Sobre a alagação de 2012 na várzea do Rio Amazonas
* Ecio Rodrigues
Em 2012, a cheia do inverno amazônico foi alçada à condição de alagação
em diversas cidades da região. Os rios Acre e Purus castigaram as cidades de
Rio Branco e Boca do Acre, respectivamente. Da mesma forma, o rio Negro inundou
Manaus, e o Amazonas chegou às praças de municípios ribeirinhos, como
Itacoatiara e Urucurituba.
Conforme asseguraram os estatísticos que monitoram os rios na Amazônia, chegou-se
aos mais altos níveis de vazão, ultrapassando-se em muito a cota de
transbordamento. Um novo índice começou a ser medido: o tempo de duração da
alagação.
Acontece que quem ficou alagado, permaneceu assim por mais tempo que o habitual,
porque a alagação durou mais de um mês. Os produtores ribeirinhos que ficaram
alagados viram seus cultivos serem sacrificados, pela submersão e pela força da
correnteza, durante muito tempo.
Ainda agora, no mês de setembro – quando o problema em alguns rios dessa
exuberante bacia hidrográfica passou a ser a falta d’água, sob riscos elevados
de ocorrência de secas extremas e de colapso no abastecimento urbano –, perdas
irreparáveis são facilmente observadas. Essas perdas dizem respeito ao estrago
que a água fez ao deixar submersa a produção praticada na beira do rio.
Em geral, as unidades produtivas existentes às margens do Amazonas praticam
o cultivo familiar de alguns produtos agrícolas (milho, arroz, feijão e
macaxeira), bem como a extração de alguns produtos florestais (como os frutos e
o palmito do açaí e de outras palmeiras).
No entanto, a perda mais expressiva sofrida pelos ribeirinhos, na
ausência de uma ocupação mais expressiva pela atividade pecuária, ficou por
conta dos prejuízos nos cultivos de cacau.
Tanto os povoamentos mais antigos, cujas árvores foram plantadas ainda no
início do século passado, quanto os mais recentes, foram reduzidos à metade.
Não será exagero se falar em perda de 50% nesses cultivos.
A despeito de se caracterizarem por elevada rusticidade, os pés de
cacaueiro não resistem à submersão por longo período, como ocorreu nessa última
alagação. Todos os frutos que estavam em altura mais baixa e que permaneceram
debaixo d’água por alguns dias apodreceram.
Além da submersão, a ampliação da vazão trouxe outras consequências danosas
para os cultivos de cacau.
Ocorre que é difícil para as árvores aguentarem a força da correnteza. Ante
a ampliação da vazão, há maior quantidade de água, que, por sua vez, corre sob
maior velocidade. O que estiver no rumo da correnteza é levado, formando o que os
ribeirinhos chamam de tranqueiras, que derrubam e arrastam as árvores que estão
no caminho, que, por sua vez vão se acumular na própria tranqueira ampliando
seu potencial destruidor, como o efeito bola de neve.
Agora, na seca, os estragos nos cultivos de cacau estão bem visíveis. Uma
vez que os ribeirinhos estão ocupados com a pesca (que é boa enquanto o rio
baixa), somente daqui a alguns meses, com a proximidade do inverno e uma nova
estação de chuvas, é que as árvores deverão ser podadas, e aquelas que arriaram
deverão ser abatidas.
Os povoamentos, reformados à força das águas, ou das alagações, começarão
a frutificar novamente a partir de janeiro, fornecendo uma safra que, espera-se,
compense a safra que acabou de se perder.
O ciclo será renovado; a várzea do Amazonas, com cada vez menos mata
ciliar, continuará sendo exuberante; e as pessoas continuarão a achar tudo muito
natural.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
Nenhum comentário:
Postar um comentário