segunda-feira, 26 de julho de 2021

Planaveg e a Década da Restauração de Ecossistemas

 * Ecio Rodrigues

A ONU proclamou a década que começa em 2021 como “Década da Restauração de Ecossistemas”. O objetivo é frear a degradação e até 2030 restaurar um bilhão de hectares de ecossistemas nativos em todo o mundo.

Embora ambiciosa, a meta é bastante factível.  

Acontece que os projetos de restauração de ecossistemas em geral – e da biodiversidade florestal, em particular – por sua própria natureza, promovem a distribuição de renda e estimulam a economia local.

Para explicar melhor, cite-se, a título de exemplo, um município do Acre – Porto Valter, digamos, onde a economia não avança desde sempre, restringindo-se a uma produção agrícola sem condição logística de expansão, nem hoje nem no futuro.

Agora, vamos supor que a criação extensiva de gado, predominante na região, tenha deixado um rastro de destruição de mais de 1.000 hectares de florestas, o que é mais do que plausível.

O projeto de restauração florestal vai envolver o mesmo tipo de trabalho rural exigido na agricultura para procedimentos como preparação do solo, coleta de sementes, produção de mudas, plantio, cercamento e replantio anual.

Ou seja, no fim das contas, a dinâmica econômica criada e mantida pelo projeto de restauração oferece opção de emprego e renda para trabalhadores experimentados basicamente nessas mesmas atividades rurais.

Por outro lado, é inconteste que negociações internacionais requerem consenso e produzem acordos que, uma vez aprovados pelos países, devem ser rigorosamente obedecidos.

Assim, os governos nacionais – pouco importando se foram eleitos antes ou depois da oficialização do ajuste – são compelidos a cumprir as obrigações convencionadas, sob pena de pôr em risco a reputação internacional do país e sua credibilidade para celebrar tratados e contratos comerciais demandados pela sociedade.

É aí que entra o Acordo de Paris, pacto assinado em 2015, em cujo âmbito o Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas especiais, como é o caso da mata ciliar.

Para alcançar essa ousada cifra, o país definiu uma base legal, de modo a fornecer segurança jurídica aos investimentos em restauração florestal na Amazônia.

Como se sabe, o Código Florestal estabelece a largura mínima da faixa de vegetação a ser mantida ao longo dos rios, igarapés e nascentes, e estipula as regras para a restauração da mata ciliar – na qual só podem ser empregadas árvores nativas e endêmicas da própria mata ciliar.

As disposições do código concernentes à matéria foram regulamentadas pelo Decreto 8.972/2017, que, por sua vez, introduziu a Proveg (Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa).

A Proveg fomenta a instalação de empreendimentos destinados à produção de sementes, mudas etc., e que devem surgir em decorrência da execução dos planos estaduais de restauração florestal.

Esses planos estaduais integrarão o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, ou Planaveg, e poderão acessar os recursos financeiros a serem disponibilizados pela política.

Enfim, além de se direcionar ao crucial escopo de estancar a expansão da pecuária extensiva sobre as áreas de florestas – em especial diante da preocupante tendência de elevação da taxa de desmatamento que vem se evidenciando desde 2013 –, a Década da ONU de Restauração de Ecossistemas também configura poderoso instrumento para impulsionar a economia de baixo carbono na Amazônia.  

Dessa forma, o momento é mais que oportuno para o Serviço Florestal Brasileiro, valendo-se de sua equipe técnica e com o apoio da diplomacia brasileira, buscar, junto à cooperação internacional, os recursos necessários para consumar a restauração florestal na região.

Como dizemos os que se preocupam com o futuro da Amazônia, é chegada a hora da floresta comer pasto!

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 20 de julho de 2021

“Década da Restauração de Ecossistemas” (2021-2030) é proclamada pela ONU

 * Ecio Rodrigues

Ao proclamar a década que se inicia em 2021 como “Década da Restauração de Ecossistemas”, a ONU confere prioridade e, por conseguinte, dá visibilidade a um dos mais graves desequilíbrios ambientais causados pelo homem em âmbito planetário, a destruição dos ecossistemas – problema que alcançou um nível tal que pode comprometer a produção de alimentos e, o que é ainda mais preocupante, a oferta de água potável.

Essa foi a conclusão – um tanto óbvia, por sinal – a que chegou relatório publicado em junho último pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), em conjunto com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).

Conforme indicam os dados científicos apresentados no relatório Pnuma/FAO, a humanidade, hoje, explora ou consome 60% a mais dos recursos ecossistêmicos disponíveis na Terra, em especial os relacionados a água, ar e biodiversidade.

Essa sobre-exploração compromete drasticamente a regeneração dos ecossistemas, sendo sua recuperação medida de máxima urgência. Contudo, trata-se de empreitada hercúlea, que exige esforços políticos mundiais e expressivo aporte financeiro.

Para a ONU, as ações devem contemplar duas frentes, a saber, contenção da degradação atual e restauração do que já foi destruído – entendendo-se esta última como:

(...) o processo de interromper e reverter a degradação, resultando em ar e água mais limpos, mitigação de condições climáticas extremas, melhor saúde humana e biodiversidade recuperada, incluindo melhor polinização de plantas. A restauração abrange um amplo continuum de práticas, desde o reflorestamento até a reumidificação de turfeiras e a reabilitação de corais. Ela contribui para o alcance de vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluindo saúde, água limpa e paz e segurança, e para os objetivos das três "Convenções do Rio" sobre Clima, Biodiversidade e Desertificação.

No caso dos ecossistemas terrestres como o constituído pela biodiversidade florestal da Amazônia, serão necessários investimentos equivalentes a 200 bilhões de dólares anuais pelos próximos 10 anos. A meta é restaurar um bilhão de hectares até 2030.

Sem embargo, afora os benefícios ecológicos e econômicos trazidos pelo restabelecimento em si dos serviços ecossistêmicos prestados pela biodiversidade, há que se ter em conta que o controle do desmatamento e o plantio e regeneração de florestas nativas degradadas representam um passo significativo para a humanidade reverter a crise ecológica decorrente do aquecimento global.

Afinal, não há dúvida científica quanto à importância das árvores para a retirada e imobilização do carbono presente na atmosfera, gás considerado o principal agente causador do efeito estufa – o que, por sua vez, está na origem das mudanças climáticas.

De outra banda, estima-se que a cada dólar destinado a cobrir os custos da restauração dos ecossistemas haverá um retorno para a economia de até 30 dólares.

Especificamente em relação à Amazônia, a redução do desmatamento e o reflorestamento de áreas devastadas traduzem-se em melhoria da dinâmica econômica local e, além disso, em cumprimento dos compromissos assumidos pelos brasileiros no âmbito do Acordo de Paris, pacto celebrado em 2015.

Enfim, como assevera o Pnuma, os países estão convocados a promover a proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo, para o benefício das pessoas e da natureza.

Aos incrédulos, a ONU dá um recado claro: o cerco em torno do desmatamento na Amazônia está se fechando. Só não entende quem não é capaz de enxergar o futuro.    

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

     

 

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segunda-feira, 12 de julho de 2021

Moratória das queimadas renovada em 2021

 * Ecio Rodrigues

 A proibição do licenciamento de queimadas por um prazo determinado – a chamada “moratória das queimadas” – foi adotada pela primeira vez no país no final da década de 1990. Desde então, essa medida vem sendo repetida por diversos governos e com eficiência mais que comprovada.

Não foi diferente com o atual. Apesar de se mostrar avesso ao monitoramento e controle ambiental, tendo até cogitado a extinção do MMA (Ministério do Meio Ambiente), o governo que chegou ao Planalto em 2019, refém de pressões nacionais e internacionais, vem adotando a moratória desde o primeiro ano de gestão.

Com efeito, já em 2019, e mesmo com reiteradas manifestações de teimosia e despreparo por parte dos gestores que assumiram a pasta ambiental, o governo foi obrigado, temendo especialmente a reação de investidores estrangeiros, a decretar sua primeira moratória – mas de maneira bem tímida, apenas em agosto e pelo curto prazo de 60 dias.

Diante da enxurrada de críticas recebidas e da gritaria em torno da manifesta inépcia do MMA para tratar da Amazônia, em 2020, acertadamente, a providência foi adotada mais cedo, no mês de julho, e pelo prazo de 120 dias.

Naquele momento, o tópico relacionado às queimadas e desmatamento passou à alçada dos militares: sob o comando do general vice-presidente, a proibição temporária do uso do fogo se fez valer na realidade amazônica.

Agora, em 2021, a moratória foi aplicada novamente, tendo entrado em vigor em 29 de junho – ou seja, bem no início do verão amazônico – e por iguais 120 dias.

Não é preciso pensar muito para concluir que – considerando a imposição de moratória das queimadas de maneira recorrente desde a edição do Decreto 2.661/1998, que regulamenta o emprego do fogo na agricultura – é imperiosa uma discussão mais aprofundada quanto à indispensabilidade de abolir de vez essa nociva pratica.

Primeiro, importa observar que a moratória se mostra norma de eficiência comprovada principalmente por duas razões: otimização da fiscalização e enquadramento do produtor que emprega o pernicioso método da queimada.

A moratória otimiza o pesado e caríssimo aparato fiscalizatório porque reduz sensivelmente as operações e o número de viagens perdidas dos fiscais.

Ocorre que, nos termos da normatização vigente, são muitas as hipóteses de licenciamento do uso do fogo, variando de acordo com o tipo de propriedade e de produtor. Desse modo, por conta da dificuldade em distinguir o que pode ou não ser queimado e quando, por um lado, muitas ocorrências deixam de ser fiscalizadas e, por outro, muitas viagens são perdidas.

Sob poucas exceções (algumas desnecessárias), a moratória suspende as queimadas de forma geral. Portanto, assumindo que onde há fumaça há fogo, a fiscalização, servindo-se de tecnologias de geoprocessamento que fornecem imagens de satélite em tempo real, tem muito mais eficácia na identificação e autuação das situações irregulares.

O enquadramento do produtor, por seu turno, decorre da mensagem transmitida pela moratória – a saber, tolerância-zero em relação às queimadas.

Cabe aqui um esclarecimento. Tal como a adubação, a queimada é uma técnica agrícola. Portanto, deve ser encarada e confrontada como decisão de investimento, ou seja, um procedimento no qual o produtor investe para aumentar seu lucro.

Significa dizer que ele tem alternativas; todavia, opta pela primitiva prática porque, a despeito dos prejuízos ambientais, sociais e econômicos causados pelas queimadas, para o produtor, sai financeiramente mais barato. 

O batido argumento de que o produtor precisa queimar para não morrer de fome – se antes já era questionável – há muito tempo perdeu totalmente o sentido.

A realidade objetiva e os resultados alcançados pelas moratórias demonstram que se o expediente for adotado mais cedo, em maio ou abril de cada ano, e vigorar por prazo maior, de 150 ou 180 dias, o caminho para erradicar as queimadas na Amazônia estará trilhado.

Enfim, embora o ideal de zerar as queimadas ainda se mostre inalcançável, ninguém dúvida do sucesso da moratória como medida de contenção.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Política Nacional de Meio Ambiente venceu a incompetência

 * Ecio Rodrigues

Embora os ambientalistas, apoiados por grande parcela da imprensa, prefiram apostar na suposição de que os gestores recentemente defenestrados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) cometeram desvios de conduta, na verdade o grande entrave que pôs em risco a política ambiental do país foi mesmo a incompetência.

Por sinal, não dá para entender por que só o que tem importância é a suspeita de corrupção. A despeito de a incapacidade técnica dos ex-dirigentes do MMA ter ficado patente desde o início do governo, a imprensa nunca apontou a incompetência como o maior problema da gestão ambiental – o que, mais do que tudo, seria motivo a justificar a substituição do comando da pasta.

Essa incapacidade pode ser evidenciada com certa constância numa série de condutas assumidas desde janeiro de 2019. A lista é grande, por isso vamos nos ater apenas aos maiores disparates.

De cara, sob o argumento estúpido de que os países ricos usam as questões ambientais como fachada para atravancar o crescimento das nações menos desenvolvidas, os ex-gestores sabotaram o Fundo Amazônia, mecanismo público direcionado à captação de dinheiro para o financiamento das ações de combate ao desmatamento na região.

Como resultado, uma soma exorbitante de recursos doados pela comunidade internacional, em especial Alemanha e Noruega, permanece paralisada em conta do fundo aguardando que o MMA decida o seu destino.

Não satisfeitos, acusaram o BNDES, estatal responsável pelo gerenciamento do fundo, de – pasme-se! – beneficiar, na liberação de recursos, as organizações não governamentais.

Aliás, sabe-se lá por quais razões, as ONGs ambientais passaram à condição de inimigas do país, tornando-se alvo de ataques infundados por parte dos mandatários alheados da área ambiental – que, como se sabe, no mundo inteiro é orientada pela atuação daquelas entidades.

O melindre com as ONGs, por outro lado, fez o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) entrar na mira dos ineptos. Numa medida despropositada – que se encontra em vias de ser invalidada pelo STF –, as organizações da sociedade civil foram praticamente excluídas da composição desse colegiado, levando-o a perder lastro social e, por conseguinte, credibilidade.

Mas foi no debate impróprio – para dizer o mínimo – em torno da caracterização do desmatamento ilegal e do legalizado que a falta de domínio técnico dos ex-gestores ambientais se revelou em toda a sua inteireza.

Ocorre que, na distorcida visão dos incautos, ao MMA competiria conter apenas o desmatamento ilegal, ou seja, aquele efetuado à revelia da legislação. Sob tal equivocada compreensão do contexto amazônico, a destruição florestal realizada sob a tutela do Código Florestal não deve ser combatida pela política pública. 

Como se observa, trata-se de um desconhecimento inadmissível da missão constitucional do MMA e de sua responsabilidade para com a conservação da biodiversidade florestal da Amazônia, inclusive – e sobretudo! – quando os riscos e impactos se originam de atividades legalizadas.

É papel primordial do órgão central de execução da Política Nacional de Meio Ambiente fomentar alternativas produtivas baseadas na exploração sustentável da biodiversidade e implementar medidas destinadas a zerar o desmatamento na Amazônia, mesmo e prioritariamente o praticado sob o amparo da lei.

Era tão profunda a desqualificação dos gestores ambientais que o próprio governo que integravam – também inepto e incapaz de identificar e corrigir a incompetência – aos poucos fatiou algumas das atribuições do MMA entre outros órgãos.

Amazônia, recursos hídricos, florestas, pagamentos por serviços ambientais foram alguns dos temas redirecionados a pastas mais eficientes, tais como o Ministério da Agricultura, reconhecido por sua excelência técnica.

Contudo, no final das contas os despreparados acabaram exonerados, e pouco importa se os substitutos são melhores ou piores – o que interessa é que a quadragenária PNMA resistiu e prevaleceu, demonstrando que está consolidada em âmbito institucional e, o melhor, no propósito de nação dos brasileiros.

Malgrado os prejuízos e retrocessos havidos, uma coisa é certa: o futuro da Amazônia não está subordinado à eventual tacanhice de gestores efêmeros.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre