Democracia americana e a
hora no Acre
* Ecio Rodrigues
É difícil para a sociedade brasileira entender a democracia americana.
Sempre que acontecem eleições nos Estados Unidos, como a imprensa nacional não
consegue explicar os mecanismos adotados naquele país, fica a sensação de que o
processo não seria plenamente democrático, em face da existência de um colégio
eleitoral.
Nesse último pleito, que levou Barack Obama ao segundo mandato, os
comentaristas chegaram mesmo a insinuar (com um gostinho de superioridade
democrática tupiniquim) que os resultados da eleição poderiam levar ao
questionamento do sistema eleitoral; é que, como a votação seria apertada,
haveria o risco de o candidato mais votado pelo povo perder no colégio
eleitoral – da mesma forma que ocorreu em 2000, quando Al Gore perdeu a
presidência para George W. Bush.
Ora, em primeiro lugar, estamos falando de um sistema eleitoral
instituído no século XVIII pelos chamados “Patriarcas Americanos”, os
fundadores da maior e mais conceituada democracia do planeta. São regras que
existem há mais de 200 anos e que resistiram a uma guerra civil sangrenta. Não
existe possibilidade de serem revistas. Para os americanos, mais importante que
as regras é a permanência delas – o que consolida as tradições e, em última
instância, o sistema democrático. Por isso eles têm, desde sempre, uma única
constituição.
Em segundo lugar, não é porque existe um colégio eleitoral que a
democracia não se realiza de forma cabal. O presidente é, sim, eleito pelo voto
popular – sem falar em todo o processo anterior às eleições propriamente ditas
(as chamadas “primárias”). Contudo, a fim de se resguardar o federalismo
conquistado a tão duras penas, elaborou- -se um mecanismo que também valoriza
os estados. Assim, o partido que vence as eleições num determinado estado
indica os representantes desse estado no colégio eleitoral, em número
proporcional ao peso daquele eleitorado no conjunto nacional.
A um estado como Montana, por exemplo, cujo eleitorado corresponde a
menos de um por cento do eleitorado nacional, cabe indicar três eleitores (o
mínimo) para o colégio eleitoral; o partido que vence as eleições em Montana,
mesmo que seja por um voto de diferença, tem direito a indicar todos os três
delegados.
Em face do peso que é conferido aos pequenos estados para reduzir o
impacto decorrente da diferença demográfica frente aos grandes estados, pode
acontecer de um candidato obter (em números absolutos) mais votos populares e,
a despeito disso, não ser eleger no colégio eleitoral. Sem embargo, trata-se de
evento raríssimo, que só aconteceu quatro vezes em toda a história americana, e
em eleições apertadíssimas. Nesses casos, os estados definiram quem seria o
presidente.
O absoluto respeito à vontade popular é o princípio em que se assenta a
democracia americana. Cada estado federativo inclui na cédula eleitoral um
conjunto de questões a serem deliberadas pela população, que vão de algo
singelo, como a construção de uma ponte, a matérias complexas (e controversas),
como a liberação da maconha e o casamento de pessoas do mesmo sexo. No frigir
dos ovos, a escolha do presidente é só mais um assunto (importante, obviamente)
a ser decidido pelo povo.
Essa inserção, no processo eleitoral, de consultas populares, sob a
dimensão alcançada pelos americanos, é algo único no mundo. Como também o é a
determinação de se mover todas as forças para que essas decisões sejam
cumpridas.
E é aqui que chegamos ao horário do Acre. Difícil imaginar (no âmbito de
nações democráticas, obviamente) algo tão agressivo à democracia, quanto o fato
de a população de um estado aprovar nas urnas um referendo decidindo o seu fuso
horário, e a decisão do povo ser desrespeitada de forma tão acintosa.
Como se fosse um conluio, o governo, a imprensa, a Ordem dos Advogados, o
Ministério Público, as organizações da sociedade – todos, em suma, desdenham da
democracia.
* Professor da
Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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