segunda-feira, 25 de novembro de 2019



Maior tragédia ambiental do país, desmatamento dispara na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Desnecessário mencionar que a redução do desmatamento na Amazônia, longe de reclamar ações baseadas em fundamentalismo ideológico, exige empenho para compreender as motivações que levam o produtor rural a investir nessa nefasta prática todos os anos.
Ao constatar um aumento de 29,50% na taxa de desmatamento da Amazônia, no período que vai de 01/08/2018 a 31/07/2019, o reconhecido Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial) confirmou a acentuada tendência de elevação prevista pelos cientistas.
Sem temer as já habituais represálias por parte do próprio governo que integra, o Inpe deixou claro que a destruição da floresta amazônica em 2019 representa recorde em valores absolutos para os últimos 10 anos.
Desde 2008 não acontecia desmatamento superior a 8.000 Km2. À época, todavia, observava-se uma tendência animadora de redução, que vinha desde 2005, tendo possibilitado, inclusive, o festejado patamar de menos de 5.000 Km2 desmatados em 2012.
A alegria durou pouco: o feito daquele ano jamais se repetiria e, pelo contrário, a destruição da floresta amazônica continuou a aumentar quase que continuamente, até disparar agora, em 2019.
Um total de 9.762 Km2 de florestas foi suprimido pelo corte raso, do tipo que não permite regeneração natural durante pelo menos 80 anos – aproximando a região do “ponto de não retorno” para a condição anterior de floresta tropical.
Para explicar melhor. O ponto de não retorno será alcançado quando a proporção de área desmatada atingir, de acordo com os cientistas, cerca de 30% da extensão territorial originalmente coberta pelo bioma Amazônia.
A partir desse ponto, a transformação da floresta em savana será inevitável. Ou seja, a maior floresta tropical do mundo seria convertida num bioma similar à savana, com perdas inestimáveis em biodiversidade e, o mais alarmante, em produção de água.
Em 1995, foram destruídos 29.059 Km2 de florestas, a maior taxa de desmatamento na Amazônia desde 1988, ano em que tiveram início as medições.
Um novo recorde aconteceu em 2004, quando o desmatamento atingiu uma área total de 27.722 Km2.
Não por acaso, os picos de desmatamento coincidem com os ciclos de aquecimento da economia e elevação do PIB. Quem comparar gráficos espelhando as flutuações das taxas de desmatamento e as variações do PIB, a partir da década de 1990, notará com certa facilidade que em alguns momentos há estreita correlação.
No atual cenário econômico, quando o país vem logrando superar, desde 2017, sua pior recessão em 100 anos, sendo que os economistas dão por certo um crescimento do PIB superior a 2% em 2020, a dinâmica do desmatamento é mais que preocupante.
A se confirmar a tendência de elevação da taxa para o período posterior a 2012, uma vez que houve elevação em 2013, 2015, 2016, 2018, até o recorde atual de 2019, o caminho em direção à catástrofe representada pelo ponto de não retorno estará trilhado – agravando-se o quadro já existente de alteração no regime de chuvas e ocorrência de secas e alagações.
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Medidas de contenção devem ser adotadas pelo governo, imediatamente.
Afinal, e ainda que poucos se deem conta, o desmatamento da Amazônia é a maior tragédia ambiental do país.   

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019



Adeus, senhor ditador
* Ecio Rodrigues
Para Carlos Matus, economista chileno e autor de farta literatura sobre organização e gestão do Estado, a falta de planejamento é fator determinante para o fracasso de um mandato governamental.
No célebre livro “Adiós, señor presidente”, publicado originalmente em 1987, Matus usa uma alegoria para explicar o método PES (Planejamento Estratégico Situacional), por ele desenvolvido: a melancólica despedida de um presidente que termina seu mandato sem realizações ou legados, deixando o país pior do que encontrou.
No caso da Bolívia, todavia, o êxito de três mandatos presidenciais consecutivos não impediu a derrocada constrangedora de Evo Morales.
Durante o Governo Evo, o PIB boliviano cresceu mais de 4% ao ano, bem acima da média da América Latina para o período (e ainda mais acima da média brasileira).
Também houve considerável redução da miséria, sendo que, hoje, o contingente populacional em situação de pobreza naquele país corresponde à metade do que existia no final da década passada. Da mesma maneira, o Coeficiente de Gini (que mede desigualdade de renda) caiu de 0,60 para 0,47.
Incomuns na realidade boliviana, essas auspiciosas estatísticas são robustas o suficiente para tornar qualquer governante um fenômeno em termos de respeito e popularidade. Mas não foi bem isso o que aconteceu.
Demonstrando incapacidade para governar em ambiente democrático, o presidente boliviano deixou de colher os dividendos políticos trazidos pelos excelentes indicadores econômicos, em razão de recorrentes agressões às instituições e completo desrespeito aos mecanismos que garantem a alternância de poder – princípio, como se sabe, fundamental numa democracia.
A tendência ao autoritarismo e ao despotismo se manifestou já em 2006, logo no início de um governo que duraria 14 anos, quando Morales começou a prender os que ousavam se contrapor às suas medidas, obrigando opositores a fugir do país.
Impondo um nacionalismo tosco, que justificou a invasão e estatização de multinacionais petroleiras, e escudado pelo MAS (Movimento ao Socialismo), Evo Morales levou os bolivianos a se unir à Venezuela e Cuba, países que ocupam posições bem inferiores em qualquer ranqueamento democrático.
Cumpre dizer, contudo, que a despeito desse alinhamento do Governo Morales com o espectro ideológico da esquerda, para analistas econômicos o crescimento da Bolívia nesse período se deve ao aumento do valor do gás e petróleo no mercado internacional e, além disso, à observância de preceitos econômicos ditados pelo liberalismo, tais como abertura da economia para o capital internacional.
O bem-sucedido presidente evidenciou seu apego ao poder ao concorrer e vencer o pleito de 2014 para o terceiro mandato, sob a duvidosa alegação de que o primeiro fora anterior à regra constitucional que veda mais de uma reeleição aos governantes (que ele mesmo fizera aprovar pelo parlamento em 2009).
Posteriormente, o desejo de se perpetuar no comando do país restou patente quando convocou (e perdeu) um referendo popular em 2016, com o propósito de consultar a população sobre a possibilidade de se reeleger indefinidamente.
E a comprovação final de que o presidente não estava disposto a, como se diz, largar o osso veio com as eleições de 2019 – ocasião em que passou por cima do referendo e novamente se candidatou, buscando o quarto mandato.
A candidatura de Morales foi autorizada pelo Tribunal Constitucional, colegiado cuja imparcialidade é contestada pela oposição e que, ao julgar ação proposta por uma senadora do MAS, inovou bastante, digamos assim, ao acolher a tese de que o limite de dois mandatos presidenciais configura "violação aos direitos humanos".
Não bastasse toda a controvérsia em torno do quarto mandato presidencial, uma desconfiança generalizada pairou sobre os procedimentos de escrutínio, que foram injustificadamente interrompidos e apresentaram resultados pra lá de questionáveis, conferindo a vitória a Evo em 1º turno.
Foi a pá de cal para a deflagração de violentos atos de protesto por todo o país.
O relatório produzido pelos observadores da OEA (Organização dos Estados Americanos) não aliviou para o lado do governo, considerando o processo eleitoral contaminado, recomendando a realização de nova votação e a substituição das autoridades eleitorais.
Era tarde, entretanto, e a situação de Morales se tornou insustentável. Numa demonstração de covardia e desprezo pelas instituições e pelo país, Evo e seu séquito renunciaram, deixando o povo boliviano por sua própria conta.
O sucesso do presidente não evitou o adeus ao ditador.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
                                                            

terça-feira, 12 de novembro de 2019



A COP 25 e os estúpidos
* Ecio Rodrigues
Logo depois que saiu o resultado das eleições de 2018 aqui no Brasil, o movimento ambientalista foi surpreendido por duas decisões descabidas do governo recém-eleito: extinguir o Ministério do Meio Ambiente, MMA, e não permitir que o país sediasse a conferência da ONU para o clima.
Da primeira houve recuo, e o MMA continuou a existir. Decidir e recuar, aliás, acabou por se tornar uma espécie de “modus operandi” dos novos gestores, a despeito de refletir incompetência e instabilidade.
Mas a segunda decisão foi mantida – e o Brasil, lamentavelmente, perdeu a chance de recepcionar a 25ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, ou COP 25.
As conferências das partes são relevantes eventos vinculados às convenções-quadro da ONU pactuadas durante a Rio 92.
No caso da Convenção do Clima, essas conferências vêm ocorrendo anualmente desde 1995, sendo que no decorrer da COP 21 (2015) foi assinado o Acordo de Paris, o mais importante pacto mundial destinado a conter os efeitos do aquecimento global.
A partir daí, os países vêm negociando, nas COPs, ações de curto prazo para alcançar as metas estipuladas no Acordo de Paris e livrar o planeta da ameaça representada pelo degelo dos polos e consequente aumento do nível dos mares.
Seja na geração da energia elétrica que chega às empresas e residências, seja na produção do combustível que abastece os veículos que transportam cargas e indivíduos, o mundo caminha para substituir o petróleo e o carvão mineral, as principais matérias-primas responsáveis pela crise ecológica que assola a humanidade.
O Governo Temer fez um louvável esforço para trazer ao país a COP 25 – no intuito de reforçar o posicionamento do Brasil como referência internacional para assuntos de meio ambiente.
Desnecessário aludir à importância e às repercussões positivas dessa estratégia para a imagem do país e para transmitir confiabilidade e segurança jurídica na atração de investimentos, sobretudo em setores considerados prioritários para a futura economia de baixo carbono.
Uma estratégia, diga-se, que vem de longa data. Teve início com a decisão, por óbvio acertada, de sediar a Rio 92, mesmo diante das incertezas políticas trazidas pela eleição do primeiro presidente civil em mais de 20 anos.
Depois do divisor de águas que significou a Rio 92, o Brasil se manteve no cerne das negociações que vêm sendo travadas no âmbito de um processo de transição em direção ao emprego de fontes de energia renovável.
O país recebeu, com sucesso reconhecido, diversos eventos voltados para monitorar os avanços decorrentes das 3 principais convenções assinadas em 1992: Mudança do Clima; Biodiversidade; e Agenda 21.
Como poucas vezes se viu na história da diplomacia nacional, a busca pela consolidação da posição brasileira em relação às discussões sobre meio ambiente e desenvolvimento não deixou de ser prioridade para o Itamaraty, transformando-se em projeto de Estado e superando as ambições de governantes e partidos que ocuparam o Palácio do Planalto nos últimos 30 anos.
Mas tudo mudou agora, em 2019, quando a estupidez dos dirigentes ambientais chegou ao ponto, inclusive, de negar o aquecimento do planeta.
Ou seja, meia dúzia de gestores públicos despreparados para os cargos que ocupam insistem em negligenciar uma verdade científica sustentada por mais de 3.000 pesquisadores oriundos de todas as partes do mundo, reunidos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) – que são categóricos quanto à urgência reclamada para a redução do consumo de petróleo e dos desmatamentos na Amazônia.
Pior ainda, no auge da insensatez, preferem romper um importante ciclo na atuação geopolítica e estratégica do Brasil. Um retrocesso perigoso, que vai levar muitos anos e custar muito dinheiro para ser recuperado.
Com a desistência do governo brasileiro, a COP 25 correu o risco de não acontecer em 2019. Para alívio mundial, todavia, os espanhóis se apresentaram para receber a conferência, que será realizada em Madri a partir de 02 de dezembro próximo.
E uma coisa é certa: ao invés de protagonistas altivos, seremos coadjuvantes envergonhados. 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





segunda-feira, 4 de novembro de 2019



Trigo que consumimos foi melhorado por 8.000 anos
* Ecio Rodrigues
Vez ou outra jornalistas desinformados gritam contra decisões da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) que autorizam a pesquisa sobre organismos geneticamente modificados (OGM) – muitas vezes chamados, sob um tanto de equivoco e preconceito, de transgênicos.
Aos pouco familiarizados, a CTNBio foi criada pela Lei 11.105/2005, é  subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e tem a missão de assessorar a execução da Política Nacional de Biossegurança para assuntos relacionados a OGM.
Existe desinformação de sobra sobre melhoramento genético e OGM, sendo que o primeiro é praticado pela humanidade desde sua sedentarização, enquanto o segundo ganhou expressão no final do século passado e é considerado uma crucial inovação tecnológica para o primeiro.
Todo o trigo hoje consumido no mundo passou por longo processo de melhoramento genético. Significa dizer que, ao saborearmos o nosso tão tradicional pãozinho francês no café da manhã, estamos ingerindo um trigo bem diferente daquele que alimentava os nossos antepassados.
No instigante livro “Uma breve história do mundo”, o professor Geoffrey Blainey, da Universidade de Harvard, descreve como, há 8.000 anos, teve início esse processo de melhoramento:
Na Síria e na Palestina, logo após os mares terem chegado a seu novo nível, uma pequena revolução parecia estar começando [...] O vilarejo de Jericó era a vitrine da revolução por volta de 8.000 a.C. Consistia de pequenas casas de tijolos de barro, lá cultivando trigo e cevada em minúsculos pedaços de terra. Esses cereais, que originalmente cresciam a ermo, foram selecionados para cultivo porque seus grãos eram grandes em comparação aos outros cereais silvestres e um grão maior era mais fácil de colher e de moer, sendo transformado em farinha integral rudimentar.      
Fácil depreender que a seleção, pelo homem, das sementes que naturalmente cresciam em ambiente nativo, para cultivo próximo às moradias, obedecia a alguns critérios. Dava-se preferência às sementes maiores, mais macias, mais resistentes às pragas. Essas sementes, por sua vez, foram sendo replantadas e, com o passar dos séculos, melhoradas, sempre que alguma particularidade genética chamava a atenção por ser considerada valiosa para a humanidade.
Para o autor, a domesticação das espécies vegetais originou a primeira Revolução Verde, que foi seguida pela domesticação dos animais. E tanto o cultivo de cerais quanto a criação de ovelhas exigiram observação e seleção dos espécimes que apresentavam os atributos de interesse dos produtores.
No período posterior à Segunda Guerra, diante da iminência de uma epidemia de fome em escala mundial, os países investiram para aumentar a produtividade agrícola. Surgia a segunda Revolução Verde, baseada em mecanização intensiva, uso de adubo químico e sementes geneticamente modificadas.
A mecanização e a adubação possibilitaram imediato aumento da produção de alimentos. Num segundo momento, a produtividade, medida em toneladas de alimentos por hectare de solo, foi ampliada por meio do emprego de sementes geneticamente modificadas, ou OGM.
Em comparação com as sementes melhoradas durante mais de 8.000 anos, a tecnologia empregada no OGM tem a vantagem de requerer pouco tempo para fornecer à semente uma nova característica importante.
Essa tecnologia recombina o DNA de uma mesma espécie – ou seja, não usa cromossomos de espécies diferentes, por isso não é transgênica. Trata-se de encurtar o tempo para um melhoramento genético que acontece desde que o Homo sapiens deixou de ser nômade, se sedentarizou e dominou o planeta.
Há pressa para ampliar a produtividade agropecuária com OGM? A taxa anual e persistente de desmatamento da Amazônia nos força a acreditar que sim.      
    
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre