terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Pecuária é atividade que mais desmata na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Estudo recente publicado pelo Ministério do Meio Ambiente, em associação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ainda com o Ministério da Agricultura, mapeou, por meio de imagens de satélite, o que está acontecendo com as áreas de floresta desmatadas na Amazônia.

A ideia é obter informações sobre as atividades produtivas responsáveis pela pressão pelo desmatamento na região – problema que persiste a taxas preocupantes, a despeito da redução de 18% apurada na última medição, que abrangeu o período de agosto de 2013 a julho de 2014.

Se o resultado do levantamento, por um lado, pode ser considerado óbvio e esperado, por outro, surpreende. O óbvio diz respeito à constatação, visível para quem transita pelas rodovias pavimentadas na Amazônia, de que a absoluta maior parte da área de floresta destruída se destina à criação de boi.

Até 2012, ano final do mapeamento por satélite, 60% do total de 751.340 km² de florestas desmatadas, equivalente a 18,5% de toda a área florestal da Amazônia, teve como propósito a implantação da pecuária de gado; apenas 5,6% da área desmatada é ocupada pela produção agrícola, com destaque para a cultura da soja.

Sem querer entrar na discussão sobre os eventuais benefícios econômicos e sociais que a pecuária possa trazer para a região, o que se observa é que nessa exorbitante área de 450,8 mil km² tomada pela atividade os indicadores de desenvolvimento humano não são nada animadores.

Por outro lado, surpreende a revelação de que 23% da área de floresta destruída apresenta vegetação sob algum estágio de regeneração florestal. Antes de qualquer coisa – e antes de concluir-se, romântica e simploriamente, como fizeram as autoridades que divulgaram o estudo, que a floresta está “voltando” –, cabe atentar para o fato de que 23% de toda a área desmatada não tem nenhum uso.

Para entender, sob algum racionalismo (e sem romantismo), o que acontece nesses 23% de área desmatada em que se detecta algum tipo de regeneração florestal é preciso, na ausência de qualquer outra hipótese, reconhecer que uma porção gigantesca de floresta foi desmatada inutilmente.

Não há razão plausível para imaginar que os proprietários rurais, de uma hora para outra, inspirados por uma espécie de altruísmo ecológico, tenham resolvido deixar a floresta regenerar-se em suas terras. Ou, de outra banda, que exista algum instrumento econômico de política florestal que torne a reconversão florestal de área desmatada uma atividade atrativa para o produtor.

Isto é, trata-se de áreas florestais que foram desmatadas e, depois, abandonadas. Só isso. Significa que o desmatamento foi supérfluo, desnecessário. E que o Estado brasileiro, de forma vergonhosa, tolera que florestas sejam em vão destruídas na Amazônia. 
Por fim, há que se detalhar o estágio de sucessão vegetal no qual se encontram os 23% de área de floresta desmatada e abandonada.

Para encurtar a explanação técnica sobre Fitossociologia, disciplina que tanto agrada aos biólogos e engenheiros florestais, basta dizer que é enorme a distância – seja em termos conceituais, seja em termos de espaço de tempo – entre um pasto abandonado (“sujo”, na linguagem dos pecuaristas) e uma formação florestal secundária (“capoeirão”, na linguagem dos produtores).

Ou seja, a transição de um estágio pro outro pode levar 50 anos, e inclui uma série de etapas. Sendo que o surgimento do capoeirão nem de longe significa a volta da floresta.
Conclusão: a floresta não vai voltar por mera força do destino. É hora de acordar, porque isso, simplesmente, não existe!        

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


sábado, 27 de dezembro de 2014

Pecuária é atividade que mais desmata na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Estudo recente publicado pelo Ministério do Meio Ambiente, em associação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ainda com o Ministério da Agricultura, mapeou, por meio de imagens de satélite, o que está acontecendo com as áreas de floresta desmatadas na Amazônia.

A ideia é obter informações sobre as atividades produtivas responsáveis pela pressão pelo desmatamento na região – problema que persiste a taxas preocupantes, a despeito da redução de 18% apurada na última medição, que abrangeu o período de agosto de 2013 a julho de 2014.
Se o resultado do levantamento, por um lado, pode ser considerado óbvio e esperado, por outro, surpreende. O óbvio diz respeito à constatação, visível para quem transita pelas rodovias pavimentadas na Amazônia, de que a absoluta maior parte da área de floresta destruída se destina à criação de boi.

Até 2012, ano final do mapeamento por satélite, 60% do total de 751.340 km² de florestas desmatadas, equivalente a 18,5% de toda a área florestal da Amazônia, teve como propósito a implantação da pecuária de gado; apenas 5,6% da área desmatada é ocupada pela produção agrícola, com destaque para a cultura da soja.

Sem querer entrar na discussão sobre os eventuais benefícios econômicos e sociais que a pecuária possa trazer para a região, o que se observa é que nessa exorbitante área de 450,8 mil km² tomada pela atividade os indicadores de desenvolvimento humano não são nada animadores.

Por outro lado, surpreende a revelação de que 23% da área de floresta destruída apresenta vegetação sob algum estágio de regeneração florestal. Antes de qualquer coisa – e antes de concluir-se, romântica e simploriamente, como fizeram as autoridades que divulgaram o estudo, que a floresta está “voltando” –, cabe atentar para o fato de que 23% de toda a área desmatada não tem nenhum uso.

Para entender, sob algum racionalismo (e sem romantismo), o que acontece nesses 23% de área desmatada em que se detecta algum tipo de regeneração florestal é preciso, na ausência de qualquer outra hipótese, reconhecer que uma porção gigantesca de floresta foi desmatada inutilmente.

Não há razão plausível para imaginar que os proprietários rurais, de uma hora para outra, inspirados por uma espécie de altruísmo ecológico, tenham resolvido deixar a floresta regenerar-se em suas terras. Ou, de outra banda, que exista algum instrumento econômico de política florestal que torne a reconversão florestal de área desmatada uma atividade atrativa para o produtor.

Isto é, trata-se de áreas florestais que foram desmatadas e, depois, abandonadas. Só isso. Significa que o desmatamento foi supérfluo, desnecessário. E que o Estado brasileiro, de forma vergonhosa, tolera que florestas sejam em vão destruídas na Amazônia. 
Por fim, há que se detalhar o estágio de sucessão vegetal no qual se encontram os 23% de área de floresta desmatada e abandonada.

Para encurtar a explanação técnica sobre Fitossociologia, disciplina que tanto agrada aos biólogos e engenheiros florestais, basta dizer que é enorme a distância – seja em termos conceituais, seja em termos de espaço de tempo – entre um pasto abandonado (“sujo”, na linguagem dos pecuaristas) e uma formação florestal secundária (“capoeirão”, na linguagem dos produtores).

Ou seja, a transição de um estágio pro outro pode levar 50 anos, e inclui uma série de etapas. Sendo que o surgimento do capoeirão nem de longe significa a volta da floresta.
Conclusão: a floresta não vai voltar por mera força do destino. É hora de acordar, porque isso, simplesmente, não existe!        

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Desmatamento no Acre em 2014 assusta
* Ecio Rodrigues
Diante da divulgação da nova taxa de desmatamento, alusiva ao período de agosto/2013 a julho/2014, fosse o Acre governado por outro grupo político, estaria sujeito à fúria do Governo Federal. Ocorre que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, o desmatamento recuou na Amazônia, e esse recuo só não foi maior por causa da perigosa elevação ocorrida no Acre.
Para explicar melhor. Os dados do Prodes (projeto oficial de monitoramento do desmatamento na Amazônia e que envolve as pastas de Ciência e Tecnologia e de Meio Ambiente), anunciados dia 26 de novembro último, demonstram, para a felicidade geral, que houve uma diminuição de 18% no desmatamento ocorrido na região, em relação ao período anterior.
Além de se tratar de uma excelente notícia, essa redução contraria todos os prognósticos suscitados em levantamentos parciais, evidenciando, por parte do Ministério do Meio Ambiente, uma forte disposição no sentido de reverter o que os especialistas chamaram de “repiquete do desmatamento” – em referência ao aumento detectado no intervalo entre 2012 e 2013, equivalente a 28%.
Ou seja, a comemoração é dupla. Reverteu-se o que poderia ser uma tendência de elevação e, pela segunda vez desde que se iniciaram as medições, o desmatamento na Amazônia foi inferior a 5.000 quilômetros quadrados (ficou em 4.848 km²). A primeira vez que isso ocorreu foi no período 2011/2012.
Essas são as boas novas. A notícia ruim, muito ruim, é que, no Acre, o desmatamento, longe de diminuir, aumentou em 41%.
A ampliação do desmatamento no Acre provoca, nos envolvidos com o tema, um misto de consternação e insegurança.
Consternação porque, diferentemente do que vem ocorrendo nos últimos cinco anos, o Acre sempre apareceu nas estatísticas anuais de desmatamento como um território exemplar, onde supostamente a preocupação com o meio ambiente seria superior à evidenciada pelos demais estados amazônicos. Ao que parece, todavia, não é bem assim.
Insegurança, porque a elevação do desmatamento no Acre envolve uma nova e perigosa dinâmica, já que as áreas desmatadas tomam as margens dos rios e, na maioria das vezes, são inferiores a seis hectares – vale dizer, remetem às pequenas propriedades. O controle do desmatamento em pequenas superfícies e na mata ciliar dos rios exige dos órgãos de monitoramento um esforço para o qual não estão preparados.
Insegurança, ainda, em relação ao futuro de uma imensa região coberta por florestas que abrigam, ou protegem, as cabeceiras de rios importantes, como Juruá, Purus, Acre, Envira e Tarauacá, somente para ficar nos mais conhecidos.
E por falar em Tarauacá, esse município contribuiu significativamente para o aumento do desmatamento no Acre. Diga-se, aliás, que ao longo de 2014, Tarauacá, Feijó e Manoel Urbano ficaram se revezando na lista dos 10 municípios que mais desmataram na Amazônia.
Pode ser que o aumento assustador do desmatamento no Acre não tenha nada a ver com a aprovação do novo Código Florestal em 2012 – lei que, de forma indireta, beneficiou o agronegócio. Pode ser também que não tenha nada a ver com a conclusão da pavimentação da rodovia BR 364 em 2011. E pode ser, ainda, que não tenha nada a ver com as políticas públicas levadas a efeito pelo governo estadual, focadas primordialmente na promoção da agropecuária.
Mas pode ser que tenha.
A extemporânea alagação ocorrida em Tarauacá foi uma advertência que não pode ser ignorada. Alguma atitude deve ser tomada, já.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




domingo, 13 de julho de 2014

Copa do Mundo e novas florestas
* Ecio Rodrigues
A realização da Copa do Mundo de futebol ampliará a contribuição do Brasil para a emissão de carbono na atmosfera. Até há pouco tempo, uma frase como essa não fazia o menor sentido: o fato de um país sediar um grande evento esportivo significava tão somente uma expressiva promoção da dinâmica econômica, o que, por sua vez, importaria em potencial melhora nas condições de vida.

Hoje, entretanto, existe uma crescente preocupação com a crise ecológica acarretada pelo aquecimento do planeta – que é determinado, por seu turno, pelo aumento da concentração de carbono e outros gases causadores do efeito estufa, o que, por conseguinte, traz alterações significativas no clima e, enfim, amplia os riscos de ocorrência de tragédias como alagação, furacões, seca e tsunamis (apenas para ficar nas mais comuns).

Ou seja, sem embargo das melhorias econômicas carreadas por um evento da dimensão da Copa do Mundo, o fato é que a percepção inequívoca de geração de riqueza vem perdendo espaço para uma preocupação cada vez maior, relacionada com a sustentabilidade.

Querendo sair bem na foto, o governo brasileiro tem se esforçado para demonstrar que a realização da Copa não trará prejuízos para a sustentabilidade do planeta. Não obstante, aposta suas fichas em medidas anódinas, como obras de urbanização (incluindo-se até mesmo a construção de hotéis); troca de créditos de carbono entre empresas (algo de finalidade incompreensível); e, ainda, coleta seletiva de lixo. Sempre sob exaltações românticas à natureza que não levam a lugar nenhum e que já não convencem.

Prefere-se esse jogo de cena a investir-se em projetos que de fato promovam a sustentabilidade, mediante ações destinadas a zerar o carbono extra lançado na atmosfera por conta da realização do evento.

De outra banda, embora não se duvide que a forma mais eficiente para retirar o carbono da atmosfera e imobilizá-lo no sistema econômico seja o plantio de florestas, no âmbito dessa questão os ambientalistas discordam sobre os pontos mais elementares – por exemplo, a escolha da respectiva área para a implantação da floresta e das espécies a serem cultivadas.

As zonas periurbanas, onde existam áreas degradadas pela ocupação antrópica desordenada, o que ocorre na maioria das metrópoles com mais de 500 mil habitantes, deveriam ser priorizadas para o plantio de novas formações florestais. Da mesma maneira, regiões deterioradas, localizadas próximas ou na área de influência de bacias hidrográficas.

Quanto às espécies florestais, muitos defendem o cultivo de espécies nativas, por considerar que as exóticas, como eucalipto e pinus, causam impactos no solo, na fauna e na água. Trata-se de um juízo equivocado, e a quantidade significativa de áreas de florestas formadas com essas espécies só demonstra a importância delas.

Diga-se, ademais, que – ainda que mais atraente – o plantio de espécies nativas é também extremamente mais complicado. Essas árvores costumam ser bem mais exigentes quanto ao solo e, o pior, quanto aos cuidados necessários para se estabelecerem, o que aumenta significativamente os custos do plantio.

Outro ponto polêmico diz respeito ao aproveitamento das árvores depois que atingem a maturidade. Florestas não são ociosas, elas prestam serviços cruciais para a sociedade, que podem ser de natureza paisagística ou de fornecimento de alguma matéria-prima, como é o caso da madeira.

De qualquer forma, a despeito das controvérsias, o mais importante é que novas florestas sejam, efetivamente, plantadas. E disso, nenhum governo quer saber.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




terça-feira, 24 de junho de 2014

Quase meio bilhão de reais doados às Unidades de Conservação da Amazônia
* Ecio Rodrigues
Para reforçar a máxima de que o problema não é a falta de dinheiro, mas os gravíssimos e insuperáveis entraves de gerenciamento, as unidades de conservação localizadas na Amazônia vão receber um vultoso montante da Cooperação Internacional. E o melhor, o dinheiro é doado, não precisa pagar.

Por meio do Programa Áreas Protegidas da Amazônia, conhecido pelo sofrível acrônimo Arpa, o Banco Mundial, o governo da Alemanha e o Fundo Mundial para Vida Selvagem, WWF, firmaram, em maio de 2014, um acordo para disponibilizar – pelos próximos 25 anos – o equivalente a 477 milhões de reais, a serem aplicados na criação e estruturação de unidades de conservação na Amazônia.

Depois de esgotado esse prazo, o Estado brasileiro se comprometeu a assumir o custeio das ações de gerenciamento nessas áreas. Espera-se que esse não seja apenas mais um, entre os muitos compromissos que nos acostumamos a assinar distraidamente.

Diga-se que, muito embora cerca de 60 milhões de hectares sejam destinados às unidades de conservação na Amazônia, apenas 4% delas se encontram efetivamente implementadas e são geridas de forma eficiente.

Essa foi a preocupante conclusão de uma importante auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas da União, TCU, cujo relatório foi aprovado em dezembro de 2013.
O problema é de gerenciamento, e o órgão responsável pela administração dessas áreas, o ICMBio, que herdou essa responsabilidade do Ibama, não tem demonstrado fôlego institucional e capacidade operacional para avançar nesse quesito.

Dessa forma, dos mais singelos (por exemplo, o abastecimento de veículos) aos mais complexos (como é o caso da promoção do manejo florestal), os entraves operacionais se acumulam e permanecem sem solução.
Considerando-se que, diante do acordo firmado com a Cooperação Internacional, os problemas financeiros foram definitivamente resolvidos, seria o momento de o órgão se debruçar sobre os problemas de gerenciamento.

Todavia, a experiência demonstra que esse é um caminho ignorado – tanto pelo ICMBio quanto pelo próprio Ministério do Meio Ambiente. Afinal de contas, o Arpa existe desde 2002.
Na primeira fase desse programa, foram investidos em torno de 284 milhões de reais em 95 unidades de conservação. Atualmente, o Arpa se encontra em sua segunda fase, que totalizará investimentos na ordem de 126 milhões de reais.

Ou seja, à época da auditoria do TCU, realizada em 2013, uma quantia superior a 400 milhões de reais já havia sido aplicada nas unidades de conservação na Amazônia, ao longo de dez anos, com retorno pífio. Não custa repetir, apenas 4% das UCs possuem uma gestão considerada eficiente pelos auditores do TCU.

É evidente que todo investimento realizado nas unidades de conservação, especialmente nas localizadas no bioma Amazônia, irá refletir de forma direta na redução do desmatamento e na consequente minimização dos riscos decorrentes da mudança climática.

E é evidente, do mesmo modo, que a solução dos gargalos gerenciais do ICMBio arrogaria a esse investimento efeito exponencialmente superior.

Não há dúvida de que as unidades de conservação na Amazônia se configuram em instrumento chave para a estratégia de manutenção da maior floresta tropical do planeta. Uma mera comparação entre os índices de desmatamento aferidos dentro dessas áreas e os mensurados fora delas é suficiente para a comprovação dessa tese.

Falta transformar essa importância ecológica e econômica em prioridade política para o Estado brasileiro; e isso, tudo indica, ainda vai demorar bastante.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


domingo, 15 de junho de 2014

Mudança climática exige política pública específica
* Ecio Rodrigues
Se houver convergência política e econômica para o aproveitamento dos pontos positivos das mudanças no clima, se as famílias conseguirem perceber em seu cotidiano os riscos e vantagens relacionados às alterações climáticas, se o aquecimento global não for transformado em capital político de alguns grupos e, finalmente, se forem criados procedimentos precisos de avaliação de riscos, a humanidade tem chance de superar a atual crise ecológica.

Essa avaliação é efetuada por Anthony Giddens em seu mais recente livro, publicado no Brasil pela editora Zahar sob o título “A Política da Mudança Climática”.

Trata-se de obra de referência, que discute de maneira acessível para o grande público o estágio atual e as implicações do inexorável processo de aquecimento do planeta e das consequentes mudanças no clima.

Com um texto engajado e polêmico, Giddens discorre sobre as conclusões presentes nos relatórios elaborados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) – não deixando dúvida quanto à urgência das decisões políticas no sentido de viabilizar-se uma economia de baixo carbono no âmbito dos Estados nacionais.
Engajado, porque faz uma defesa intransigente da política, sobretudo da política internacional, como meio para superar a crise da mudança climática, e do Estado como agente central na adoção dessa política – que exige, obviamente, uma postura ativa dos governos.

Defendendo a existência de uma ordem planetária capaz de conceber e pôr em prática uma política da mudança climática, negando o princípio da precaução como instrumento eficaz de convencimento dos governos, e chegando à constatação de que o risco de tragédia é iminente se não forem adotadas medidas corretivas, a obra de Giddens polemiza – e sem dúvida desagrada aos apocalípticos, aos otimistas e aos céticos da mudança do clima.

Entre as polêmicas levantadas, a negação do princípio da precaução chama atenção. Na visão de Giddens, o princípio da precaução – que costuma ser largamente empregado por políticos e ambientalistas quando faltam argumentos para a sustentação de alguma medida mais severa na esfera ambiental – apresenta contradições intrínsecas que levam à sua invalidação.
Afinal, se por um lado, “é melhor prevenir que remediar”, por outro, não se pode desconsiderar que “quem não arrisca, não petisca”.

Ou seja, em face do princípio da precaução, refuta-se a possibilidade de ousar e inovar, diante do risco de causar-se algum comprometimento à existência humana. Todavia, sem arrojo e inovação não é possível a superação dos riscos trazidos pela mudança climática, o que também pode levar a humanidade à destruição.

Como afirma Giddens:

“Tomemos o exemplo dos alimentos geneticamente modificados, ou transgênicos. Os riscos para a saúde humana e para as ecologias locais não são conhecidos com nenhum grau de precisão. Uma definição forte do PP [princípio da precaução] exige que tais alimentos sejam completamente banidos, sob a alegação de que com isso evitamos qualquer risco que eles tendam a trazer. Todavia, proibir seu uso também cria riscos significativos, inclusive a possibilidade, por exemplo, de elevar os níveis de fome e desnutrição. A definição forte do PP implicaria que também evitássemos esses riscos. Portanto, a definição forte exibe uma incoerência lógica: opõe-se tanto ao cultivo quanto ao não cultivo de produtos transgênicos.”

Giddens encerra a obra questionando o que está por vir. Uma nova Era do Iluminismo ou uma nova Idade das Trevas? O futuro, em breve, nos dirá.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Novas tecnologias ou mudança no padrão de consumo, qual a saída?
* Ecio Rodrigues
Não há mais espaço para dúvida: o planeta está aquecendo. Também não há dúvida de que as mudanças no clima trarão prejuízos econômicos e catástrofes ecológicas imprevisíveis.

E finalmente, graças ao último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), organismo da ONU responsável pelo monitoramento do clima no planeta, já não se duvida que a culpa pelo aquecimento global recai sobre as atividades humanas.

Ou seja, foi o nosso modo de se locomover, de morar, de se vestir e de se alimentar, só para citar as demandas mais importantes da humanidade, que conduziu o planeta à rota sem volta do aquecimento – que, por sua vez, leva à instabilidade no clima e à ocorrência de alagações, secas, tsunamis, entre outros eventos extremos.

Sem embargo, embora esse diagnóstico seja aceito pela maioria dos países, não havendo necessidade de se invocar o irrelevante e duvidoso princípio da precaução, a busca por soluções ainda ensejará muita controvérsia.

A discussão sobre o que fazer para alterar o processo, irreversível até o momento, de aquecimento do planeta tem mobilizado os fóruns internacionais. Os países, em meio às dificuldades econômicas e à perigosa ampliação das desigualdades sociais, não conseguem encontrar um rumo consensual para salvar o planeta de uma crise ecológica sem precedentes.

Como assinala Fabián Echegaray, em artigo publicado na revista Ideia Sustentável, edição 34 (que pode ser acessado em ideiasustentavel.com.br/revista), “Diante das comprovações [sobre o diagnóstico do aquecimento global], o foco passa a estar agora nas soluções: dar preferência às mudanças de estilo de vida ou às mudanças trazidas pela tecnologia?”

Para os que defendem ações relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias (designadas como “verdes”, “limpas”, e assim por diante), surge uma grande oportunidade, no que diz respeito à estruturação de novos mercados.

Incluídas no rol de possibilidades da denominada economia de baixo carbono, essas inovações tecnológicas assentarão as nações que nelas investirem, agora, numa posição estratégica, no futuro.

Há exemplos mundo afora de países que estão destinando volumosos recursos públicos para a estruturação de uma matriz energética baseada em fontes renováveis. A Alemanha, por exemplo, é, atualmente, líder no campo da energia solar e eólica, tanto na área de pesquisa quanto na de instalação de unidades de geração de energia elétrica.

O tema da energia, por sinal, seja no âmbito da geração, seja no que se refere à otimização do uso e ampliação da eficiência energética, tem merecido atenção especial. Tudo indica que será por meio da substituição dos combustíveis fósseis usados na produção de energia elétrica (como é o caso do petróleo e do carvão mineral) que a ainda incipiente economia de baixo carbono irá deslanchar.

Por outro lado, para os críticos do consumo excessivo e perdulário, que consideram o modelo americano de sociedade o exemplo a não ser seguido, só uma profunda alteração nos atuais hábitos de consumo salvará o planeta.

Vale dizer, não adianta apenas o emprego da madeira ou de outros recursos naturais renováveis na fabricação de bens de consumo, ou a fabricação de um carro que seja mais eficiente no uso de combustível, o problema está no consumo em si, o problema está na existência do carro – teríamos que começar a rever nossos padrões de consumo e começar a andar de bicicleta ou a pé.

Enquanto não se chega a um equilíbrio entre esses caminhos, a nações com visão estratégica investem na economia de baixo carbono. Deveríamos fazer o mesmo. 
     
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

IVI-Mata Ciliar para restauração florestal de rios amazônicos
* Ecio Rodrigues
Considerada a mais importante inovação tecnológica concebida na execução do projeto Ciliar Só-Rio Acre – estudo financiado pelo CNPq em 2007 e que contou com orçamento de 200 mil reais –, o Índice de Valor de Importância para Mata Ciliar, batizado de IVI-Mata Ciliar, é uma ferramenta metodológica, ou uma técnica, como preferem alguns, para definição das espécies florestais a serem empregadas em projetos de restauração florestal de mata ciliar em rios amazônicos.

Esse indicador, transformado e adaptado do Índice de Valor de Importância tradicional (que é calculado para a tomada de decisão no manejo florestal voltado para a produção de madeira), fornece uma lista das espécies florestais que ocorrem num respectivo trecho de mata ciliar, e que, desse modo, são indicadas para sua restauração florestal.

Com base nessa lista, o projeto de restauração florestal poderá prever, por exemplo, a formação de um consórcio de espécies que espelhe a composição original da mata ciliar naquele trecho de rio.

O potencial de uso do IVI-Mata Ciliar na Amazônia é imenso, e a aplicação dessa ferramenta encontra respaldo em duas constatações decisivas.

Primeiro, o fato de que o emprego de espécies nativas na restauração florestal de matas ciliares é uma exigência prevista na Resolução 429, aprovada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama, em fevereiro de 2011.

Segundo, que o IVI-Mata Ciliar possibilita justamente a identificação das espécies florestais endêmicas em trechos específicos de mata ciliar.

Para os que acham que as disposições de uma simples normativa não fornece a necessária segurança jurídica, diga-se que as diretrizes da aludida resolução permaneceram em todas as difíceis discussões que antecederam a aprovação do novo Código Florestal na Câmara e no Senado.

Dessa forma, a Lei Federal 12.651, publicada em 25 de maio de 2012 e que instituiu o Código Florestal, corrobora e reforça a Resolução 429 do Conama, determinando o emprego de espécies florestais nativas da mata ciliar nos projetos de restauração florestal dos trechos degradados pela ação antrópica.

Todavia, a despeito da exigência legal, em nenhum momento – nem no âmbito do Conama nem na esfera do Congresso – os legisladores se deram conta de que simplesmente não existem metodologias definidas para calcular ou designar essas espécies florestais classificadas como nativas e, de preferência, endêmicas do respectivo segmento de mata ciliar sob restauro.

O IVI-Mata Ciliar se propõe a suprir essa lacuna, proporcionando a segurança conferida pela adaptação de um indicador consagrado na literatura – no caso, o IVI –, para o fim de fornecer um rol de espécies florestais, dispostas em ordem decrescente de importância para a área a ser restaurada.

Com um diferencial fundamental, contudo, em relação ao IVI tradicional, já que as variáveis para o cálculo da importância da espécie não refletem sua relevância volumétrica em metros cúbicos de madeira.

Diferentemente, no IVI-Mata Ciliar, essa importância é medida de acordo com a quantidade de vezes em que a espécie ocorre na mata ciliar, bem como com a quantidade de indivíduos existentes.

Vale dizer, para o cálculo do IVI-Mata Ciliar, são levadas em conta a frequência e a abundância da espécie, e não o volume de madeira que a espécie pode fornecer.
A reiterada aplicação do IVI-Mata Ciliar, além de permitir o aprimoramento dessa ferramenta, irá acelerar a recuperação do equilíbrio hidrológico nos rios amazônicos.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Para TCU, a gestão das unidades de conservação na Amazônia é um fracasso
* Ecio Rodrigues
Em auditoria realizada em 2013, cujo relatório final foi aprovado em dezembro último, o Tribunal de Constas da União, TCU, órgão superior de fiscalização, concluiu que a gestão das unidades de conservação na Amazônia é precária e que – pasme-se! – a ampla maioria das áreas não se presta para os fins que justificaram o investimento público na sua criação.

Um resultado chocante, embora poucos considerem relevante. As conclusões do TCU assustam principalmente por duas razões. Primeiro, porque decorrem de uma auditoria técnica – uma iniciativa muito louvável, por sinal –, que visa não a velha e rotineira caça aos corruptos, mas, sim, identificar fragilidades na administração estatal. A caça, nesse caso, tem como foco a incompetência na gestão pública.

A segunda razão é que a criação de unidades de conservação, sobretudo na Amazônia, se configura na mais importante ação voltada para a manutenção do ecossistema florestal. Por conta disso, aliás, o Brasil recebe vultosos recursos do apoio internacional; trata-se de dinheiro dado, ou melhor, doado, destinado à instalação e consolidação dessas áreas.

Existe, inclusive, no âmbito federal, um projeto chamado Arpa (sigla sofrível para Áreas Protegidas da Amazônia), voltado justamente para canalizar parte desses recursos oriundos da cooperação internacional, a fim de aplicá-los nas unidades de conservação. 

Ora, se dinheiro não é, e nunca foi, um problema, onde está o gargalo que impede que as unidades de conservação da Amazônia suscitem benefícios econômicos, sociais e ecológicos para a sociedade? A resposta do TCU é clara: o gargalo – insuperável, diga-se – está na gestão, no gerenciamento, ou, simplesmente, na administração dessas áreas.

O quadro não poderia ser mais desanimador. De acordo com uma ferramenta de avaliação de gestão, o denominado Índice de Implementação e de Gestão das Áreas Protegidas (ou Indimapa), das 247 unidades de conservação presentes na Amazônia, apenas 4% possuem uma gestão eficiente e estão efetivamente implantadas.

Significa que uma expressiva área de um milhão e cem mil quilômetros quadrados, equivalente a mais de 20% do território amazônico, se encontra ociosa ou subutilizada, sem apresentar nenhum tipo de retorno econômico ou ecológico.

Mas, por deficiências de gestão, como apontado pelo TCU, entende-se o que, exatamente? É simples. Para os que não estão habituados com a temática ambiental, esclareça-se que a responsabilidade pela implantação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Snuc, é do Ministério do Meio Ambiente, MMA – que, provavelmente, é o órgão do primeiro escalão do governo federal com os piores indicadores operacionais.

Já a gestão das unidades de conservação instituídas no âmbito do governo federal compete ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, criado em 2007, e que provavelmente, se inclui entre os órgãos federais de segundo escalão que apresentam os piores indicadores operacionais.

Se nenhum dos órgãos superiores aos quais a unidade se vincula consegue desenvolver e valorizar sistemas de gestão eficientes, certamente que não será uma reserva extrativista isolada no Acre, por exemplo, que terá condições de seguir um modelo administrativo eficiente. Os entraves operacionais, ou deficiências graves de gestão (como afirmado pelo TCU) chegam às unidades de conservação até por osmose.

Faltam técnicos ao ICMBio, mas esse não é o problema. O anacronismo começa pelos concursos para ingresso na equipe técnica, dirigidos a qualquer profissional com nível superior, e termina com a missão do órgão, que se pauta não por um fim específico e determinado como a gestão e funcionamento das unidades de conservação, mas, sim, por algo genérico e indefinido como a conservação da biodiversidade.

A alteração desse quadro terminal, concernente ao gerenciamento das unidades de conservação, deveria ser uma prioridade para todos os governos. Mas a verdade é que ninguém se importa.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


Livro Ciliar Só Rio Acre

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