Sobre o extrativista
ambientalista na década de 1990
* Ecio Rodrigues
Tendo sido considerado, no decorrer da década de 1970, uma atividade
extinta pelas instituições estatais, o extrativismo ressurgiria, depois de 20
anos de abandono, na condição de atividade produtiva adequada aos ideais de
sustentabilidade da Amazônia.
A associação entre a reivindicação dos extrativistas pelo reconhecimento
do seu direito à posse da terra e as aspirações de um movimento ambientalista
que crescia mundo afora (embora ainda com pouca expressão no Brasil e nenhuma
na Amazônia) ocorreu quando se percebeu que as colocações de seringa,
diferentemente das fazendas dos pecuaristas, não representavam uma ameaça à
conservação da floresta.
Os ambientalistas constataram que, ao defender sua atividade produtiva, o
seringueiro também promovia a defesa da seringueira (Hevea brasiliensis); por seu turno, essa espécie florestal dependia
da existência da floresta ao seu redor para não sofrer o ataque letal do fungo Microcyclus ulei, causador da doença
conhecida como “mal das folhas”, que compromete a produção de látex.
Fotografia: Alana Chocorosqui |
Resumindo, o seringueiro dependia da seringueira que dependia da
floresta, logo, a atividade de produção de borracha garantia a conservação do
ecossistema florestal. Essa conclusão levou o movimento ambientalista a
depositar todo seu apoio ao movimento dos seringueiros e, sobretudo, em sua
principal liderança: Chico Mendes.
O extrativista, que era sindicalista rural e defensor das reivindicações
de uma categoria específica de trabalhador florestal, o seringueiro, foi alçado
à condição de ambientalista, tornando-se um ator fundamental no cenário de
destruição florestal que tomava conta da Amazônia.
Ao se aproximar a data de realização da Segunda Conferência da
Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida
como Rio 92, as reivindicações dos seringueiros, concretizadas na proposta de
criação das reservas extrativistas, alcançaram status de prioridade.
Depois da criação das duas primeiras unidades no Acre (Chico Mendes e
Alto Juruá), as reservas extrativistas ganharam a Amazônia e o mundo.
Atualmente, essa categoria de unidade de conservação está presente em todos os
estados amazônicos.
Não há dúvida, entre os estudiosos do tema do acesso aos recursos
florestais de uso comunitário, quanto ao fato de que, onde houver uma
comunidade manejando um recurso florestal, o caminho mais adequado para a
regulação dessa exploração é a implantação de uma reserva extrativista.
Todos os anos são criadas novas reservas extrativistas, bem como outras
unidades de conservação que também atendem aos anseios dos extrativistas (é o
caso da reserva de desenvolvimento sustentável). E, entre as unidades de
conservação existentes, essas categorias tendem a representar maior quantidade,
tanto em termos de unidades autônomas quanto em termos de porção territorial.
O extrativista ambientalista da década de 1990, além de obter garantias
fundiárias, materializadas nas unidades de conservação, logrou regularizar seu
direito de posse no âmbito do Programa Nacional de Reforma Agrária, mediante a
criação dos Projetos de Assentamentos Extrativistas e dos Projetos de
Desenvolvimento Sustentável, geridos pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, Incra.
Atualmente, contudo, o relevante e permanente apoio do movimento
ambientalista ficou fragilizado, na medida em que os seringueiros residentes
nas reservas extrativistas foram levados a ampliar sua área desmatada e seu
plantel de gado. O problema é que, por meio da exploração dos produtos
tradicionais do extrativismo, notadamente borracha e castanha-do-brasil, os
extrativistas já não conseguem obter a renda requerida por suas demandas de
consumo.
Ao perder o apoio dos ambientalistas e, o pior, ao ameaçar o ecossistema
florestal que se propôs a conservar, o extrativismo dá um tiro no pé: põe em
risco sua própria existência.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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