terça-feira, 27 de agosto de 2019



Movimento ecológico e a crítica ao modelo de desenvolvimento atual
* Ecio Rodrigues
É inegável a dimensão alcançada pelo movimento ecológico, bem como sua importância para a sociedade contemporânea. Atualmente, com maior ou menor força, os ecologistas possuem algum tipo de representação política na maior parte dos 193 países-membros do sistema ONU.
No entanto, em função das poucas estatísticas disponíveis e do conteúdo um tanto genérico das informações existentes, é difícil empreender um estudo mais aprofundado a respeito da história desse movimento, desde sua origem até o alcance da amplitude atual.
Argumenta-se que, por exigir um leque bastante variado e multidisciplinar de análises, os temas ecológicos costumam ser tratados de forma superficial, o que justifica o lapso de informações.
Explicando melhor. É difícil encontrar uma análise histórica sobre o surgimento e a evolução da preocupação com a ecologia que não compreenda também a evolução do conhecimento em torno dos assuntos biológicos e bioquímicos, tanto com relação às espécies da fauna e flora quanto aos ecossistemas.
De outra banda, todo estudo centrado no movimento ecológico não pode deixar de abranger – além de suas implicações sociais, políticas e econômicas –, a atuação das ONGs ambientalistas.
Distanciando-se do dualismo que sempre distinguiu a disputa entre esquerda e direita, questionando o industrialismo e o padrão de desenvolvimento imposto pela Revolução Industrial, os ecologistas abriram nova frente de ativismo – em defesa do meio ambiente, porém sem o romantismo que em geral guiava os adeptos da vida ao natural.
Ao suplantar o espectro de ação dos partidos políticos – circunscrito à rotulação esquerda/centro/direita –, o movimento ecológico despertou animosidades e desconfianças.
Ocorre que a causa defendida por esses novos atores, os ecologistas, não se relacionava diretamente ao sistema político-econômico, mas, sim, ao modelo de desenvolvimento adotado pela humanidade a partir da Revolução Industrial, com a invenção da máquina a vapor e a mecanização da produção – e, posteriormente, com o surgimento da eletricidade e dos combustíveis fósseis, na esteira da chamada Segunda Revolução Industrial.
Esse modelo, ancorado na exploração ilimitada de recursos naturais limitados para atender a um padrão de consumo igualmente ilimitado, estaria fadado ao fracasso por uma razão bem simples: insustentabilidade ecológica.
Ou seja, independentemente de questões de cunho ideológico, o movimento ambientalista apontou um erro de origem no padrão de consumo humano, que deveria ser corrigido antes que a vida no planeta entrasse em colapso.
O industrialismo é a base de um desenvolvimento que – tendo se mostrado, especialmente ao longo do último século, utilitarista de recursos naturais, degradador de ecossistemas e produtor de dejetos, em quantidade impossível de ser reciclada ou assimilada pelo meio – condena a humanidade ao extermínio.
Enfim, os conflitos ecológicos, surgidos quando o homem evoluiu do nomadismo para o sedentarismo e iniciou a domesticação da natureza, ampliaram-se sobremaneira quando o industrialismo domesticou o homem na linha de montagem.
Chegar ao ecodesenvolvimento, como pretende o movimento ecológico mundial, significa evoluir para alcançar o respeito à resiliência e à resistência do planeta. Eis aí.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


terça-feira, 20 de agosto de 2019



Cooperação com Alemanha é crucial para Amazônia
* Ecio Rodrigues
Reza o folclore futebolístico que, numa reunião entre jogadores e equipe técnica da seleção em torno da estratégia a ser adotada num jogo contra a Rússia, ficou decidido que Garrincha deveria driblar os marcadores, chegar à linha de fundo e cruzar para Pelé cabecear e marcar um gol.
Sem compreender como o planejamento conduz à consecução de metas e objetivos – e por isso um gol, desde que planejado, fica mais fácil de ser alcançado –, Garrincha responde: “Ok! Mas já combinamos com os russos?”
O emprego e o apoio a processos de planejamento em programas de educação, saúde, segurança e controle do desmatamento tem sido o foco e a essência da cooperação alemã para o Brasil e, neste último caso, para a Amazônia.
Atuando por intermédio de sua agência de cooperação internacional, conhecida pelo acrônimo GIZ, os alemães difundem em todo o mundo um tema pelo qual têm obsessão, que configura verdadeira vocação nacional: a concepção e aplicação de método de planejamento.
Para os alemães, todo projeto de desenvolvimento pode ser concretizado com sucesso por meio da utilização de um método eficaz de planejamento – seja de curto, médio ou longo prazo.
Nada mais desafiador, impossível deixar de reconhecer, para um povo que é planejador por natureza, levar uma cultura sem tradição nessa área, como a brasileira, a incorporar, na execução de políticas públicas, técnicas de planejamento, ainda que elementares.
No que concerne à Amazônia, é inegável a importância da cooperação técnica e do dinheiro doado pelos alemães. A lista dos projetos que contam com o apoio da GIZ na região é interminável, merecendo destaque a prioridade conferida ao monitoramento e controle do desmatamento.
Não à toa, a maior parte dos estados amazônicos, por insistência e devoção quase religiosa dos alemães, logrou levar a cabo em seus respectivos territórios o zoneamento ecológico-econômico, ou ZEE.
Considerado um marco decisivo para o macroplanejamento da ocupação produtiva de uma determinada região, no contexto amazônico o ZEE serve para definir as zonas destinadas ao agronegócio e à agricultura familiar, onde o desmatamento é permitido; e também para delimitar as terras reservadas à exploração comercial da biodiversidade florestal, onde, por óbvio, não se pode desmatar.
Depois de concluído o ZEE, chega-se a um mapa de gestão territorial da produção rural; esse instrumento possibilita que as ações de fiscalização estatal, cujos custos são exorbitantes para a sociedade, tragam resultados mais efetivos.
Os fracassos observados na condução do ZEE nos estados se devem, sem nenhuma dúvida, à dificuldade intrínseca aos produtores, gestores – enfim, aos atores sociais da Amazônia – para assumir e implementar as diretrizes pactuadas e planejadas durante as negociações, mesmo quando essas diretrizes são convertidas em legislação estadual.
Se a Garrincha parecia difícil entender o valor do planejamento, deve ser incompreensível para os alemães da GIZ a postura assumida pelo governo federal, que desconsiderando todo o caminho percorrido e os avanços obtidos pela cooperação internacional na Amazônia, tira do obscurantismo uma visão anacrônica, há muito superada, e se vale de um nacionalismo retrógrado para defender uma noção de soberania tosca e perniciosa sobre a região.
Todo o êxito alcançado no controle do desmatamento até 2018 tem a contribuição dos alemães, justamente em função do compromisso que assumiram, por mais de quatro décadas, com a conservação da Amazônia – e que não pode ser abalado pela incompetência de um mandato governamental.  
Vamos admitir, planejamento não é mesmo o nosso forte; como diria Garrinha: é melhor contar com os alemães!

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


quarta-feira, 14 de agosto de 2019


“The Economist” condena desmatamento na Amazônia

A edição de 1º de agosto da prestigiada revista inglesa “The Economist” faz, em matéria de capa, um alerta a respeito dos riscos trazidos pelo aumento do desmatamento na Amazônia brasileira.
Afirmando que o Brasil pode “salvar a maior floresta da Terra – ou destruí-la”, o periódico adverte quanto ao perigo que representa para o planeta a guinada promovida pelo governo brasileiro na política ambiental desde janeiro de 2019.
Retratando um cenário extremamente crítico, a matéria destaca a devastação da floresta secular e descreve, com conhecimento, algumas ações do atual governo que classifica como inaceitáveis – como o desrespeito às instituições e o incentivo ao desmatamento.
Para a revista, é inconcebível que autoridades públicas, cujas responsabilidades passam pela valorização e fortalecimento das instituições, atuem no propósito de desmoralizá-las.
Não faltam exemplos desse tipo temerário de conduta na esfera do governo federal.
O caso mais recente, que contrapôs, de um lado, os ministérios do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia, e, de outro, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), evidencia que o tom alarmante assumido pela reportagem tem razão de ser.
Acontece que o Inpe, desde 1988, com base em imagens de satélite (sempre fotografadas no período que vai de 01/08 a 31/07 do ano seguinte), calcula a taxa anual de desmatamento na Amazônia.
De excelência internacionalmente reconhecida – em especial nas instâncias de monitoramento ambiental da ONU –, o trabalho desenvolvido pelo Inpe prima pela precisão, servindo de referência a inúmeras teses e artigos científicos publicados mundo afora.
Sem embargo, os titulares dos dois ministérios, contrariados diante do registro de aumento do desmatamento, demonstrando ignorância e não se dando conta da gravidade de suas declarações, tampouco da repercussão negativa que teriam, levantaram dúvidas em relação ao rigor e à isenção da instituição de pesquisa, chegando ao ponto de afirmar – pasme-se! – que os cientistas do Inpe estariam a serviço de ONGs internacionais.
(Sabe-se lá o que diabos isso significa.)
Por sua vez, órgãos ambientais também foram questionados e desqualificados pelo ministro do Meio Ambiente – ou seja, pelo próprio gestor público responsável por sua atuação.
Assim se deu com o Fundo Amazônia, principal mecanismo público para captação de recursos internacionais destinados ao controle do desmatamento. Sob a responsabilidade do eficiente BNDES, a gestão do fundo foi desacreditada pelo ministro de maneira ignóbil, de tão leviana.
“The Economist” insta os países que compram a soja e a carne do agronegócio brasileiro a “não tolerar o vandalismo” do governo com a Amazônia.
De forma inusual, proclama a publicação que é considerada uma verdadeira bússola de mercado pelos liberais do mundo:
Os parceiros comerciais do Brasil devem condicionar os acordos ao bom comportamento do país. O tratado firmado em junho pela União Europeia e pelo Mercosul, bloco comercial sul-americano do qual o Brasil é o maior membro, já inclui cláusulas para proteger a floresta tropical. E é do interesse das partes que sejam obedecidas”.
O alarme, como se observa, não vem de ecologistas esculachados pelo governo. Vem da conceituada “The Economist”. A revista que o mundo lê. Não seria prudente cuidar da Amazônia?  

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva, 11/08/2019

quarta-feira, 7 de agosto de 2019



ONGs e movimento ecológico
* Ecio Rodrigues
Pode-se afirmar que existe consenso no mundo quanto à relevância do movimento ambientalista, ou ecológico, para a conquista de um padrão diferenciado de desenvolvimento planetário, no qual se reconheçam os limites da capacidade de suporte dos ecossistemas.
De igual modo, também parece consensual que o conceito de desenvolvimento sustentável, surgido na conferência da ONU realizada no Rio em 1992, traduz um ideal a ser alcançado no médio prazo pela civilização contemporânea.
Embora de reconhecida importância, o movimento ecológico é alvo de críticas –que se desdobram, por assim dizer, em duas vertentes. Pela primeira, questiona-se sua suposta neutralidade política: dependendo da pauta em questão, se a despoluição de um rio ou a defesa do desmatamento zero na Amazônia, pode se aproximar ora da direita, ora da esquerda; ora de patrões, ora de trabalhadores.
Mais grave é o questionamento relacionado à ausência, no campo da ecologia, de padronização de metodologias de pesquisas cientificamente aceitas em âmbito internacional. De certa maneira, enquanto os prognósticos ecológicos são quase sempre trágicos, as metodologias para chegar a esses prognósticos são quase sempre frágeis.
Para os ambientalistas, por seu turno, essa dificuldade de padronização decorre da abrangência e interdisciplinaridade dos temas ecológicos – o que, certamente, prejudica a sustentação científica dos prognósticos, na maioria das vezes apocalípticos.
As críticas a posicionamentos tidos como políticos do movimento ambientalista se acentuaram com a institucionalização da pauta dos ativistas, por meio da criação das entidades batizadas de organizações não governamentais, ou ONGs.
Sem embargo dessas críticas, contudo, parece estar nas ONGs a possibilidade de aproximar o tema ambiental da sociedade civil.
Mais recentemente, em face justamente da conotação política conferida à sigla “ONG”, essas entidades passaram a ser denominadas como OSC (organização da sociedade civil) ou como Oscip (organização da sociedade civil de interesse público – título atribuído pelo Ministério da Justiça).
Por outro lado, para diferenciá-las da atuação do Estado (primeiro setor) e do mercado (segundo setor), passaram a ser reconhecidas também como organizações do terceiro setor.
Existe uma infindável discussão em torno das atribuições a serem desempenhadas pelo Estado e pelo mercado para a solução de conflitos relacionados a assuntos difusos de meio ambiente, sobretudo quando de um lado se encontra uma empresa, que gera empregos, e, de outro, uma comunidade que recebe os impactos ambientais decorrentes daquele empreendimento.
Dessa forma, as ONGs ecologistas exercem um papel decisivo, ao suprir essa lacuna. E muito embora não se voltem para a defesa de trabalhadores ou de causas sociais, ao cobrar, do Estado e do mercado, um esforço em prol do desenvolvimento sustentável, questionando os cânones da Revolução Industrial que moldaram preceitos sociais e econômicos ainda vigentes no século XXI, as organizações ambientalistas muitas vezes se aliam à agenda defendida pelos movimentos sociais.
De toda sorte, o movimento ecológico precisa superar algumas contradições internas, no sentido de melhorar a percepção da sociedade, na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, quanto à sua atuação determinante para o alcance da sustentabilidade.
Quando, por exemplo, ativistas se aferram em resgatar cães clonados usados em testes de laboratório, fica claro que o dilema histórico entre preservacionismo e conservacionismo ainda está longe de ser resolvido.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre