Sobre o extrativista
manejador florestal na década de 2010
* Ecio Rodrigues
As reservas extrativistas, a tecnologia do manejo florestal comunitário e
a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo (que ainda se encontra em
elaboração) são concepções que os profissionais da engenharia florestal e os
extrativistas do Acre legaram à Amazônia.
A rigor, como os próprios extrativistas costumam dizer, uma coisa levou à
outra. Vale dizer, a segregação de espaços territoriais específicos para o modo
extrativista de produção demonstrou que a exploração exclusiva do binômio
borracha/castanha-do-brasil era frágil, sob o ponto de vista econômico.
Assim, depois de obterem a ampliação das áreas destinadas à atividade
extrativista na Amazônia, em face da segurança fundiária conferida pelas
reservas extrativistas e pelos assentamentos extrativistas, os produtores
dependiam de aporte em tecnologia para ampliar sua produção florestal para além
desse binômio.
Foi justamente a perspectiva de desenvolvimento
de uma tecnologia apta a atender à demanda desse tipo especial de área florestal
que motivou um grupo de técnicos (a maioria engenheiros florestais) que atuavam
no Acre em meados da década de 1990 a se dedicar à elaboração do que viria a
ser denominado manejo florestal comunitário.
Por fim, com o surgimento das reservas extrativistas, adveio o problema
da geração de renda, tendo ficado evidente que as famílias extrativistas não
poderiam depender unicamente da extração de borracha e castanha.
Ocorre que o mercado gomífero tem passado por grandes transformações,
apresentando uma dinâmica que tem como tendência comprovada o fato de que os
seringais nativos amazônicos – nos quais a proporção média das árvores
dispersas no ecossistema é de 3,2 indivíduos por hectare – estão fadados a
atender a um nicho de mercado cada vez mais restrito.
Fotografia: Alana Chocorosqui |
Ou seja, há consenso de que a borracha oriunda do látex do seringal
nativo (que pode até ser de melhor qualidade, como afirmam alguns) será cada
vez mais direcionada para a manufatura de produtos bem específicos, como
preservativos, torniquetes e luvas cirúrgicas. Certamente que essa produção
depreca uma quantidade reduzida de matéria-prima, quando comparada à poderosa
indústria de pneus, cuja demanda por borracha é atendida pelos seringais
cultivados, mormente os plantados no Estado de São Paulo.
O exemplo da fábrica Natex, localizada na cidade de Xapuri, é
elucidativo. Com uma produção anual estimada em 100 milhões de preservativos,
essa indústria consome o látex colhido por, no máximo, 700 famílias, das mais
de 2 mil residentes na Reserva Extrativista Chico Mendes. Trata-se de um número
diminuto diante dos mais de 50 mil produtores extrativistas existentes no Acre.
Por ouro lado, mesmo demonstrando notável desempenho de mercado, a
produção de castanha-do-brasil, isolada, não garante renda suficiente para
satisfazer as necessidades de consumo dos extrativistas. E a despeito de não
apresentar problemas de mercado, as árvores de castanha-do-brasil (que são
difíceis de ser cultivadas) ocorrem exclusivamente no Vale do Rio Acre; essa
ocorrência se acentua quando se vai em direção ao município amazonense de Boca
do Acre e se dispersa quando se vai em direção a Sena Madureira, suprimindo-se
totalmente após esse município.
O caminho encontrado foi a conversão do extrativista em manejador
florestal. Mediante a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, um leque
de produtos florestais – que vão da madeira aos princípios ativos demandados
pela indústria da biotecnologia – poderiam somar-se às tradicionais borracha e
castanha da cesta extrativista.
Mas esse caminho, diga-se, só poderá ser traçado com um intenso processo
de qualificação que permita ao produtor extrativista atuar como manejador
florestal.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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