segunda-feira, 25 de março de 2019



Jovens do mundo fazem greve em defesa do Acordo de Paris
* Ecio Rodrigues
Embora desprezada pela imprensa brasileira, a greve de um dia organizada em mais de 100 países, inclusive no Brasil, por adolescentes que faltaram à aula em 15 de março último, no intuito de chamar a atenção para a grande questão do nosso tempo, as mudanças climáticas, representa um raio de esperança em relação ao futuro do planeta.
A iniciativa teve origem na Suécia, quando Greta Thunberg, de 16 anos, filha de uma famosa cantora de ópera, em agosto de 2018 começou a realizar um protesto solitário em frente ao parlamento sueco – sempre às sextas-feiras.
Daí surgiu a hastag #FridaysForFuture, ou Sextas para o Futuro, que rapidamente recebeu adesões mundo afora. Até chegar à greve de 15 de março, quando centenas de estudantes tomaram as praças de cidades pelo planeta, a mobilização em defesa do clima se organizou num coletivo internacional batizado de “Juventude pelo Clima”.
Defendendo uma pauta bastante objetiva, os jovens não se voltam genericamente contra problemas como falta de emprego ou terrorismo nas escolas – o propósito único se resume a reivindicar que os países cumpram o que prometeram perante o Acordo de Paris.
Numa carta aberta divulgada em 7 de março, o movimento declara expressamente sua decepção com as gerações que falharam em solucionar a crise decorrente do aquecimento do planeta, e proclama:
“Nós, os jovens, começamos a nos mobilizar. Nós vamos mudar o destino da humanidade, quer você goste ou não. Unidos vamos nos levantar no dia 15 de março e muitas vezes mais, até vermos a justiça climática. Exigimos que os tomadores de decisão do mundo assumam a responsabilidade e resolvam essa crise ou renunciem.”
Para quem não sabe, o Acordo de Paris decorre do processo de negociação mundial para detalhamento da Convenção do Clima, assinada durante a Rio 92 por 195 países associados ao sistema Nações Unidas, que reconheceram as alterações acarretadas ao clima da Terra pelas atividades humanas que lançam gases de efeito estufa na atmosfera.
A despeito da urgência inerente ao tema, o processo de discussão desencadeado pela ONU, nos últimos 27 anos, se mostrou lento e genérico, tendo sofrido retrocessos preocupantes.
Um primeiro ajuste estipulando metas para a redução das emissões de carbono na atmosfera (leia-se: fumaça) passou a vigorar em 2005, mas sem a participação dos americanos. Intitulado “Protocolo de Quioto”, em homenagem à cidade onde foi celebrado, o instrumento não imputava sanções aos países que não obedecessem ao pactuado.
O relativo fracasso do Protocolo de Quioto levou à aprovação de um novo pacto global pelo clima, assinado em 2015, em Paris – e que é considerado o mais relevante tratado direcionado ao estabelecimento de medidas mitigadoras do aquecimento global.
Ao invés de impor metas de redução de emissões a serem cumpridas pelos países, o Acordo de Paris adotou o sistema de iniciativas nacionais (INDC, na sigla em inglês), pelo qual cada país definiu seus próprios objetivos.
Os brasileiros se comprometeram a zerar o desmatamento ilegal até 2030; ampliar a quantidade de energia elétrica gerada por fontes limpas como hidrelétricas; e recuperar 12 milhões de hectares de mata ciliar e terra degradada.
É aí que entra o coletivo juvenil e a greve das sextas-feiras – para exigir que os signatários do Acordo de Paris concretizem os compromissos assumidos.
A geração que vai sentir os gravíssimos efeitos advindos da crise ecológica, apesar de não a ter causado, começa a tomar voz e exigir seu direito a um futuro sem “medo e devastação”.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 18 de março de 2019



STF decide: Procurador do Município exerce função essencial à Justiça
* Aurisa Paiva/Ecio Rodrigues
Além dos Estados, Distrito Federal e União, a Constituição de 1988 conferiu aos Municípios autonomia para o exercício de governo e administração próprios.
No regime constitucional brasileiro, portanto, a autonomia municipal decorre da própria Constituição Federal – que dispensou aos Municípios igualdade de condições em relação aos demais entes federados.
A bem da verdade, a Constituição fez um resgate da autonomia municipal, componente historicamente ligado à crônica brasileira e instituído já em 1890, logo após a proclamação da República, pelo Decreto nº 510, conhecido como “Constituição Provisória”.
Tendo obtido da Carta de 1988 um grau de autogoverno e um leque de competências e responsabilidades nunca antes alcançados, o Município passou à condição de participante ativo da estrutura federativa.
Todavia, e parafraseando Drummond, havia uma pedra no caminho dessa autonomia constitucional – a indefinição quanto à natureza das funções exercidas pelos procuradores municipais.
Agora, finalmente, a pedra foi removida.
Em sede de Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal aprovou tese de repercussão geral assentando a Carreira de Procurador Municipal como função essencial à Justiça.
As funções essenciais à Justiça são aquelas indispensáveis à administração da Justiça, ou, em outras palavras, as consideradas intrínsecas ao Estado Democrático de Direito.
 Debater a diferença fundamental entre governo e Estado não é tarefa simples – ainda mais numa sociedade que culturalmente costuma debitar na conta do prefeito, do governador ou do presidente a responsabilidade por tudo o que lhe acontece, de bom ou de ruim.
Enquanto o governo é passageiro e sujeito às conveniências peculiares ao exercício rotineiro da política, o Estado é permanente e, exercendo o poder de legislar, tributar e fiscalizar, controla a vida de um povo dentro de um território nacional. Por sua vez, o Estado Democrático de Direito se pauta pela legitimação da ordem constitucional e pela garantia dos direitos fundamentais.
Ao atuar na defesa da municipalidade e do patrimônio público, o procurador é elemento determinante para a consumação das políticas púbicas afetas ao Município, não importando o governo que provisoriamente ocupe o poder na esfera municipal. Como integrante da advocacia pública, o procurador municipal atua em prol da coletividade e, em última análise, na tutela do interesse público.
Todas as capitais brasileiras e os grandes Municípios contam com Procuradorias estruturadas, e a organização da carreira de procurador se mostra como imprescindível ao cumprimento das atribuições constitucionais impostas ao ente municipal, sob a observância dos princípios que regem a Administração Pública, em especial legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.
Não à toa, no âmbito das organizações de controle como os Tribunais de Contas, observa-se uma tendência no sentido de reconhecer a obrigatoriedade da instituição de Procuradoria e de carreira própria da advocacia pública nos Municípios.
De tudo, uma certeza: considerando-se os mais de 5.500 Municípios existentes no país e diante de sua relevância no contexto administrativo e jurídico nacional, o reconhecimento de que o procurador municipal exerce função essencial à Justiça se traduz em passo decisivo para a democracia brasileira.

* Aurisa Paiva é advogada, Procuradora do Município de Rio Branco.
   Ecio Rodrigues é engenheiro florestal.

segunda-feira, 11 de março de 2019



O Carnaval nos tempos do politicamente correto
* Ecio Rodrigues
Seguindo a tendência observada no Oscar, o Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro de 2019 deverá ser lembrado, em especial, pela retórica do politicamente correto.
Das 14 agremiações que passaram pela Marquês de Sapucaí, pelo menos 7 delas, de maneira direta ou indireta, adotaram o tom politicamente correto em seus enredos, e – o mais importante – foram reconhecidas e premiadas por isso.
Por sua vez, a Império Serrano, que homenageou o cantor Gonzaguinha, e a Imperatriz Leopoldinense, que narrou a saga do dinheiro, foram rebaixadas para o chamado Grupo de Acesso.
É certo que nenhuma das duas se destacou ou levantou as arquibancadas; sem embargo, se tivessem emprestado aos seus respectivos temas um matiz mais ideológico, possivelmente teriam escapado do rebaixamento.
De modo inverso, aquelas que optaram por defender as minorias e os oprimidos, denunciar injustiças, celebrar a diversidade – enfim, exteriorizar posições políticas tidas como progressistas – não precisaram se mostrar memoráveis para alcançar uma pontuação acima da média.
Caso emblemático talvez seja o da São Clemente, que, em um desfile mediano, ensaiou uma crítica com relação à elitização do Carnaval no Rio de Janeiro, insinuando que a construção do sambódromo – medida de extrema importância para organizar e estruturar o evento, conferindo segurança, transparência e licitude à realização do espetáculo carnavalesco – teria afastado o povo da festa.
Algo discutível, para dizer o mínimo, mas que saiu tão bem na foto que possibilitou que a escola se mantivesse no Grupo Especial, mesmo que na 12ª colocação.
Outra que não pode reclamar da premiação, a Unidos da Tijuca apresentou a história do trigo e do pão para discutir a desigualdade social e defender o direito dos mais pobres por comida – um tema tão apelativo quanto conveniente a estes tempos, e que lhe assegurou um superestimado sétimo lugar.
Quiçá esteja numa inevitável parcialidade o traço mais inquietante dos excessos cometidos em nome do politicamente correto. Ocorre que esse critério, ainda que de forma subjacente, induz o julgamento e acaba jogando para o segundo plano a análise concernente aos aspectos artísticos, criativos, estilísticos etc.
A Beija-Flor, por exemplo, realizou um excelente desfile, ao enfocar sua própria trajetória. Resgatando seus carnavais mais marcantes, a escola homenageou enredos passados, como o inesquecível "Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia", de 1989, e revisitou alas que fizeram sucesso ao longo dos anos.
Conquanto tenha sido, provavelmente, um dos enredos mais originais do Carnaval de 2019, foi tratado com indiferença – tanto que a agremiação de Nilópolis, que ficou em 1º lugar em 2018, terminou na 11ª colocação, uma das piores de sua história.
De outra banda, a Mangueira não teve nenhum pudor ao levar à avenida uma extravagante dose de populismo e – por que não dizer – também de certo oportunismo. 
Rezando na exaltada cartilha da denúncia social, a Estação Primeira decantou heróis escravos, expôs massacres indígenas, homenageou mulheres vitimizadas e customizou a bandeira brasileira, que foi brandida em verde e rosa e ostentando, no lugar do lema positivista “Ordem e Progresso”, um bordão, digamos, mais engajado – “Índios, Negros e Pobres”.
Resultado: obteve nota 10 em todos os quesitos e se sagrou campeã.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 10 de março de 2019



O Oscar nos tempos do politicamente correto
* Ecio Rodrigues
Pelo jeito, o tom politicamente correto dominou as premiações na cerimônia do Oscar em 2019, realizada domingo último, 24 de fevereiro, na capital mundial do cinema, a festejada Los Angeles.
Ao conferir a “Infiltrado na Klan” o Oscar de roteiro adaptado, pareceu evidente a vontade da academia de compensar Spike Lee, diretor e roteirista, que, como se vê da película, quis fazer uma brincadeira com os filmes ingênuos da década de 1970 protagonizados e realizados por atores e diretores negros.
          Spike Lee não precisa de apresentação, é um ícone do cinema americano. Mas “Infiltrado na Klan”, embora muito elogiado, tem roteiro sofrível, a ponto de ser mesmo difícil de assistir; não chega perto de outros concorrentes, como “A balada de Buster Scruggs”, dos irmãos Joel e Ethan Coen.
Adaptação cinematográfica do livro de contos homônimo, “A balada...” é uma pequena obra-prima, compondo, em seis histórias autônomas, um retrato profundo e pungente do Velho Oeste americano, e cujo roteiro, bem ao estilo Coen, combina situações tocantes, humor negro e diálogos primorosos.
 O prêmio de melhor atriz coadjuvante ficou com Regina King, por sua participação em “Se a rua Beale falasse”. Ainda que se trate de uma atriz reconhecida, e ainda que seu trabalho tenha sido marcante, chama a atenção o fato de Rachel Weisz, indicada por seu desempenho em “A favorita”, ter sido preterida.
Encarnando uma duquesa inglesa do século XVIII que é amante da rainha, ao tempo em que faz as vezes de chefe de governo e trava uma disputa pessoal com uma carreirista disposta a tudo, inclusive a dormir com a monarca, a atriz representou o papel de sua vida. Entregou uma atuação magistral, algo de extrema originalidade, raras vezes presenciado no cinema.
Por fim, o vistoso “Pantera Negra” chegou aonde nenhum filme da Marvel jamais sonhou. Além de ter recebido uma indicação totalmente descabida para melhor filme (perdão, mas até como filme de ação o longa é ruim), “Pantera Negra” levou 3 estatuetas, inclusive por figurino e direção de arte.
Tudo bem, o filme é esteticamente bonito, vibrante, abusa das referências africanas e dos tons contrastantes de vermelho. Contudo, tratando-se da adaptação de uma história em quadrinhos – que por sua vez aborda uma civilização fictícia e futurista –, reproduz um universo já graficamente retratado, não exibindo nada de extraordinário que justificasse ganhar o Oscar naquelas duas categorias.
Ademais, deve haver, decerto, uma distinção entre figurino e fantasia.
O figurino de um filme identifica o período histórico e o ambiente nos quais a trama se desenvolve. Serve como referência para contextualizar a realidade social e econômica descortinada pela obra cinematográfica. O figurinista deve ser original, porém preciso, ao refletir uma época e um lugar por meio da indumentária.
A fantasia, por outro lado, e como bem o sabem os carnavalescos, só presta contas à imaginação: é um traje alegórico, um paramento que, no caso dos personagens de “Pantera Negra”, os caracteriza mitologicamente como deslumbrantes habitantes de Wakanda, o país afrofuturista do universo Marvel.
Sim, alguns filmes não receberam o crédito que mereciam, mas nada se compara à indiferença dispensada ao excepcional “A Favorita”. A produção de Yorgos Lantinos foi, sem dúvida, a maior injustiçada.
Assumindo muitos riscos e contando com todos os ingredientes para vencer o prêmio de melhor filme, “A Favorita” é original, vanguardista, sarcástico, surpreendente e bizarramente belo – além de ter sido quase todo rodado em luz natural, de velas e de lareiras.
Ainda por cima, traz o ponto de vista feminino, apresentando um reino dominado por mulheres poderosas (ou “empoderadas”, para usar um termo em voga, apesar de muito feio), onde os homens exercem função secundária e são estúpidos de doer.
Ao que parece, todavia, as mulheres ainda não integram as minorias favorecidas nesses tempos politicamente corretos do Oscar.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre