segunda-feira, 20 de maio de 2013


Projeto Ciliar Cabeceiras do Purus chega a Manoel Urbano
* Ecio Rodrigues
Os resultados das pesquisas e levantamentos realizados no âmbito do Projeto Ciliar Cabeceiras do Purus serão apresentados nas escolas e na Câmara de Vereadores de Manoel Urbano. Com o sugestivo slogan “Conservando além das águas”, o projeto aplicou metodologia desenvolvida pela Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre para o estudo sobre a interação existente entre as matas ciliares e os rios.
Trata-se, de certa forma, de uma continuidade do “Ciliar Só-Rio” – projeto que realizou amplo diagnóstico da mata ciliar presente nos oito municípios cortados pelo rio Acre ­–, com um ingrediente importante, porém: é que as três cidades do Acre cortadas pelo Purus (Santa Rosa do Purus, na fronteira com o Peru; Manoel Urbano; e Sena Madureira, na fronteira com o Amazonas) estão localizadas na área de influência da cabeceira do rio.
Ora, o comprometimento das condições ambientais na área de influência das cabeceiras acarreta um efeito cascata (sem trocadilho), que, por sua vez, pode pôr em risco a qualidade e a quantidade da água que chega às cidades localizadas a jusante, até a foz do Purus, no rio Solimões. O Solimões, como se sabe, forma o rio Amazonas ao encontrar o rio Negro, nas proximidades de Manaus.
Ou seja, o desmatamento nas cabeceiras do Purus conduz a uma sucessão de consequências perigosas, que alcançam um dos mais importantes rios do planeta – o Amazonas.  Por isso, a privilegiada localização geográfica das cidades cortadas pelo rio Purus representa um adicional de responsabilidade para as administrações locais.
É certo, contudo, que cuidar dessa extensa área de influência da cabeceira do rio não é tarefa fácil. Além de demandar a produção de um cabedal de informações passíveis de compreensão pelos técnicos municipais, a empreitada depreca, ainda, um volume de investimentos financeiros geralmente indisponível para essas municipalidades.
Contribuir para solucionar o primeiro componente dessa difícil equação – ou seja, para a geração de informações acessíveis pela sociedade local – foi o principal objetivo enfocado pelo Projeto Ciliar Cabeceiras do Purus.
O projeto foi apoiado com recursos do CNPq na ordem de 100 mil reais, aplicados, primeiramente, num mapeamento efetuado com imagens de satélite, que aferiu o tipo de floresta existente na mata ciliar e seu grau de antropização – de desmatamento, para ser mais específico.
O segundo passo foi a realização de um amplo inventário na mata ciliar, abrangendo os três municípios, a fim de assinalar as espécies de árvores e arbustos presentes naquelas formações florestais e, o principal, calcular as 20 espécies que podem ser consideradas mais importantes para a restauração das áreas desmatadas.
Ante os resultados do mapeamento por satélite e do inventário florestal foi possível definir os trechos de mata ciliar que precisam ser restaurados, a largura ideal que a faixa de mata ciliar deve ter em cada cidade e, finalmente, as espécies que devem ser usadas nos plantios de restauração florestal.
O projeto se encontra, atualmente, em sua fase de extensão, direcionada para conscientizar o público beneficiário a respeito de duas constatações cruciais. Primeiro, que há forte relação entre a mata ciliar e a quantidade e a qualidade da água que corre no rio. Segundo, que essa relação é ainda mais intensa na área de influência da cabeceira.
Os municípios cortados pelo Purus devem se voltar para as margens do rio. Num futuro cada vez mais próximo, serão cobrados pelo que acontece ali – vale dizer, pelo descaso com suas matas ciliares e pelas implicações que esse descaso trará a outras cidades e à bacia do Amazonas.
Por outro lado, cabe aos governos estaduais e às empresas que prestam serviços de abastecimento d’água pagar pela conservação das matas existentes na região de influência das cabeceiras do Purus. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 13 de maio de 2013


Sobre capados e queixadas
* Ecio Rodrigues
Entre os bichos domesticados e os selvagens, os que vieram sabe-se lá de onde e os nativos, os que são fáceis de manejar e os que exigem cuidados especiais, os que possuem pacote tecnológico completo para serem criados e os que ainda precisam de muita tecnologia a ser desenvolvida, não há melhor exemplo para discussão do que o porco.
No Brasil, denomina-se “capado” o porco que alimenta o mundo. Aquele do qual foram retirados os testículos para o favorecimento da engorda. Trata-se de um dos animais mais comuns no planeta, usados em larga escala para alimentar as pessoas de todas as classes sociais em praticamente todos os países.
A fim de cumprir o seu desígnio de fornecer proteína para uma quantidade imensurável de gente, esses dóceis animais passaram por processo intenso e permanente de melhoramento genético, visando ao aumento da carcaça e ao incremento da carne produzida, bem como ao aprimoramento do sabor. Tudo para facilitar a lida diária do produtor e satisfazer as exigências do consumidor.
Queixadas, por outro lado, são porcos selvagens, nativos de biomas como o das florestas amazônicas, onde são bastante frequentes. O queixada é um animal que se alimenta dos recursos encontrados no interior da floresta e vive acompanhado por algumas fêmeas e filhotes, formando grupos que migram de um lugar para outro de forma constante.
O queixada é apreciado por sua índole selvagem e pelo sabor exclusivo e exótico de sua carne. Não obstante, diferentemente do capado, não é consumido regularmente, nem mesmo na sua região de origem.
Acontece que o capado é produzido em larga escala, sob incentivo financeiro governamental, constituindo um negócio muito importante para a composição da riqueza nacional e envolvendo centenas de produtores.
Todavia, se, em relação à produção de capados, o ambiente de negócios (como costumam chamar os administradores) pode ser considerado excelente, o manejo e a criação de queixadas são objeto de preconceito exagerado, o que leva a uma série de restrições que, por sua vez, tornam essa atividade proibitiva para os pequenos e médios produtores amazônidas.
E por falar em ambiente, é bem possível que a maior restrição para que a carne de queixada complemente a dieta humana venha dos analistas da esfera ambiental dos governos. Há uma contradição perniciosa, entre as muitas que comprometem a atuação dos órgãos ambientais, que faz com que os defensores do meio ambiente têm manifesta preferência pelos capados.
Contradição, em primeiro lugar, porque os ambientalistas são os primeiros a questionar a produção de alimentos que passam por melhoramento genético e as cruéis condições impostas aos animais que são levados à mesa do consumidor. Ora, ambas as situações podem ser aplicadas aos capados.
Contradição, em segundo lugar, porque esses mesmos ambientalistas defendem a aproximação do homem com a vida selvagem e a possibilidade de a humanidade consumir alimentos menos manipulados pela tecnologia da produção em larga escala. Ora, esse é o caso dos queixadas.
Contradição, em terceiro lugar, porque a justificativa para as barreiras intransponíveis que são impostas ao manejo dos queixadas se baseia no fato de que o mercado legalizado – pasme-se! – poderia encobrir o mercado negro, abastecido com os animais ilegalmente abatidos na floresta.
Enquanto a maioria prefere os capados, domésticos e melhorados, uns poucos abnegados continuam a insistir que o manejo dos queixadas, selvagens e exóticos, merece uma chance.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre