terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sobre o extrativista inexistente na década de 1970
* Ecio Rodrigues
    Os extrativistas conseguiram vencer todos os ciclos econômicos florestais – das drogas do sertão (século XVI) até o mais recente ciclo econômico da madeira, iniciado no final do século passado – fazendo o inusitado: extraindo produtos da floresta.
    Não obstante, depois que a seringueira foi domesticada nos seringais cultivados da Ásia, o extrativismo chegou a ser considerado uma atividade extinta.
    Esse processo de domesticação, está claro, foi de fato um duro e quase definitivo golpe para a produção oriunda dos seringais nativos amazônicos. Assim, não é de espantar que, na década de 1970 – após uma breve recuperação da atividade em face do esforço produtivo impingido pela Segunda Guerra Mundial –, o fim do extrativismo, como modo de produção, e do produtor extrativista, como ator social de relevância, tenha sido institucionalmente decretado pelo Estado brasileiro.
    À época, o país passava por seu Milagre Econômico. Diante de elevados índices de crescimento, a expansão da economia e da ocupação do território era questão de primazia para o Governo Militar. A organização da infraestrutura para a ocupação produtiva e social da Amazônia foi intensificada, sob altas taxas de investimento público, que não se repetiriam no decorrer da história econômica da região.
    A prioridade, como não poderia ser diferente, era a pavimentação das rodovias principais (como a BR 230, conhecida por Transamazônica), a fim de que houvesse condições de escoamento de uma intensa produção agropecuária, proporcional ao que se pretendia da região que seria o celeiro do mundo.
    Esperava-se que, por meio da expansão da fronteira agropecuária, sobretudo do investimento na criação de gado, fosse possível garantir uma ocupação produtiva permanente na Amazônia, afastando-se o fantasma da “cobiça internacional”, e assentando a região nos trilhos do progresso, mediante seu ingresso definitivo no sistema econômico nacional.
    Evidentemente, o extrativismo não estava inserido nessa estratégia de ocupação. Primeiro, em face da quase inexistência dos produtos extrativos nas estatísticas oficiais; segundo, porque o modo extrativista de produção não promovia a tão esperada sedentarização do processo produtivo e da economia, na forma como se projetava em relação à pecuária.
    Ocorre que os planejadores da ocupação do território nacional, que se debruçaram para entender a ocupação produtiva da Amazônia e estabelecer estratégias para a sua consolidação no curto prazo, acreditavam que o extrativismo era coisa do passado, e que o produtor extrativista teria abandonado a região, num refluxo migratório de volta ao Nordeste do país. Amparavam essas constatações no fato inquestionável de que o mercado de borracha apresentava tendência permanente de queda.
    Era natural associar a presença do extrativista à produção de borracha, uma vez que a demografia no interior da floresta fora reduzida de forma expressiva, depois do agravamento da crise no mercado gomífero. Os poucos órgãos estatais que se aventuravam entrar na floresta para a prestação de algum serviço relatavam a presença de um número cada vez menor de produtores que seguiam extraindo látex.
    O fato é que, ao delinear a ocupação de toda a Amazônia, apoiando-se em mapas e imagens de satélites ou de radar, em escalas superiores a 1:1.000.000, os planejadores simplesmente ignoraram a presença do extrativista na floresta.
    Todavia, uma quantidade considerável de famílias continuava a extrair algum tipo de produto florestal, e a realizar sua comercialização por meio de um sistema de regatões, de marreteiros, e mesmo de alguns “patrões” que ainda persistiam.
    Foi essa comercialização que garantiu a manutenção do extrativismo e, por conseguinte, a permanência da floresta.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mais calor e menos chuva na Amazônia. Será o caos?
* Ecio Rodrigues
Fotografia de Alana Chocorosqui Fernandes (Click para ampliar)
No Brasil, os que gostam de desacreditar as pesquisas científicas costumam obter seus quinze minutos de fama ao contestar os resultados apresentados pelos cientistas que se dedicam ao estudo sobre o aquecimento global e as consequentes mudanças no clima.
Na verdade, o expediente de pôr em xeque as informações divulgadas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) tem sido corriqueiro nesse país que cultua a desconfiança: não à toa, a propalada existência de espiões e biopiratas impregna o imaginário popular de maneira persistente e equívoca.
O IPCC, como se sabe, é formado por mais de 3.000 cientistas, que receberam mandato da ONU para estudar as mudanças climáticas e publicar relatórios periódicos, cujo conteúdo chama a atenção dos países para a existência de um processo de aquecimento do planeta, causado pelas atividades produtivas vigentes e que sustentam os atuais níveis de consumo da humanidade.
Pois bem. A despeito das credenciais ostentadas pelo IPCC, vez ou outra alguém ganha espaço na mídia nacional rebatendo os resultados apresentados por esses cientistas e garantindo que o mundo – incluindo-se o Brasil, obviamente – estaria sujeito a um processo de resfriamento, e não de aquecimento.
Portanto, não haveria mudança no clima, nem tampouco perspectiva de catástrofes, e todas os eventos climáticos que vêm ocorrendo não passariam de uma transformação natural e previsível na história da existência do planeta.
Não raro, para esses arautos da desconfiança, as conclusões do IPCC seriam tendenciosas, uma vez que procedem de estudos levados a cabo por estrangeiros. Vale dizer, como se trata de informações suscitadas por cientistas a serviço de potências com interesses escusos em relação ao Brasil, não mereceriam crédito.
Todavia, diante da publicação, em 09 de setembro último, do relatório produzido pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – formado, diga-se de passagem, exclusivamente por cientistas brasileiros – esse argumento já não pode ser levantado.
O Painel nacional foi instituído pelo governo brasileiro em 2009, com a missão de rever, analisar e aplicar as metodologias empregadas pelo IPPC e que resultaram no diagnóstico de um processo permanente e inexorável de aquecimento global. Depois de três anos de pesquisas, os cientistas brasileiros concluíram que sim, o aquecimento global é uma realidade científica também no Brasil.
Para a Amazônia, o cenário é, no mínimo, estarrecedor. Os cientistas brasileiros preveem, até 2040, diminuição de 10% no volume de chuvas, além de aumento na temperatura, estimado entre 1 e 1,5º C.
O quadro se agrava de 2041 a 2070, estando prevista redução de 25% a 30% nas chuvas e ampliação da temperatura entre 3 e 3,5°C. De 2071 a 2100, a situação será ainda pior: redução de 40% a 45% nas chuvas e temperatura mais alta entre 5 e 6°C.
Também foi objeto de análise pelo Painel brasileiro as implicações do aquecimento global sobre as atividades produtivas exercidas no país. E, embora os produtores envolvidos com o agronegócio não acreditem nas tais mudanças climáticas, essa atividade, seguramente, será a mais afetada.
O fato é que as principais consequências do aquecimento global são aumento da temperatura e redução da quantidade de chuvas. Ora, considerando-se que a oferta de água e o equilíbrio na temperatura são fatores cruciais para o sucesso do agronegócio, os descrentes, em algum momento, terão que reavaliar suas posições.
Não há dúvida científica: se o país não zerar o desmatamento, a crise ecológica será inevitável. Simplesmente, já não há mais tempo para desconfianças.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).



Livro Ciliar Só Rio Acre

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