quinta-feira, 26 de abril de 2012

Código Florestal. É agora?

*Alana Chocorosqui Fernandes

Na ultima quarta-feira, dia 25 de abril, foi aprovado na Câmara dos Deputados o texto-base do projeto que modifica o Código Florestal. Com a relatoria do Deputado Paulo Piau, o novo código florestal caminha para um fim perigoso, quando se trata da preservação do meio ambiente. 
Umas das principais modificações para atender ao setor agropecuário está na exclusão do artigo 1º do texto aprovado pelo Senado, que definia uma série de princípios que caracterizam o Código Florestal como uma lei ambiental, tornando-o assim, uma lei consolidadora de atividades agropecuárias e agrícolas, revivendo a possibilidade de anistia as degradadores.
Após retirar do texto a exigência de áreas de proteção permanente (APPs), o Relator voltou atrás, incluído essa necessidade no texto da lei, porém, não estabelecendo os limites das faixas de vegetação a serem aplicados nas margens dos rios, deixando a cargo dos municípios essa decisão, fragilizando essa temática. 
Agora, depois da aprovação do texto-base, os deputados começaram a analisar as 15 propostas de modificação. Após essa votação, o texto será analisado pela Presidente, que tem o poder de veta-lo total, ou parcialmente, ou ainda, de aprova-lo, se assim entender conveniente. Mais uma vez, só nos resta esperar a decisão dos nossos representantes, e torcer para que, um país que discute sustentabilidade, RIO + 20 e biodiversidade, possa fazer jus a esse discurso, também com suas leis.

*Alana Chocorosqui Fernandes e Professora da Universidade Federal do Acre, graduada em Engenharia Florestal e Tecnóloga em Gestão Ambiental.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Para evitar a tragédia dos comuns em Reservas Extrativistas
* Ecio Rodrigues
O surgimento das Reservas Extrativistas foi recebido pelos técnicos e pesquisadores que atuam na área ambiental como uma espécie de tábua de salvação para o processo de ocupação produtiva na Amazônia. Tratava-se de uma categoria especial de Unidades de Conservação que tinha potencial para incorporar à pequena produção florestal o respeito para com a capacidade de regeneração natural do ecossistema.
Finalmente, havia a concreta possibilidade de uma ocupação rural, voltada especialmente para o setor primário da economia, contrapor-se à opção representada pela agropecuária – atividade que, independentemente da escala na qual seja praticada, baseia-se no infausto princípio da substituição da floresta por algum cultivo, ou monocultivo, para ser mais exato.
Além de resgatar uma antiga dívida social do Estado brasileiro para com os seringueiros - que tiveram importante papel na conquista do território do Acre -, reconhecendo-lhes seu direito ao uso do recurso florestal, as Reservas Extrativistas poderiam ainda, mediante a adoção do preceito do uso múltiplo, renovar a forma de exploração dos recursos florestais, ampliando-se assim a cesta de produtos ofertados para além do binômio borracha e castanha.
A Reserva Extrativista, dessa forma, seria a resposta que há muito se buscava para solucionar-se de vez o impasse produtivo na Amazônia. Entretanto, havia um grande obstáculo a ser superado: a tese levantada em 1968 por Garrett Hardin, um biólogo americano, no artigo intitulado “A Tragédia dos Comuns”. Segundo essa tese, os recursos naturais (inclusive as florestas), quando submetidos à exploração por comunidades – ou seja, ao uso comum -, tenderiam à extinção, já que os produtores não respeitariam regras de uso que garantissem a continuidade da atividade produtiva.
Houve um esforço para se demonstrar que, no caso das Reservas Extrativistas, seria possível, sim, estabelecerem-se regras de exploração do recurso - regras essas inseridas na tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, que seriam obedecidas pelos produtores comunitários, de forma espontânea; ou seja, por iniciativa da própria comunidade, os produtores se autorregulariam e estabeleceriam certa ordem social.
O surgimento de uma ordem de modo espontâneo certamente é o primeiro passo para se evitar a tragédia dos recursos comuns, mas é difícil encontrar estudos mais aprofundados sobre o tema.
Contudo, como citado por Francis Fukuyama em A grande ruptura (Rocco, 2000), “Uma exceção é a obra da cientista política Elinor Ostrom, que coletou mais de cinco mil estudos de casos de recursos comuns, um número suficiente para lhe permitir começar a fazer generalizações com base empírica a respeito do fenômeno. Sua conclusão ampla é que as comunidades humanas, em várias épocas e lugares, têm achado soluções para a tragédia dos recursos comuns com muito mais frequência do que se prevê comumente. Muitas dessas soluções não envolvem nem a privatização de recursos comuns (a solução favorecida por muitos economistas), nem a regulamentação pelo Estado (a solução muitas vezes preferida por não economistas). Em vez disso, as comunidades conseguiram criar racionalmente regras informais e, às vezes formais, para dividir recursos comuns de uma maneira equitativa e que não conduz ao seu esgotamento prematuro. Essas soluções são facilitadas pela mesma condição que torna solúvel o dilema do prisioneiro com dois lados: a repetição. Isto é, se as pessoas sabem que terão de continuar a viver umas com as outras em comunidades limitadas onde a cooperação continuada será recompensada, elas desenvolvem interesses por suas próprias reputações, bem como pela monitoração e punição daqueles que violam as regras da comunidade.”
A chave para se evitar a tragédia dos comuns nas Reservas Extrativistas, portanto, está na condição de que as comunidades sejam pequenas e limitadas (como acima se grifou), o que facilita o controle interno. Todavia, para que essa condição se efetive, é imprescindível uma profunda compreensão do conceito de Reserva Extrativista.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Pela criação da Organização Mundial de Meio Ambiente
* Ecio Rodrigues
No período preparatório da Conferencia da Organização das Nações Unidas, ONU, a ser realizada no Rio de Janeiro em junho próximo - chamada de Rio + 20, numa alusão aos 20 anos da Rio 92 -, vem se fortalecendo a ideia de que o mundo precisa de uma organização internacional mais forte, ou com maior poder de fogo (sem trocadilho), para atuar na área ambiental.
Da mesma forma que existem organizações internacionais, vinculadas ao sistema ONU, para tratar de temas como comércio (Organização Mundial do Comércio – OMC); saúde (Organização Mundial da Saúde – OMS); trabalho (Organização Internacional do Trabalho – OIT), é chegado o momento de a área ambiental passar a ser regulada por uma agência com o status de organização mundial.
A preocupação com a situação ambiental não é recente na ONU. Ainda na década de 1960, em especial durante as negociações para realização da primeira conferencia internacional sobre desenvolvimento e meio ambiente, que aconteceu em Estocolmo em 1972, os países se uniram para criar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, na sigla em português.
Há mais de 40 anos, o Pnuma vem produzindo uma série de estudos e estatísticas sobre as características ambientais do planeta e as transformações perigosas que vêm acontecendo, em especial nesses últimos 40 anos. Com sede em Nairóbi, no Quênia, o Pnuma possui cerca de 1.100 funcionários, responsáveis pela publicação de documentos de referência para o tema ambiental, documentos esses que são usados por organizações sociais mundo afora, para pressionar os políticos a desenvolverem ações pró-ativas, visando a solução da grave crise ecológica atual.
Como afirma o Diretor Executivo do Pnuma, Achim Steiner, o mundo precisa valorizar os ativos ambientais, por meio dum novo sistema de preços que internalize as ditas externalidades ambientais, possibilitando, desse modo, que uma economia de baixo carbono se estabeleça. Uma floresta no Quênia, por exemplo, abastece com água uma dúzia de bacias hidrográficas, fornece umidade para a indústria do chá, além de estocar carbono – o que poderia significar U$ 1,5 bilhão ao ano para a economia do país.
Todavia, o Pnuma - na condição de programa voluntário, para o qual os países podem ou não contribuir - possui pouca força política no sistema ONU. Para se ter uma ideia, apenas 60 países-membros são seus partícipes. Assim, contando com um orçamento que não chega a US$ 100 milhões por ano, dinheiro oriundo principalmente do Japão, Reino Unido e outros países europeus, o Pnuma se vê limitado pelos recursos financeiros e, sobretudo, pela política.
Todas as decisões importantes tomadas, no âmbito do Pnuma, pelos ministros de meio ambiente que representam os seus respectivos países, deve ser aprovada pela Assembleia Geral da ONU. Assim, por exemplo, uma decisão que estabeleça regras de funcionamento para a poderosa indústria automobilística, que coloca milhares de toneladas de carbono na atmosfera todos os dias, só pode ser efetivada se for legitimada pela Assembleia Geral. Um procedimento, convenhamos, moroso e difícil de concretizar.
A transformação do Pnuma numa Organização Mundial, além de conferir um caráter obrigatório à contribuição financeira e ao envolvimento dos países, fornece também força política para a definição de regras que terão eficácia de lei internacional - ou seja, que independe do funcionamento do sistema ONU como um todo.
Em um processo um tanto desanimado de preparação para a Rio + 20 – evento que corre o risco de ser esvaziado, como têm sido as conferencias para renegociação do Protocolo de Quioto - a discussão sobre a transformação do Pnuma em Organização Mundial de Meio Ambiente surge para animar as discussões.
Encabeçada pelos países europeus, a proposta de criação da Organização Mundial de Meio Ambiente deveria ser apoiada pelo governo brasileiro.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Reservas Extrativistas e a tragédia dos recursos comuns
* Ecio Rodrigues
Foi o biólogo Garrett Hardin quem cunhou a expressão tragédia dos recursos comuns, para alertar sobre a inevitável exaustão dos recursos naturais (inclusive florestas), explorados por comunidades. Amparando-se em sólidas evidências, o pesquisador concluiu que todo recurso natural submetido à exploração por grupos de produtores seria extinto, pois o egoísmo faria com que cada produtor fosse levado a explorar o máximo do recurso, a fim de obter maiores ganhos e o mais rápido possível.
Haveria duas opções para impedir a extinção da floresta ou do recurso natural explorado pela comunidade. A primeira seria a privatização completa do recurso natural, de modo que uma empresa assumisse a sua exploração e cuidasse da manutenção do estoque. Uma vez que a sobrevivência da empresa dependeria diretamente da existência do recurso natural, a tendência era que essa exploração buscasse a sustentabilidade para evitar riscos de colapso da produção.
A segunda opção seria a estatal. Conforme assinala Hardin, um Estado forte e poderoso poderia sujeitar as comunidades ao cumprimento de regras para evitar a exaustão do recurso.
Sendo assim, as Reservas Extrativistas, por exemplo, concebidas no Acre e disseminadas mundo afora, e cuja sustentabilidade depende da exploração florestal comunitária, estariam fadadas ao fracasso, a menos que houvesse privatização completa ou estatização sob um poder público tendente ao autoritarismo. Vale dizer, duas alternativas difíceis de serem colocadas em prática - sobretudo no caso de regiões como a Amazônia - poderiam evitar a extinção que certamente aconteceria se o recurso fosse mantido sob exploração comunitária.
Posteriormente, muitos autores se debruçaram sobre a tese de Hardin, a fim de demonstrar que ele estava enganado. Ao contrário do egoísmo, individualismo e obsessão por ganhos elevados e rápidos, o produtor inserido em uma comunidade tenderia à valorização do bem coletivo. A fim de garantir sua sobrevivência, a vontade da maioria prevaleceria sobre a vontade de cada produtor isolado.
Francis Fukuyama, em A Grande Ruptura (Rocco, 2000), um estudo sobre a formação do capital social, preleciona que “a tragédia dos recursos comuns nada mais é que um jogo ampliado do dilema do prisioneiro com múltiplos participantes, no qual cada um deles tem a opção entre contribuir para a conservação dos recursos (cooperar) ou usá-los indiscriminadamente (trapacear). Ao contrário de um dilema do prisioneiro com dois lados, este problema não pode ser resolvido com a mesma rapidez através da simples repetição, em particular quando o tamanho do grupo de pessoas que cooperam é grande. Em grupos maiores, os abusos tornam-se muito mais difíceis de detectar. Este problema tem sido objeto de muita atenção por economistas e outros cientistas sociais ao longo da última geração como uma chave para resolver o problema mais amplo da origem da cooperação humana”.
Para Fukuyama, a expectativa de ganhos de longo prazo, ou sustentáveis, faz com que regras para o uso comum sejam cumpridas pela maioria. Afinal, “cada um tem um interesse a longo prazo numa reputação de honestidade, confiabilidade, qualidade e integridade, ou simplesmente de ser um grande benfeitor (...). Analogamente, os baleeiros, criadores ou pescadores que criam regras para exploração sustentada de recursos comuns não estão fazendo isso em nome de um senso de correção ambiental; é do seu interesse que os recursos não sejam esgotados, de forma que possam ter sua justa parcela a longo prazo”.
Ou seja, o produtor tende, por força da natureza humana, à cooperação. O que significa dizer que a comunidade conseguiria se auto-organizar, elaborar regras de manejo florestal e colocá-las em prática, evitando a exaustão da floresta e garantindo a sustentabilidade das Reservas Extrativistas.
Fazer com que a cooperação e a confiança mútua prevaleçam nas Reservas Extrativistas é algo decisivo para a sua sustentabilidade. No entanto, os órgãos públicos responsáveis pela gestão dessas unidades de conservação não parecem entender muito dessa discussão.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre