segunda-feira, 29 de janeiro de 2018


Uma verdade amazônica bem inconveniente
* Ecio Rodrigues
Existe um preconceito arraigado nos pesquisadores que atuam na Amazônia, no que diz respeito à exploração do ecossistema florestal. Embora se reconheça que a saída para a economia regional esteja no aproveitamento da biodiversidade, nega-se a produção de madeira, por exemplo.
Mas não é só a madeira que sofre rejeição. Nega-se também o potencial econômico das sementes, dos animais silvestres, da produção de água, e assim por diante.
Muitos chegam, inclusive, ao descalabro de justificar o desmatamento para criação de boi numa determinada área, desde que, em compensação, uma área equivalente de floresta seja mantida intocável, sem nenhum tipo de uso.
Essa, por sinal, foi a diretriz empregada durante a era do ZEE (zoneamento ecológico-econômico), que perdurou na Amazônia nos idos da década de 1990. Ainda bem que os documentos resultantes do ZEE foram esquecidos nas prateleiras.  
Voltando ao tema. A rigor, poucos se aventuram a discutir o uso econômico da diversidade biológica amazônica. Insiste-se na falsa ideia de vazio demográfico, que era comum na década de 1970 e que se mantém mais atual do que se pensa, a despeito de ser um erro colossal.
Importante repetir, até a exaustão: um contingente elevado de produtores teima em se manter na floresta, demandando por inovações na tecnologia de manejo florestal, de modo a ampliar a diversidade dos produtos explorados.
Por meio das hoje corriqueiras imagens de satélite, ferramenta antes indisponível, é possível constatar que, em sua maior parte, a floresta na Amazônia se encontra habitada por produtores extrativistas, a maioria considerada como posseiros.
Elevar os extrativistas à categoria profissional de manejador florestal significa retirá-los do isolamento econômico, condição bem mais grave que o antigo e superado isolamento logístico – que perdurou na realidade dos seringais amazônicos até a década de 1980.
Ainda que poucos produtos florestais oriundos da Amazônia tenham alcançado êxito de mercado, como é o caso da madeira e da borracha (no início do século XX), todos hão de concordar que a lista de produtos florestais com valor de mercado é bastante extensa, quase inesgotável.
Para que essa lista se converta em empresas, empregos e renda – ou seja, em atividades produtivas –, é fundamental a estruturação de aglomerados econômicos, que por sua vez devem ser organizados num cluster florestal.
Para concluir, a verdade inconveniente, que boa parte dos pesquisadores prefere não enxergar, poderia ser resumida assim:
Somente por meio da estruturação de arranjos produtivos que aproveitem a potencialidade da biodiversidade será possível gerar emprego e renda na Amazônia de maneira adequada aos ideais de sustentabilidade preconizados pelo mundo.
A organização de um cluster florestal, com empresas que explorem produtos de reconhecido valor de mercado, como madeira e sementes de mogno, pode ser o caminho mais curto para tirar a Amazônia da letargia econômica que é recorrente na região.
Por mais inconveniente que possa parecer, é uma verdade científica. Simples assim!


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018


O estágio atual da indústria da madeira no Acre
* Ecio Rodrigues
Não foi fácil, para a indústria madeireira do Acre, superar o estágio caracterizado pelas chamadas serrarias de ramal. É provável que um importante divisor de águas tenha sido o pacto firmado em 2001, entre o governo e os empresários do setor, visando-se à promoção do manejo florestal.
Passados mais de 15 anos, os resultados podem ser facilmente constatados. A ilegalidade no transporte de toras chegou a menos de 5% da produção. Ou seja, pouquíssima madeira ainda é produzida e transportada de forma ilegal. Tudo leva a crer que esses 5% de ilegalidade se devem à demanda das movelarias e carpintarias de fundo de quintal.
A madeira manejada, por sua vez, bem mais valiosa que aquela meramente legalizada, pode representar 85% de toda a produção madeireira anual do estado. E um percentual pequeno, que não deve chegar a 10%, se refere a um produto ainda mais valioso, a madeira certificada com o selo do FSC (Conselho Internacional de Manejo Florestal).
A escala de produção de hoje também é bem diferente. Se, antes, mais de 60 serrarias de ramal patinavam numa produção anual que rondava os 200 mil m3 de toras (em 1999, foram produzidos 200.553 m3), atualmente, superou-se a casa do milhão de metros cúbicos – em 2011, foram produzidos 1.064.195 m3 de madeira em tora, por menos de 10 indústrias ativas.
Contudo, ainda que o avanço seja perceptível na quantidade de empregos gerados, na qualidade da madeira produzida e, sobretudo, na contribuição do setor para a arrecadação estadual, não se logrou superar os entraves relacionados à estruturação de áreas florestais específicas para a produção de madeira.
Mediante o instituto da concessão florestal, estabelecido pela Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada em 2006, o poder público pode outorgar à iniciativa privada a exploração de madeira em áreas públicas de florestas por um período de 40 anos. A concessão florestal é a garantia jurídica que a indústria da madeira necessita para realizar seus investimentos.     
Todavia, e mesmo com a publicação do Plano Anual de Outorga Florestal, tanto pelo Serviço Florestal Brasileiro (no caso das florestas federais) como pela Secretaria de Desenvolvimento, Sedens (no caso das florestas estaduais), nenhuma área de floresta foi colocada sob concessão no Acre.
Falta também a estruturação de um processo institucionalizado de formação de trabalhadores para a indústria da madeira, que forneça maior dimensão às iniciativas desenvolvidas pela Funtac e pelo Cetemm (vinculado ao Senai).
Com relação à qualificação de trabalhadores para atuação no interior da floresta, a lacuna é mais expressiva. Enquanto a Ufac, por meio do curso de Engenharia Florestal, criado em 2000, contribuiu significativamente, despejando no mercado (até 2017) um contingente de 320 profissionais com qualificação superior, a formação de técnicos de nível médio se restringe a iniciativas isoladas de alguns órgãos estatais e entidades da sociedade civil.
A interessante proposta de criação de uma escola de mateiros, que chegou a ser discutida em 2001, por ocasião da preparação da atual política florestal, parece ter sido abandonada.
Sem embargo, esse tipo de qualificação é fundamental, a fim de suprir a demanda por um especialista que, embora altamente procurado, tem oferta cada vez mais reduzida: o taxonomista de campo, ou mateiro.
Finalmente, a indústria da madeira deve ser organizada num aglomerado que, em conjunto com outras empresas, venha a formar um cluster florestal no Acre.
  
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




segunda-feira, 15 de janeiro de 2018


Biomassa florestal e a cara energia elétrica do Acre
* Ecio Rodrigues
No Acre faz calor, mas não há luz suficiente durante todo o ano para produzir energia solar. Às vezes venta tanto que parece até tornado, mas não com a constância requerida para movimentar cata-ventos e gerar energia eólica.
Existe uma imensidão de rios e igarapés, distribuídos em diversas bacias hidrográficas pelo território estadual, mas nenhum apresenta diferença de cota suficiente a permitir a construção de usinas hidrelétricas.
Sem luz do sol, sem vento e sem quedas d’água, o Acre não pode empregar as principais forças da natureza na geração de energia elétrica limpa – ou sustentável, como preferem os ambientalistas.
Contudo, há que se incluir nessa lista de fontes renováveis de energia elétrica a biomassa que se origina da produção rural. Trata-se das sobras do beneficiamento de produtos como milho, arroz, cana-de-açúcar – e também da madeira.
No caso específico do Acre, onde não existe produção agrícola significativa, a madeira extrapola todas as estatísticas relativas à produção de biomassa.
Seja durante o manejo da floresta, quando as árvores derrubadas precisam ser desgalhadas; seja durante o beneficiamento primário em serraria para transformar a tora cilíndrica em peças esquadrejadas; seja ainda no aproveitamento do pó e da maravalha que resultam da serragem, no Acre, a madeira nativa é a única fonte renovável para geração de energia elétrica.
Cabe destacar, de outra banda, que no Acre se paga a conta de luz mais cara do país. Não à toa, a oferta de energia elétrica é apontada como empecilho insuperável à instalação de indústrias e ampliação da tímida dinâmica econômica estadual.
Além de ser um pesado item de custo para as empresas, a oferta de energia elétrica se caracteriza por grande instabilidade, submetendo os empreendimentos a um risco difícil de mensurar, todavia, suficiente para desanimar investidores.
Num contexto de monopólio estatal – que vigora há mais de 50 anos e abrange a geração e a distribuição de energia elétrica –, seria difícil vislumbrar uma luz (com o perdão do trocadilho) no fim do túnel.
A redução do preço da energia depende da introdução de uma nova fonte e, por meio dela, de uma cadeia produtiva diferenciada.
A solução está na biomassa florestal. Estudos comprovam a viabilidade técnica e econômica de usinas de geração de energia elétrica em caldeiras, onde a água pode ser fervida com o calor que sai da madeira.
Em aglomerados urbanos de pequeno porte, como os municípios de Santa Rosa do Purus, Jordão, Manuel Urbano e Assis Brasil, a biomassa oriunda da exploração das árvores pelo setor madeireiro poderá atender, com facilidade, à demanda das residências e empresas ali situadas.
Melhor ainda, os restos de madeira que atualmente são queimados a céu aberto como lixo, ao serem empregados na geração elétrica, podem reduzir o preço da energia e possibilitar expressiva oferta de empregos.
Ou seja, por um lado, a biomassa florestal atende a princípios de sustentabilidade, eis que a floresta manejada se regenera depois de certo tempo; por outro, atende a princípios de viabilidade econômica.
Organizar a cadeia produtiva para a geração de energia com a queima de madeira é um caminho curto para potencializar a vocação florestal do Acre. Simples assim!



*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Livro Ciliar Só Rio Acre

Livro Ciliar Só Rio Acre