exigências normativas, quase sempre exageradas e ineficazes; às implicações de mercado, quase sempre insuperáveis pelas comunidades; aos preceitos ambientais, inalcançáveis e incompreensíveis para a realidade comunitária; e, por fim, às regras trabalhistas, infactíveis e impraticáveis.
O que ocorre, na verdade, é um grande paradoxo: a despeito da existência de um farto ecossistema florestal, com várias oportunidades de negócios; dum mercado que demanda pelos produtos, e duma massa trabalhadora que sabe, por tradição, manejar a floresta para ofertar os produtos que viram negócios, por incrível que pareça, nada acontece.
Com um ingrediente a mais. Na maioria das vezes – ainda que alguns desavisados e poucos afetos à realidade amazônica teimem em discordar disso – não existem problemas tecnológicos insuperáveis, ou de comprometida solução.
Melhor explicando: existe tecnologia disponível, compatível com a realidade das comunidades - em especial no que se refere ao esforço de trabalho e à capacidade de investimentos -, que possibilita a exploração dos recursos da biodiversidade amazônica de acordo com os ideais de sustentabilidade atualmente preconizados.
Mas, se é assim, surge o óbvio questionamento. Por que, então, as comunidades florestais amazônicas apresentam os piores índices de desenvolvimento humano, vivem em situação de permanente exclusão, e não conseguem superar os fatores limitantes de uma produção florestal manejada?
É este o paradoxo. Longe de seguir o caminho do manejo, as comunidades de manejadores florestais costumam adentrar no universo nebuloso - e sem volta - da pecuária extensiva para a criação de boi. Dessa forma, passam a exercer uma atividade para qual não estão preparadas, e cuja prática requer uma escala, sobretudo de terra desmatada, que, em geral, não poderão dispor. Nem hoje, nem num futuro próximo.
Enfim, o produtor amazônida não consegue se inserir ou se manter na atividade florestal, por razões difíceis de ser diagnosticadas - mas que seguramente não dizem respeito à disponibilidade de recurso florestal, de trabalho, de investimento, ou de tecnologia.
Ele é impedido por forças alheias ao tripé da produção preconizado pela economia. Uma mistura inusitada de preconceito (tanto em relação manejador florestal, quanto em relação ao uso da biodiversidade), e de ausência de bom senso – a qual, diga-se, não garante a manutenção das espécies, tampouco possibilita o seu uso econômico, o que, por sua vez, poderia trazer alguma esperança para a conservação da floresta.  
Fomentar-se o Manejo Florestal Comunitário, para a exploração do potencial econômico da biodiversidade, é o melhor caminho; e a Ciência, sobretudo aquela praticada na própria Amazônia, já comprovou isso.  
Uma única certeza: a culpa, diante das dificuldades enfrentadas pela produção florestal comunitária não está da floresta, mas, sim, no que acontece fora dela.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Desertificação ameaça agricultura inca na Bolívia
* Ecio Rodrigues
No território boliviano, uma extensa região, que vai de La Paz até o Norte, em direção à fronteira com o Peru, pode estar ameaçada pela seca; seguramente, está ameaçada pela erosão.
No primeiro caso, as mudanças climáticas e o conseqüente aquecimento global – que, por sua vez, é responsável por uma inevitável crise ecológica já comprovada pela ciência - parecem causar um inusitado impacto no denominado altiplano boliviano: a seca.
Inusitado, porque a região é constituída por uma imensa cadeia de montanhas, que formam a Cordilheira dos Andes, com poucos vales presentes entre uma e outra elevação. Multíplices veios de água escorrem pelas montanhas, irrigando os poucos fundos de vale - que, por isso, apresentam certa fertilidade, mesmo se tratando de solos arenosos e pedregosos, como o são os do altiplano. São esses veios de água que fazem com que o Lago Titicaca apresente a dimensão que possui.
O risco da seca, por sinal, caso venha a se concretizar, reduzirá o volume da água que escoa, comprometendo a majestosa paisagem do Lago Titicaca – provavelmente, o mais expressivo destino turístico boliviano.
Ao se trafegar pela rodovia que vai da capital, La Paz, até a cidade fronteiriça de Copacabana, é possível observar-se o elevado estágio de erosão nas montanhas. Mais que o risco da seca, a erosão é uma realidade visível.
Ocorre que, para ocupar - de maneira permanente e com um contingente considerável de pessoas - uma região com mais de 3 mil metros de altitude, baixa umidade relativa, frio intenso e relevo acidentado, a civilização que formou o chamado Império Inca desenvolveu um primoroso sistema de produção agropecuária. Esse sistema, baseado na construção de terraços nas montanhas, e voltado, sobretudo, para o cultivo de batatas e milho, e para a criação de porcos e cordeiros, até hoje impressiona a engenharia agronômica.
O terraço inca, formado por pequenos espaços – com área inferior a um hectare - cercados por muros de pedra (uma matéria-prima abundante) de 1,5 metros de altura, viabilizava (e ainda viabiliza) a produção agrícola no relevo acidentado, mesmo nas elevações mais íngremes.
Em que pese a pequena escala da produção realizada, isoladamente, em cada terraço, a quantidade de terraços distribuídos por todo o relevo possibilitava alimentar uma população estimada em mais de 500 mil pessoas.
Essa tecnologia inca vem sendo praticada até hoje. Todavia – seja em razão do aumento da escala, ou em vista da introdução da sempre perigosa pecuária bovina, ou ainda, por causa da ausência de vegetação nativa em toda a área -, o fato é que o sistema não consegue evitar o processo erosivo, em franca expansão.
A combinação entre clima, altitude, relevo, e modelo de ocupação                 social-econômica na região inca da Bolívia poderá desencadear um irreversível (ou muito difícil de reverter) processo de desertificação: faltam árvores no altiplano boliviano. A desertificação, por outro lado, no médio prazo, certamente irá comprometer a produção agropecuária e o turismo, as duas principais referências para a economia local.
Continuando na estrada, no sentido La Paz-Cochabamba, e daí até Santa Cruz, manchas de plantios de árvores começam a surgir, contrapondo-se à paisagem da desertificação. São plantios de eucalipto, gênero que possui mais de 600 espécies - alguma delas tinha que ser adequada àquela altitude.
Que o eucalipto pode resolver o problema econômico, auferindo renda superior à da agropecuária, não há dúvida. Mas, será o eucalipto a espécie de árvore mais apropriada para que o altiplano boliviano não se transforme em deserto?
Melhor perguntar aos incas.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre