segunda-feira, 27 de agosto de 2012


Código Florestal não irá proteger rios temporários
* Ecio Rodrigues
Já faz dois anos que deputados, senadores e governo federal se veem às voltas com as discussões, votações e encaminhamentos em torno da proposta de novo Código Florestal. Para o cidadão, fica simplesmente impraticável acompanhar os retrocessos e desdobramentos desse infindável processo legislativo.
A razão para que se aventasse a existência de uma demanda social que justificasse a atualização do Código Florestal de 1965, sempre é bom lembrar, foi a intenção de tornar o crédito rural acessível aos produtores que haviam infringido a própria legislação florestal.
A alteração da lei foi a forma que se encontrou para que os infratores pudessem ser legalizados. Algo impensável em democracias maduras, mas – admitamos - bem comum por estas bandas ao sul do equador. Diga-se que a legalização do infrator, nesse caso, implicava na remissão, em grande parte, dos desmatamentos em áreas de reserva legal e de mata ciliar.
Desde o início das discussões, o que aconteceria com as áreas de reserva legal existentes nas propriedades privadas, e com a vegetação que protege a margem dos rios, a mata ciliar, era fator determinante para a aprovação ou não da proposta. De um lado, a bancada ruralista - composta pelos parlamentares que, tendo ou não vínculo com o setor primário da economia, defendem a expansão do agronegócio - queria o fim da obrigação de manter esses tipos especiais de florestas.
De outro lado, os parlamentares preocupados com as consequências previsíveis dos desmatamentos se articulavam para garantir pelo menos a manutenção da quantidade de florestas já prevista na legislação, ou seja, brigavam para que não houvesse alterações no que já estava garantido desde 1965.
Como o Congresso Nacional - leia-se senadores e deputados - não conseguiram aprovar uma proposta de legislação que atendesse à sociedade, o governo federal se viu pressionado a fazer um grande número de vetos no texto dos parlamentares. Fez mais: além de vetar, devolveu aos legisladores um texto de medida provisória, pelo qual apresentou uma resposta ao que havia sido acertadamente vetado.
A novela atualmente se encontra no capítulo em que o Congresso avalia a medida provisória proposta, a fim de transformá-la em lei. O momento é decisivo, e o resultado de uma primeira rodada de discussões não foi nada animador.
Ocorre que os ruralistas conseguiram aprovar, por estreita margem, o fim da exigência de manutenção da mata ciliar em rios denominados intermitentes, ou seja, que secam na época da escassez de água. Já não se trata, para esse tipo de rio, de discutir a largura ideal da faixa de mata ciliar, mas, simplesmente, de sacramentar a inexistência dela. Uma decisão trágica por duas razões fáceis de compreender.
Em primeiro lugar, retira-se a proteção conferida pela floresta a uma quantidade expressiva de rios que têm sua vazão reduzida na seca, mas que dependem da existência da floresta para garantir o seu equilíbrio hidrológico, em especial na época das cheias e alagações. Vale dizer, a retirada da mata ciliar irá comprometer o canal desde a nascente, além de toda a rede hidrográfica à jusante do recurso hídrico. Ademais, autoriza-se uma reavaliação sobre quais canais de água podem ser considerados intermitentes, o que poderá levar a implicações ainda mais desastrosas.      
Em segundo lugar, a temerária decisão abre um precedente grave: os irresponsáveis que acham que essas florestas não servem para nada mais do que atrapalhar a vida do produtor certamente passarão a acreditar que é possível aprovar o fim da reserva legal e da mata ciliar em todos os rios, perenes ou temporários. O que seria o apocalipse.
Esperar que a sociedade se manifeste a cada absurdo aprovado pelos parlamentares é exigir demais; por outro lado, como os absurdos são inesgotáveis, o resultado dessa novela é imprevisível.    
  
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


Sustentabilidade do dia a dia
* Ecio Rodrigues

O conceito de Desenvolvimento Sustentável, cunhado durante a histórica conferencia da Organização das Nações Unidas, ONU, realizada no Rio em 1992, exigiu um esforço enorme da diplomacia internacional para a sua demarcação. Que o conceito não seria definido de maneira objetiva e sob alto grau de especificidade era evidente para todos os países participantes, mas esperava-se chegar ao mais próximo possível da realidade diária dos indivíduos, famílias, governos e empresas.
         Um primeiro passo importante para se chegar a um consenso foi a opção por relacionar-se a sustentabilidade à capacidade de o meio ambiente satisfazer as demandas da humanidade.
         Satisfazer as necessidades atuais da humanidade sem comprometer a capacidade de satisfação das necessidades das futuras gerações; foi esta a definição que situou o Desenvolvimento Sustentável no centro das discussões a respeito do compromisso que as pessoas podem assumir hoje, para que seus filhos e netos, as futuras gerações, não sejam privadas de ter casa, comida, carro, e roupa lavada.
Não obstante, o conceito de Desenvolvimento Sustentável é impreciso, inconcluso e incompreensível, o que faz com que o resultado de sua aplicação seja, para muitos, considerado imprevisível - da mesma forma que ninguém duvida de que essa aplicação é inadiável.
         O conceito é impreciso, devido à generalidade contida no termo “satisfação de necessidades”; é inconcluso, pois as negociações quanto ao seu detalhamento foram adiadas para futuras Convenções da ONU; e é incompreensível, uma vez que somente alguns poucos familiarizados com o tema da sustentabilidade conseguem explicá-lo, ou melhor, interpretá-lo.
Sob tamanha falta de clareza, não é difícil supor que a aplicação dos ideais de sustentabilidade pode trazer implicações imprevisíveis; com um adendo, porém: implicações menos preocupantes que a rota inexorável da crise ecológica advinda do processo atual de desenvolvimento praticado no mundo. Ou seja, imprevisível, sim, mas para melhor, e por isso, urgente.
         Inadiável, mesmo sendo imprevisível, e engana-se aquele que acha que nada tem acontecido. Uma série de ações de política pública tem sido desencadeada mundo afora, com o objetivo manifesto de avançar-se em direção à sustentabilidade. Até mesmo os incrédulos devem concordar que o mundo, hoje, nem de longe é igual ao que existia antes da Rio 92.
         A sensação de fracasso que toma conta da sociedade após cada conferência da ONU, como a recente Rio + 20, pode ser explicada, em boa medida, pela dificuldade em se fazer com que as diretrizes contidas no conceito de Desenvolvimento Sustentável cheguem, com clareza, ao cotidiano da humanidade.
Por outro lado, as interpretações desse conceito - que constam de uma gama variada de teses de doutorado e dissertações de mestrado -, embora logrem explicar a importância da sustentabilidade para o futuro do planeta, carecem de uma leitura concreta de suas implicações na vida das pessoas.
         A sustentabilidade do dia a dia, aquela que depende do que se faz na rotina, e que a maioria das pessoas conseguiu traduzir em iniciativas como separação do lixo, economia de água, bem como na busca de formas alternativas de energia elétrica - somente para ficar nos melhores exemplos -, ainda carece de maior delineamento.
         A sustentabilidade do dia a dia deve ir bem além do lixo, da água ou da eletricidade, deve compreender tudo o que se consome, desde o momento em que se acorda, até a hora em que se vai dormir.
         Em resumo, a sustentabilidade do dia a dia é um modo, menos complexo, diga-se, para se entender e praticar o conceito de Desenvolvimento Sustentável.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 13 de agosto de 2012


Estudo do Inpe revela o óbvio: onde há fumaça, há fogo
* Ecio Rodrigues
Foram necessários 12 anos de espera para que uma resposta definitiva fosse dada à pergunta que era feita a cada estação seca: a fumaça que respiramos, e que tanto mal causa à saúde, provém das queimadas ocorridas no próprio Acre, ou é produzida em outros estados (Rondônia e Mato Grosso), ou ainda, no país vizinho da Bolívia?
A pergunta, na verdade, punha em dúvida a responsabilidade da população do Acre frente ao flagelo imposto pela fumaça - que, entre outras sequelas, fecha o aeroporto e enche os hospitais com crianças acometidas com graves infecções respiratórias.
Os governos, por seu turno, achavam cômodo e interessante estimular a dúvida. Afinal de contas, sempre que existe diluição de responsabilidades, as autoridades são as mais beneficiadas pela ausência, ou melhor, aparente ausência, de culpa.
Muitos pesquisadores e técnicos, a serviço ou não de governos, envolviam-se na discussão infrutífera acerca da origem da fumaça no Acre. Saber de onde viria a fumaça se tornou, infelizmente, uma prioridade inútil de alguns ingênuos úteis. Claro que o que importava, tanto para os pesquisadores, quanto para a população em geral, era a fumaça em si, e de que maneira ela poderia ser evitada ou minimizados os seus efeitos.
Mas, enquanto a hipótese falsa da origem da fumaça criava uma cortina de fumaça (perdoe-se o trocadilho), os governos se abstinham, os pesquisadores se entretinham, e a vida no estado se tornava um martírio por não menos que 60 dias, entre os meses de julho a setembro, ano após ano.
E esse falso dilema técnico-ambiental teria permanecido por mais um bom tempo, não fosse a atuação exemplar do Ministério Público, federal e estadual, que tomou a iniciativa de perguntar ao Instituto de Pesquisas Espaciais, o Inpe, de quem era a culpa pela fumaça jogada nos céus do Acre.
Cabe destacar aqui o acerto em se acionar o Inpe, que é a maior autoridade científica do Brasil para monitoramento e análise dos temas relacionados às queimadas, fumaça e alterações no clima. Vale dizer, a resposta do Inpe, agradando ou não, teria  caráter definitivo.
E a resposta, que colocou a responsabilidade pela fumaça do Acre nas costas de ninguém menos que os próprios acreanos, não poderia ser mais óbvia: onde há fumaça, há fogo. Não existe mais qualquer dúvida quanto ao fato de que, no Acre, a fumaça é oriunda das queimadas realizadas em território estadual.
A resposta do Inpe, que deve ter desagradado os que esperavam culpar os bolivianos por mais uma das mazelas estaduais, chama atenção para as consequências perigosas do uso público de hipóteses científicas de difícil comprovação.
Ocorre que, enquanto havia dúvida em relação à origem da fumaça, não se realizavam ações de política pública para se resolver a catástrofe. Ora, como se poderia resolver um problema criado em outros lugares?
Em sendo assim, estimular a dúvida se tornava a melhor e mais cômoda ação de política pública - a ponto de ninguém, em momento algum, questionar que o Acre teria que adotar como prioridade zerar a queimada, para somente depois perguntar de onde viria a fumaça. Mas o combate a esse maléfico procedimento é algo que os governos relutam em fazer, por entenderem que o pequeno produtor precisa queimar para comer. Um raciocínio bastante comum, aliás, embora totalmente equivocado.
Assumindo-se que a resposta do Inpe inaugura um novo momento para tratar do polêmico assunto da fumaça, é chegada a hora de o Ministério Público cobrar das autoridades públicas a igualmente polêmica medida da Queimada Zero; pois os governos, acostumados que estão, podem querer continuar a estimular a dúvida.
Quando o Acre conseguir virar a página das queimadas, a sociedade perceberá que os dividendos econômicos e sociais serão bem superiores aos trazidos pela nefasta técnica; quanto a isso, não há a menor dúvida.
   
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 6 de agosto de 2012


Greve de professores federais expõe apagão técnico na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Os professores das universidades federais vinham, desde o final do ano passado, tentando alertar os dirigentes que cuidam da pasta da Educação que os acordos feitos no governo anterior teriam que ser honrados. Além do fato de o mesmo grupo político ter permanecido no poder - o que por si só deveria justificar o cumprimento das obrigações assumidas -, os acordos foram assinados mediante o comprometimento de receitas futuras do governo federal.
Em março deste ano de 2012 venceu o prazo que o governo tinha para cumprir um dos pontos do acordo, relacionado ao reajuste salarial (quase insignificante, diga-se, de 4%) dos professores, o que não aconteceu. As entidades de representação dos professores tentaram organizar reuniões com o governo, que se fez de mouco, alegando que ainda não havia nomeado um representante - isso mesmo, um representante! -, para realizar a negociação com os professores.
Na maioria das universidades federais, o movimento de greve viria a ser desencadeado apenas em 17 de maio. Até esse momento, passados mais de 70 dias do descumprimento do acordo, o governo não se movimentou para evitar a greve, o que requeria somente um pouco de vontade política.
Por outro lado, os professores universitários aceitaram, no final de 2008, o argumento do governo de que, diante da impossibilidade orçamentária para um reajuste decente em um só exercício fiscal, seria preciso comprometer orçamentos futuros da União para a recuperação das perdas salariais.
Argumento que se mostrou, no mínimo, questionável, em vista da fartura de recursos que foram aplicados na instalação de mais de 200 Institutos Federais de Ciência e Tecnologia, que pululam país afora, oferecendo cursos de nível técnico e superior, e dispondo-se a competir, como no caso do Acre e outros estados amazônicos, com a atuação da própria universidade federal, que o governo parece ter esquecido.
Com a paralização das universidades amazônicas, a carência de profissionais que elevem a dinâmica econômica na região amplia o que já estava no limite. Quando o tema é o aproveitamento da diversidade biológica do ecossistema florestal, uma vocação produtiva natural da região, aí nem se fala.
Ao que parece, existe uma distância enorme entre o discurso da prioridade e a prática da prioridade. Para o governo federal, a Educação é uma daquelas prioridades menos prioritárias que as demais. Vem depois de asfaltamento, pontes, hidrelétricas, estádios, e assim por diante.
Na área de Ciência e Tecnologia não é diferente. A bem da verdade, os dois temas disputam entre si para ver qual das duas prioridades é menos prioritária. Faz tempo que o Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, não publica editais que denotem a existência de algum empenho público, no que diz respeito à geração de conhecimento.
 Mediante o Programa Ciência sem Fronteiras, o diminuto orçamento do CNPq tem sido destinado a financiar, até 2015, o intercâmbio 7.000 graduandos, mestrandos e doutorandos no exterior. É como se nenhum dirigente público atentasse para o fato de que, por meio da iniciativa privada (famílias e empresas), mais de 200 mil brasileiros já vão para o exterior todos os anos em intercâmbios. Ou seja, qual o sentido de um programa como o Ciência sem Fronteiras, e em que ele ajuda o país?
Parece evidente que as decisões de investimento público, na área de Educação e na geração de conhecimento, têm sido determinadas por fins políticos eleitorais, e não por prioridades – motivações que, nem é preciso mencionar, são incompatíveis entre si. E, ademais, se a prioridade é a eleição de ex-ministros da pasta respectiva, talvez fosse mais proveitoso pôr os eventuais candidatos para construir estádios de futebol.
Voltando à Amazônia, diga-se que nessa região, onde a dependência do orçamento público é bem maior, os efeitos da falta de prioridade para as universidades federais são sentidos no cotidiano das pessoas. A despeito de o governo federal não acreditar nisso.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre