Os
portugueses e o mercado da rolha de cortiça
* Ecio Rodrigues
A
região de Coruche, em Portugal, intitula-se “Capital Mundial da Cortiça”, por
abrigar uma extensa área coberta por Montado de Sobreiro, um sistema de
produção tradicional, que consorcia árvores que produzem cortiça com espécies
forrageiras, usadas para pastoreio animal, e outras culturas de ciclo curto.
Na
condição de uma das maiores produtoras de cortiça e com uma expressiva
indústria de rolha de cortiça ali instalada, Coruche lança diariamente no
mercado cinco milhões de rolhas que são exportadas, sobretudo, para fins de
vedação das garrafas que embalam o vinho produzido em França, Itália,
Argentina, e assim por diante.
Em
Coruche existe, ainda, um centro de negociação dedicado à cortiça (o
Observatório do Sobreiro e da Cortiça), e é organizada, periodicamente, a Feira
Internacional da Cortiça.
Além
de Coruche, outras regiões portuguesas são dependentes da produção de cortiça
que há séculos é praticada sob esse modelo de sistema agrosilvopastoril
denominado Montado de Sobreiro. Um sistema de produção que goza de alguma
similaridade com os Sistemas Agroflorestais existentes na Amazônia brasileira,
voltado para a produção de pupunha, por exemplo.
Ocorre
que a cortiça – que tem em Portugal seu maior expoente internacional, uma vez
que 50% da cortiça que abastece a demanda do mercado mundial é de origem
portuguesa – é produzida a partir de uma espécie florestal, o sobreiro, ou Quercus suber, do gênero do carvalho.
Esse
tipo de cobertura florestal representa 21% de toda a área ocupada por florestas
em Portugal, encontrando-se, com maior expressão, na parte central e sul do
país, nas regiões conhecidas como Ribatejo e Alentejo, sob a influência do rio
Tejo.
Tal
como ocorre com alguns produtos florestais, a cortiça passa por momentos
difíceis de mercado, em face de sua substituição por matéria-prima
sintética.
Com
efeito, a cortiça tem sido substituída por isopor e plástico, entre outros
materiais oriundos da poluente e exaurível indústria do petróleo. É provável
que esteja na fabricação de rolha o derradeiro e mais importante uso da
cortiça, sendo que Portugal também é o maior produtor mundial.
A
produção de cortiça é sustentável, pois se trata de matéria-prima extraída da
casca de uma árvore. Essa casca se renova de tempos em tempos, e as técnicas de
manejo florestal que garantem que a extração ocorra sem pôr em risco a própria
árvore foram estudadas e desenvolvidas pelos engenheiros florestais europeus,
sobretudo os portugueses.
A
produção de rolha de cortiça, por sua vez, ajusta-se aos ideais de
sustentabilidade preconizados no mundo porque o manejo florestal da árvore de Quercus suber é largamente praticado no
Montado de Sobreiro. Ou seja, a quantidade de sobreiros atualmente existente e
em condições de ser manejada é suficiente para garantir a oferta sustentável de
cortiça para as suas variadas aplicações em todo o mundo.
Finalmente,
após o seu uso – seja como rolha ou outra aplicação qualquer, como na poderosa
indústria de decoração ou na de artesanato –, a cortiça descartada
transforma-se em matéria orgânica para a adubação de solos agricultáveis.
A poluente indústria do
petróleo, por outro lado, logrou produzir uma rolha de plástico, com preços
inferiores aos da cortiça, mas cujo processo de produção e de descarte aumenta
de forma perigosa a quantidade de carbono jogada na atmosfera.
A
fim de manter sua produção de cortiça, a estratégia dos portugueses tem sido
alertar para o risco de alteração no clima provocado pela rolha de plástico.
Será que dará certo?
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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