segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Grandes expectativas

 * Ecio Rodrigues

A COP 26 (Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) – que terá lugar em Glasgow, Escócia, de 1º a 12 de novembro – acontecerá em meio a esperanças renovadas.

São grandes as expectativas por resultados concretos, e existem razões para tanto. Entre outras, cite-se o fato de ser a primeira COP pós-pandemia e, ademais, de coroar o retorno dos EUA ao Acordo de Paris.

Durante a crise sanitária mundial, no decorrer de 2020, não havia, evidentemente, condições para a realização de eventos, muito menos conferências de cúpula, que reúnem centenas de dirigentes e autoridades por períodos relativamente longos.

Era necessário concentrar todos os esforços e recursos econômicos no propósito de evitar o colapso generalizado do sistema capitalista, inclusive direcionando auxílio financeiro às populações vulneráveis e às empresas mais afetadas com a paralisação da força de trabalho.

Sem embargo, a resposta da humanidade, de forma geral, se mostrou à altura do desafio imposto – tendo sido desencadeada uma corrida pelo desenvolvimento de pesquisas e aprovação de imunizantes, a fim de salvar vidas e controlar os óbitos.

E sem dúvida o papel articulador desempenhado pela ONU e pela OMS foi crucial para mitigar os efeitos de uma pandemia de proporção planetária.

Distinguindo o grau de urgência, que é bem específico para cada uma, a crise ecológica ocasionada pela emissão de carbono e consequente aquecimento global guarda semelhanças com a crise sanitária trazida pela pandemia e, em certa medida, também exige da humanidade resposta rápida e eficaz.

Se, antes, o objetivo de conter as emissões de carbono chegou a ser considerado quase inatingível – em face, por exemplo, da necessidade de alterar a matriz energética dos países para fontes limpas –, hoje as circunstâncias são diferentes.

Assim, depois da extraordinária mobilização no intuito de superar o contexto de pandemia e a imposição de quarentena, a humanidade precisa se unir em torno da economia de baixo carbono – esforçando-se para efetivar imediatamente, ainda no curto prazo, as metas pactuadas no Acordo de Paris e, desse modo, evitar tragédias na dimensão das secas que destroem ecossistemas e ampliam o risco de escassez de alimentos.

Claro que não se trata de algo simples, afinal, é difícil renunciar, mesmo que paulatinamente, aos benefícios e comodidades que a era do petróleo nos proporcionou ao longo do século XX.

Daí a importância da COP 26 e as perspectivas abertas com a realização da conferência.

Diante do retorno da maior economia mundial ao Acordo de Paris, demonstrando forte disposição para construir consensos em torno do denominado “Novo Pacto Verde” (Green New Deal), o clima é de otimismo, e há motivo de sobra para acreditar que o tema das mudanças climáticas alcançará o status de agenda emergencial.

Oxalá a Cop 26 suscite uma corrida entre os países para produzir uma “vacina” que nos imunize contra os combustíveis fósseis.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

ONU alerta: planeta está no limite do aquecimento e o desmatamento da Amazônia tem muita culpa

 * Ecio Rodrigues

Em documento atípico, por conter termos categóricos que mesclam ameaças e alertas, os mais de 3.000 cientistas, incluindo 20 brasileiros, que integram o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) apresentaram o 6º relatório produzido pela organização desde sua criação, em 1988.

Publicado em 8 de agosto último, o pronunciamento do IPCC traz conclusões acerca das evidências indicadas no 1º relatório, divulgado em 1990 – com relação ao aumento de temperatura do planeta e, não menos importante, à participação do Homo sapiens nesse processo.     

As respostas são incisivas e inquietantes. Não há nenhuma dúvida quanto à constatação de que o planeta está esquentando, restando apenas aferir se a elevação da temperatura na Terra será de 10, 1,50 ou 20 até 2050.

A péssima notícia é que, nas 3 simulações empreendidas, ficou demonstrada a ocorrência de tragédias ambientais – que, entre outras implicações, afetarão parte considerável das populações que vivem próximas ao nível do mar, como é o caso dos habitantes da maioria das capitais amazônicas.

A única saída, como defende o IPCC, é atacar as causas do aumento de temperatura, de modo a estabilizar o termômetro. Mas é necessário bem mais empenho do que o despendido hoje para neutralizar os agentes do aquecimento.

E o IPCC foi taxativo quanto ao fato de que a culpa pelo aquecimento é exclusivamente da humanidade.

São as atividades produtivas, levadas a efeito para atender à demanda humana por alimentação, moradia, transporte e vestuário – para ficar apenas nas necessidades mais básicas –, que lançam aos céus uma quantidade de gases impossível de ser assimilada pelo planeta, principalmente CO2 (dióxido de carbono), o gás com maior participação na elevação da temperatura global.       

Os países mais industrializados, quase todos integrantes do Hemisfério Norte, devem encontrar meios de reduzir suas emissões de carbono sem comprometer a capacidade de satisfazer às necessidades das gerações atuais e futuras.

De outra banda, os países do Hemisfério Sul – cujas emissões provêm basicamente do agronegócio – devem realizar sua produção agropecuária sem comprometer áreas de florestas nativas.

É aqui que entra a Amazônia e a responsabilidade dos brasileiros para com o mundo.    

O planeta aquece por conta, sobretudo, de dois fatores: consumo de combustíveis fósseis (especialmente para viabilizar as indústrias); e avanço do agronegócio sobre áreas de florestas. Pela primeira vez, o IPCC dimensionou as duas principais contribuições humanas para as mudanças climáticas.

Ou seja, não adianta levantar questionamentos e suspeições, o desmatamento contribui para o aquecimento do planeta – isso é fato científico.

Dispensável ressaltar que, no que respeita às mudanças climáticas, o IPCC é a mais capacitada, conceituada, influente e representativa autoridade científica do mundo, sendo inquestionáveis suas conclusões.

Não à toa, o rigoroso e abrangente trabalho desenvolvido por esse organismo, que analisa os resultados das pesquisas científicas sobre o clima em âmbito mundial, foi laureado com o Nobel da Paz em 2007.

Em síntese, os renomados cientistas do IPCC advertem e pressionam os países, a fim de que assumam imediatamente medidas de redução da quantidade de carbono produzido – para o bem da humanidade.

Cabe aos brasileiros mostrar ao mundo que a meta de zerar o desmatamento na Amazônia será alcançada – até 2030.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

domingo, 10 de outubro de 2021

Julho de 2021, o mês mais quente da existência humana

 * Ecio Rodrigues

Depois da publicação do 6º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que chocou o mundo com o alerta catastrófico sobre o aquecimento do planeta, outra notícia desagradável: julho de 2021 bateu recorde de calor.

Não foi a primeira vez que julho foi considerado o mês mais quente da história – pelo menos desde que foi possível esse tipo de medição, ainda no início da Revolução Industrial, em 1880.

O recorde anterior ocorreu em 2015, de acordo com os cálculos da Noaa, a agência oceânica e atmosférica americana (para saber mais, acessar http://www.andiroba.org.br/artigos/?post_id=3127).

Divulgado em 13 de agosto último, o registro da Noaa para julho de 2021 reforça a tendência de aquecimento global reiteradamente apontada pelo IPCC – que vem prevendo novos recordes nos próximos anos se medidas de contenção não forem imediatamente adotadas.

De maneira unânime, o que não costuma acontecer no âmbito da ciência, os cientistas recomendam aos países a implementação de ações e projetos com o objetivo de reduzir, no curto prazo, o consumo de combustíveis fósseis (leia-se: petróleo).

Entre os setores intensivos em emissão de dióxido de carbono (considerado o principal gás do aquecimento), os prioritários para a transição para uma matriz limpa são o setor de energia elétrica e o de transporte.

A construção de usinas para a geração de energia hídrica, solar e eólica, bem como a substituição do sistema de combustão (diesel e gasolina) pelo elétrico nos veículos automotores estão no topo da lista dos bancos e fundos de investimentos para o financiamento de projetos.

Inclusive, o Banco Mundial e o Banco Interamericano, os dois mais importantes agentes financeiros que atuam nas Américas, conferiram à geração de energia elétrica limpa e aos motores elétricos o status de assunto emergencial.

Com relação aos sumidouros de carbono (como as florestas são denominadas pelo sistema financeiro), os cientistas da Noaa e do IPCC são veementes na advertência de que é preciso urgentemente ampliar as áreas de floresta e, mais urgente ainda, zerar o desmatamento na Amazônia.

Não à toa, em assembleia-geral realizada no início do ano, a ONU proclamou a década que começa em 2021 como “Década da Restauração de Ecossistemas” – induzindo os países a investir vultosos recursos no plantio de florestas para recuperar, ou restaurar, ecossistemas degradados.

É aqui que surge de forma destacada a meta do desmatamento zero na Amazônia, há muito cobrada pela Europa e, mais recentemente, pelos Estados Unidos.

Não são necessários grandes esforços de análise geopolítica para perceber que o cerco em torno do desmatamento da Amazônia está se fechando, sendo que o mundo já não se dispõe a tolerar a ampliação da taxa anual, como vem ocorrendo desde 2012 (único ano em que foram desmatados menos de 5.000 km2 de florestas).

Quando sucessivos recordes de calor nos levam a suportar, repetidamente, os meses e anos mais quentes de nossas vidas, as consequências são secas, alagações, incêndios, tsunamis e outras tragédias decorrentes das mudanças climáticas.

O cerco está se fechando, e para a Amazônia – tanto em termos ambientais quanto econômicos e sociais – só há uma saída: zerar o desmatamento.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Desmatamento zero é a chave para o desenvolvimento sustentável da Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Não será pela força do mercado ou por graça divina, a contenção do desmatamento que todos os anos se alastra sobre novas áreas de floresta – e, em igual medida, a restauração florestal do que já foi destruído – depende de política pública em esfera federal e estadual.

Política que tem apresentado resultados desanimadores, pois desde que o Inpe iniciou as medições, em 1988, nunca a expansão do desmatamento chegou a ser zerada em nenhum estado, dos 9 localizados na Amazônia, nem por um único ano sequer.

Desnecessário mencionar a cobrança internacional, que a cada dia se acentua, a fim de que o país impeça a devastação florestal na Amazônia.

A verdade é que, com o passar do tempo, a humanidade está se tornando mais consciente quanto à necessidade de valorização e manutenção dos recursos naturais, bem como quanto às implicações ambientais decorrentes de um modelo de crescimento econômico que não leva em conta a resiliência dos ecossistemas.

Não à toa, termos como sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são repetidos nas conferências da ONU, sob uma leitura cada vez mais intransigente em relação a todo e qualquer desmatamento – inclusive e sobretudo o legalizado, vale dizer, o que é realizado, no Brasi, sob o amparo do Código Florestal.

Nesse contexto, mostra-se mais que oportuno situar o processo de construção do ideário do desenvolvimento sustentável, a fim de identificar as interfaces existentes entre esse conceito e o desmatamento na Amazônia.

Ocorre que as ideias antagônicas defendidas pelas duas principais vertentes do ambientalismo – preservacionismo e conservacionismo –, que disputam entre si espaço político na gestão ambiental nacional, expõem visões diferentes tanto em relação à sustentabilidade quanto ao desmatamento zero na Amazônia.

Por exemplo, os partidários do preservacionismo defendem a criação de unidades de conservação do grupo da proteção integral – Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre – como principal elemento para a Amazônia alcançar sustentabilidade por meio do limitado crescimento econômico promovido pela pecuária extensiva.

Em síntese, segundo preconiza essa corrente de pensamento, a proteção integral de determinadas porções de ecossistemas, onde não se permite a presença humana, seria suficiente para neutralizar os impactos ocasionados pela completa substituição da biodiversidade florestal nas demais áreas destinadas à criação extensiva de gado (leia-se: desmatamento legalizado), garantindo-se, dessa maneira, uma suposta manutenção do equilíbrio ecológico.

De outra banda, os adeptos do conservacionismo acreditam na possibilidade de compatibilização do modelo de desenvolvimento com os requisitos da sustentabilidade. Para os conservacionistas, o uso múltiplo e comercial da biodiversidade florestal pode gerar riqueza, desde que esteja inserido dentro do sistema econômico vigente e desde que seja respeitada a resiliência, ou capacidade de suporte, do ecossistema.

Apoiam, nesse sentido, a criação de unidades de conservação inseridas no grupo do uso sustentável – Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural –, como proposta adequada para o crescimento econômico ancorado no uso múltiplo da biodiversidade florestal.

São, por conseguinte, defensores do desmatamento zero – ou seja, pugnam pela erradicação de todo e qualquer desmatamento, seja ilegal ou legalizado, seja efetuado pelo grande ou pelo pequeno produtor –, como princípio elementar para conquista da sustentabilidade ecológica na Amazônia.

Não admitem, por isso, a completa substituição ou o corte raso da biodiversidade florestal, como também não aprovam a existência de áreas onde não seja autorizada a presença humana.

Trata-se, sem dúvida, de uma concepção bem mais complexa e de difícil aceitação do que o ponto de vista defendido pelo preservacionismo – que se baseia, grosso modo, na mera segregação de espaços: enquanto em determinadas áreas pode desmatar tudo, em outras, ninguém entra.

Ao que tudo indica, porém, o desmatamento legalizado admitido pelos preservacionistas está com os dias contados. Os países que assinaram o Acordo de Paris em 2015 não fazem distinção entre o desmatamento legalizado e o ilegal, e são intolerantes quanto a toda forma de desmatamento na Amazônia.

Em âmbito mundial, os preservacionistas estão perdendo a batalha ideológica, o desmatamento zero irá prevalecer. 

Há mais um fator que reforça a defesa do desmatamento zero como elemento central para o desenvolvimento sustentável amazônico. É que perdeu a validade o argumento de que as terras da Amazônia deveriam ser cultivadas para alimentar o mundo.

Argumento reiterado no decorrer da década de 1970 – quando ainda se acreditava que o solo da Amazônia, após a supressão da floresta, teria papel essencial na solução do dilema entre crescimento demográfico x oferta de alimentos –, mas que já foi completamente superado e hoje não passa de um grande despropósito.

Como demonstra a realidade, a revolução verde proporcionou aumento expressivo de produtividade em todo solo agriculturável disponível no planeta, o que solucionou o dilema e afastou a biodiversidade florestal da Amazônia do imbróglio.

Enfim, não existem ganhos de ordem social ou econômica que justifiquem conviver com a destruição florestal na Amazônia e seus efeitos nefastos para o aquecimento do planeta e as consequentes alterações no clima. Não há plano B.     

Zerar o desmatamento legalizado é o primeiro passo para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, tudo depende disso.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre