Do Acre a Arica
* Ecio Rodrigues
Saindo de carro do Acre, depois de atravessar o
território peruano e enfrentar uma burocracia excessiva e desnecessária para deixar
o Peru e entrar no Chile, você chega em Arica, que ostenta o título de cidade
mais seca do planeta.
O índice pluviométrico de Arica é de apenas 0,4 mm
anuais.
Para ajudar a compreender essa insignificante quantidade
de chuva, diga-se que em Rio Branco chove uma média de 1.935 mm por ano. Simplificando,
é mais ou menos o seguinte: enquanto em Rio Branco chove todos os dias, em
Arica não chove nunca.
O observador fica extasiado diante do horizonte de
terras desérticas – uma paisagem desoladora, onde, por incrível que pareça, foram
encontradas as múmias mais antigas do mundo, que remontam a 9 mil anos.
São as “Múmias do Atacama”, assim batizadas numa
alusão ao deserto chileno. Os corpos foram embalsamados segundo as práticas
funerárias da cultura Chinchorro, uma população que ocupou o deserto e o
litoral do Pacífico na era pré-cerâmica, período inicial da ocupação humana nos
Andes, antes do advento da Civilização Inca.
Por sinal, outra atração turística imperdível em Arica
são as “Cuevas de Anzota”, um conjunto de grutas à beira mar que serviam como
habitações aos chinchorros. A visita às cuevas dá uma ideia, ainda que vaga, da
aclimatação desse povo àquele ambiente inóspito.
Ninguém imagina que exista na região algum
potencial agrícola, entretanto, as áreas de vale em meio ao deserto apresentam
solo fértil para o cultivo de azeitonas.
Depois de percorrer centenas de quilômetros de deserto,
é uma agradável surpresa chegar, por exemplo, ao Vale de Azapa, uma grande
superfície verde, coberta por oliveiras, das quais se extrai um azeite muito apreciado
mundo afora. O segredo da produção agrícola está, por óbvio, na água.
Acontece que os agrônomos chilenos, a despeito da
baixíssima pluviometria ali observada e da grande profundidade do lençol
freático, lograram canalizar a pouca oferta de água para irrigar os vales formados
entre as cordilheiras – que recebem, regularmente, toneladas de nutrientes que escorrem
das montanhas e fertilizam terras planas e estáveis.
Sem água, porém, não daria para produzir muita
coisa.
Devido à bem-sucedida irrigação, parte expressiva
da riqueza de Arica tem origem na agricultura, com predominância da produção de
azeitonas e azeite. Mas a base econômica se assenta mesmo na indústria da
mineração, já que a região abriga 20% das jazidas mundiais de cobre.
Significa que a economia é forte, robusta; por
isso, não se entusiasme com o câmbio (1 real = 180 pesos chilenos) – os preços
são dolarizados, o que deixa os hotéis e restaurantes bastante caros para os
brasileiros.
Cabe mencionar, por fim, a novidade que altera tanto
a economia quanto a paisagem desértica: a energia solar. Sem chuva e sem
nebulosidade, o potencial fotovoltaico do Deserto de Atacama é de tal expressão
que pode atender à demanda do Chile por energia elétrica.
Nos últimos 10 anos, em face do aprimoramento da
tecnologia, bem como da constatação científica de que o petróleo aquece o planeta,
Arica se tornou campeã em investimento privado na geração de energia solar.
Painéis solares surgem na paisagem de deserto
oceânico, indicando que o processo de adaptação do homo sapiens em Arica, que se
iniciou com os chinchorros, ainda está por ser concluído.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília.
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