terça-feira, 31 de julho de 2018



Queimadas no Acre superam média de 20 anos
* Ecio Rodrigues
Pelo terceiro mês consecutivo (maio, junho e julho), o número de focos de calor no Acre superou a média mensal registrada desde 1998 pelo reconhecido Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Pode ser que os órgãos estaduais responsáveis pelo controle das queimadas estejam atentos a essa perigosa realidade, prenunciadora de desastres.  
Mas, pode ser que não.
As estatísticas demonstram um histórico verdadeiramente preocupante, revelador de uma atuação tímida para impor sanções aos pequenos, médios e grandes produtores rurais, em especial aos criadores de boi, no propósito de banir essa nefasta prática agrícola.
Por omissão ou falta de senso de gravidade, a ação governamental nunca assumiu postura decisiva no sentido de, por exemplo, proibir a queima de áreas recém-desmatadas. E desde sempre, a desculpa para a condescendência do poder público é que o produtor assentado precisa queimar para produzir.
  Se já era descabido na década de 1990, esse argumento hoje em dia é absurdo. Por uma razão singela: há pelo menos 10 anos não acontece assentamento rural no Acre; quer dizer, não existe possibilidade de um produtor não conseguir formar um roçado e chegar a passar fome, se não queimar.
Por sinal, a relação entre desmatamento, queimada e fome, repetida tal qual ladainha, principalmente em períodos eleitorais, é enganosa, e leva boa parte da classe média urbana a acreditar que a queimada é um “mal necessário”, inevitável para atenuar a miséria de produtores que, se não atearem o fogo, morrem de fome.
Nada disso faz sentido. Há muito tempo a Embrapa, que possui excelência em produção rural na Amazônia, vem demonstrando que a queimada não é questão de necessidade, mas sim uma opção de investimento do produtor para reduzir custos com a mecanização.
Outra constatação importante para desmistificar a infundada noção do agricultor esfomeado, que emprega a queimada como último recurso para viabilizar sua produção, é bem mais simples do que se imagina. Ocorre que a maior parte das áreas queimadas todos os anos no Acre é constituída por pastos já formados.
Queima-se o pasto para adubar a terra, renovar o capim e, quiçá, aumentar a quantidade de gado que aquela superfície suporta. O produtor, seja de que tamanho for a propriedade, espera ganhar mais dinheiro com a queimada, aumentar os lucros. Ele não precisa queimar, ele queima porque pode – e porque é mais barato.
A se confirmar a hipótese da indiferença governamental, a tragédia será inevitável.
Parece oportuno, então, mesmo correndo o risco de soar deveras repetitivo, um esclarecimento sobre o que consiste, de fato, a tragédia anunciada – na vã tentativa de, quem sabe, atrair o interesse do governo, o da hora e o próximo.
A tragédia decorrente das queimadas diz respeito ao somatório de impactos nocivos ao bioma florestal e às pessoas que nele habitam. Duas consequências de âmbito local e uma de alcance mundial merecem destaque: seca do rio Acre, problemas respiratórios em crianças e aquecimento do planeta.
Não precisa pensar muito, até o mais ardoroso desenvolvimentista haverá de aquiescer que toda prática que aumenta a renda da produção rural, mas causa danos à água, às crianças e ao planeta, traz mais prejuízo que lucro para a sociedade.
A conclusão é óbvia: não há razões para procrastinar, tolerância zero contra as queimadas, já.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 23 de julho de 2018



Japão constrói prédios de madeira, enquanto o gado se alastra no Acre
* Ecio Rodrigues
Poderia ser o contrário, mas não é.
Na região que abriga o bioma onde ocorre a maior quantidade e diversidade de espécies de madeira do mundo, o plantel de gado aumenta todos os anos, a despeito da consequente ampliação do desmatamento.
Enquanto isso, do outro lado do globo, a empresa japonesa Sumitomo Forestry vai construir, em plena Tóquio, uma das superfícies mais valorizadas do planeta, um edifício de 70 andares, todo em madeira (e aço).
O prédio de madeira alcançará 350 metros de altura e será ocupado por lojas, escritórios, hotel e apartamentos residenciais. O projeto prevê ainda a instalação de jardins em todos os 70 andares, inclusive com o plantio de árvores.
A ideia é metamorfosear a tradicional paisagem de concreto armado, característica do espaço urbano de Tóquio, mediante a introdução de um ecossistema vegetal, como forma de atrair para dentro da cidade maior concentração de pássaros e insetos – abelhas, por exemplo, espécie que se encontra ameaçada no mundo.
Com a construção e o funcionamento regular do empreendimento, os japoneses pretendem alavancar o surgimento de inovações num novo campo tecnológico, denominado como “Prédio Verde”.
Mesmo sendo mais caro, uma vez que o custo foi estimado em 600 bilhões de dólares, o que equivale ao dobro do valor de uma construção convencional em concreto, o emprego de madeira em 90% do arranha-céu (outros 10% correspondem a estruturas de sustentação em aço) se justifica pela adequação aos ideais de sustentabilidade.
O término da construção e a consequente inauguração do edifício estão programados para 2041. Significa mais de 20 anos de investimentos por parte de investidores do mercado imobiliário (para nós, é até estranho o negócio não envolver nenhuma empresa estatal). 
Estima-se que os 70 andares consumirão o equivalente a 185 mil metros cúbicos de madeira, número impressionante para a realidade japonesa; entretanto, apenas como simples análise comparativa, diga-se que no Acre, em 2015, foram produzidos 285.313 metros cúbicos de toras de madeira.
Desculpem, mas chegou o momento daquela perguntinha inconveniente. Considerando-se que a vocação produtiva do Acre e da Amazônia reside na exploração de sua diversidade florestal, e que a madeira desponta como a matéria-prima mais valiosa dessa biodiversidade, o que leva o uso da madeira a ser incentivado no Japão e não por aqui?
A resposta é bem mais simples do que se imagina: a política pública.
Ainda em 2010 o Japão aprovou regulamento intitulado “Lei de Promoção do Uso da Madeira em Edifícios Públicos” (em tradução tosca para o português).
Nos termos estabelecidos pela norma, os órgãos públicos devem funcionar em prédios de até 3 andares, construídos integralmente em madeira. É evidente que toda a madeira empregada é originária de árvores plantadas especificamente para emprego na construção civil.
Enquanto isso, na Amazônia em geral, e no Acre em particular, a política pública fornece crédito subsidiado para o cultivo de pasto, compra de matrizes de gado e promoção da atividade pecuária, sem levar em conta o óbvio: tudo isso é causa de desmatamento.
Para resumir, cidades que se ajustam ao Acordo de Paris constroem prédios de madeira, estados indiferentes continuam criando vacas.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 16 de julho de 2018



Privatizar a Petrobras antes do fim do motor a diesel é decisão estratégica
* Ecio Rodrigues
Mesmo para quem desconhece os meandros do mercado mundial de petróleo, parece não haver dúvida que uma petroleira não pode, ou não aguenta!, ser gerida por meio de indicação política.
Sem embargo, os 60 anos de existência da Petrobras demonstram que a indicação política tem sido, por excelência, o procedimento usado para a escalação dos diretores dessa empresa.
Mas não apenas a Petrobras, essa premissa se aplica a todas as estatais brasileiras – sendo incontestável a situação precária de gerenciamento em que foram jogadas, por conta de tal condição.
A solução, obviamente, está na privatização. Caixa Econômica, Banco da Amazônia, Correios, Eletrobras e, claro, Petrobras devem ser privatizadas – só assim será possível estancar a sangria de recursos públicos a que dão causa, inclusive em função dos altíssimos salários e privilégios conferidos a seus diretores.
No caso da Petrobras, a sabotagem levada a efeito pelos caminhoneiros fez eclodir o debate acerca da privatização. Duas razões ajudam a explicar a premência desse debate
A primeira delas é apontada por economistas que se dedicam ao estudo da formação de preços de bens e serviços. Para eles, preço de combustíveis não pode – jamais! – ser definido por decreto.
Esses especialistas vão mais além ao demonstrar que, sendo uma empresa estatal, a Petrobras sofreu aparelhamento e ingerências para baixar o preço do diesel, contrariando as forças do mercado internacional.
No médio prazo, essa distorção causou os brutais prejuízos contabilizados no período entre 2003 a 2015, quando os dirigentes foram nomeados por governos de esquerda.
A segunda razão que torna a Petrobras um caso urgente de privatização diz respeito ao produto que a transformou numa gigante estatal – o petróleo.
Toda empresa que atua na indústria do petróleo, seja de gestão privada ou estatal, é obrigada a tomar decisões estratégicas, especificamente com relação a dois temas cruciais no atual cenário mundial: esgotamento de jazidas e crise ecológica decorrente do impacto de combustíveis fósseis para o aquecimento do planeta.
É verdade, ou um fato: tratando-se de um recurso não renovável na natureza, o petróleo acabará um dia, e esse dia está cada vez mais próximo.
Todos os países produtores e consumidores de petróleo, com maior ou menor determinação, se preparam para o inevitável esgotamento dessa matéria-prima, esforçando-se na busca de uma alternativa energética.
É verdade, ou um fato: o uso de petróleo como combustível vai se reduzir ao mínimo, em função da crise ecológica mundial.
Os 195 países que assinaram o Acordo de Paris em dezembro de 2015 se empenham para mitigar o aumento da temperatura planetária, e têm como foco imediato a substituição dos motores de combustão pelos motores elétricos.
Ou seja, ainda no curto prazo a demanda por gasolina e diesel em veículos, inclusive caminhões, será reduzida de maneira radical – o que levará a uma queda drástica no preço desses combustíveis na bomba.
Como o diesel é mais poluente que a gasolina, as indústrias automobilísticas vêm anunciando, sobretudo na Europa, o encerramento da produção de veículos com esse combustível. Significa que o motor a diesel está com os dias contados.
É verdade, ou um fato: a era do motor elétrico já começou, e o declínio da ultrapassada estatal brasileira do petróleo, também. 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 9 de julho de 2018



Fim da Natex evidencia descaso com política florestal no Acre
* Ecio Rodrigues
Segundo matéria publicada na Folha de São Paulo na última terça-feira, 03 de julho, a fábrica estatal de preservativos masculinos localizada em Xapuri, no Acre, conhecida pela marca Natex, demitiu todos os funcionários e encerrou sua produção.
Duas constatações – lamentáveis, diga-se – chamam a atenção na notícia. A primeira, bem visível, diz respeito ao fato de a empresa ser estatal.
Afinal, quem em pleno século 21 e em sã consciência poderia crer na viabilidade de uma produção conduzida por servidores públicos e gerenciada por gestores indicados por políticos?
Mesmo o mais ortodoxo partido de esquerda e mesmo o mais árduo defensor do “patrimônio nacional” (nesse caso, o látex das seringueiras) hão de reconhecer, decerto, o despropósito de tal empreitada.
Menos chocante, mas ainda surpreendente, a segunda constatação remete à localização em Xapuri – bem distante dos mercados (Rio de Janeiro e São Paulo) que consumiam os 100 milhões de preservativos produzidos todos os anos. 
Um misto de excesso de otimismo e fundamentalismo ideológico pode ajudar a compreender o caminho percorrido pela Natex até o seu fim, depois de alguns anos de funcionamento.
Tendo exigido investimento público superior a 30 milhões de reais, o empreendimento, desde a elaboração do projeto pela fundação estadual de tecnologia (Funtac), em 2003, foi objeto de grande expectativa.
É provável que o principal motivo dessa expectativa residisse na associação entre a Natex e uma reserva extrativista (Chico Mendes). Como se sabe, a reserva extrativista é uma categoria de unidade de conservação voltada para a exploração da biodiversidade florestal, o que inclui tanto madeira quanto borracha.
Não à toa, a justificativa para os elevadíssimos custos com a desapropriação dos mais de 970 mil hectares de terra destinados à Resex Chico Mendes se assentava na produção de borracha levada a efeito pelas mais de 2.000 famílias de seringueiros ali residentes.
Por sua vez, a razão primordial para concluir que a fábrica era a solução para assegurar a conservação de parte considerável da floresta presente na resex firmava-se no fato de que 700 famílias forneceriam o látex para a confecção dos preservativos.
Esse acordo comercial entre a Natex e a resex, de outra banda, garantiria renda permanente em todas as safras anuais de látex para os extrativistas.
Uma renda que, acreditavam os gestores públicos e os ambientalistas, afastaria definitivamente os produtores dos atrativos econômicos representados pela criação de boi e consequente substituição da floresta por capim.
Nada disso aconteceu, embora o discurso do governo se mantenha numa defensiva irritante e, obviamente, desnecessária. Questões operacionais, vinculadas à logística e à disciplina dos seringueiros, levaram a Natex a, gradualmente, passar a comprar o látex de seringais cultivados em fazendas de gado.
A expectativa em relação à Natex também decorreu de sua ligação com a cidade de Xapuri. Ao oferecer vagas de trabalho para mais de 150 operárias, a empresa era uma opção de renda para mulheres com pouca ou nenhuma perspectiva de ocupação laboral no interior do Acre.
Passado o tempo, o otimismo se esvaiu, as expectativas desmoronaram, e até o fundamentalismo ideológico que defendia a estatização da Natex se rendeu à realidade: a lei de privatização foi aprovada pelo governo em 2016.
Infelizmente, a Natex faliu antes de ser privatizada, evidenciando o descaso do governo com a política florestal estadual.
Uma coisa é certa: no Acre, a saída pela floresta vai ter que esperar.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 2 de julho de 2018



ICMBio acorda, segue São Paulo e privatiza gestão em parques nacionais
* Ecio Rodrigues
Acostumado a repetir a ladainha da falta dinheiro, de servidores e de viaturas, o ICMBio, órgão federal criado em 2007 com atribuição para gerir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Snuc, parece que finalmente encontrou uma solução para a sua contumaz inoperância: privatizar o gerenciamento dos serviços nos parques nacionais.
Decerto inspirado pela experiência da administração municipal de São Paulo, que lançou edital anunciando a privatização (ou concessão, ou terceirização, como preferem alguns) de um conjunto de parques municipais, incluindo o Ibirapuera, o ICMBio decidiu privatizar serviços prestados em 7 parques nacionais.
Longe de indicar apelo ideológico em defesa do mercado – e longe de denotar alguma bobagem do tipo “entrega do patrimônio nacional ao capital privado”, como gostam de repetir setores da esquerda populista –, na verdade, a decisão se funda em constatações óbvias e irrefutáveis.
Em primeiro lugar, existe demanda exponencial por visitação em parques nacionais, suscitada primordialmente por um público que aceita pagar pelo direito de acessar, apreciar e passar algum tempo junto a exemplares do ecossistema brasileiro.
Por outro lado, e independentemente da faixa de renda, esse público não quer e não deve se submeter a grandes transtornos e dificuldades para chegar ao parque ou para permanecer e se locomover dentro dele.
Dessa forma, serviços como transporte para deslocamento entre as atrações no interior do parque, alimentação, hospedagem, e ainda passeios de aventura devem ser os primeiros a ser concedidos a particulares.
A enumeração desses serviços remete à terceira e definitiva constatação que justifica a privatização. Ocorre que o turista que visita o parque espera ser atendido sob um mínimo padrão de eficiência.
Todavia, tanto em termos de regularidade – isto é, oferta ininterrupta, ao longo dos meses e anos – quanto em termos de qualidade, os serviços prestados nos parques nacionais se mostraram tarefa impossível para o deficitário gerenciamento estatal.
E não apenas durante os mais de 10 anos de existência do ICMBio – na  verdade, desde sempre, quando as unidades de conservação ainda estavam sob a tutela do Ibama ou da Sema, nunca houve constância ou competência na disponibilização desses serviços.
As estatísticas demonstram que mais de 10 milhões de visitantes frequentam os parques nacionais, e que esse número poderá ser ampliado no curto prazo, mediante o impulso deflagrado pelos novos concessionários.
Além de garantir a conservação do ecossistema, a concessão à iniciativa privada dos parques Pau-brasil (localizado na Bahia), Chapada dos Veadeiros (Goiás), Lençóis Maranhenses (Maranhão), Itatiaia (Rio de Janeiro), Caparaó (Minas Gerais), Jericoacoara (Ceará) e Serra da Bodoquena (Mato Grosso do Sul) vai evidenciar o valor econômico desse patrimônio natural para as cidades.
Diversos estudos dão conta do potencial dos parques para gerar emprego e renda. Estimativa do ICMBio sugere que, durante a concessão, as empresas farão investimentos superiores a 80 milhões de reais, o que aumentará em quase 200 milhões a arrecadação de estados e municípios.
A despeito de ainda haver um pequeno grupo de ambientalistas que hostiliza o governo atual, enquanto sonha com a volta do anterior, uma coisa é certa: a política nacional de meio ambiente obteve ganhos expressivos nos últimos 2 anos.
Pode estar aí, na privatização dos parques, a comprovação definitiva da eficácia da gestão privada na área ambiental. É esperar para ver. 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre