segunda-feira, 17 de setembro de 2018



Acre em chamas
* Ecio Rodrigues
Nos idos de 2005, este articulista iniciou a publicação de uma série de artigos, com o propósito de alertar para os riscos da nefasta prática agrícola da queimada, como parte de uma campanha solitária – e obviamente fracassada –, intitulada “Para o Acre não queimar em 2010”.
Esse interstício de cinco anos não era por acaso.
Ocorre que os gestores públicos de então – por sinal, os mesmos de agora – usavam dois argumentos, até hoje reiterados, para justificar seu imobilismo na contenção do alastramento dos focos de calor.
Primeiro, que, para parar de vez o licenciamento das queimadas nas pequenas, médias e grandes propriedades, seria necessário um período de transição.
Defendia-se que o governo não poderia proibir o produtor de queimar, sem antes colocar à disposição dele uma alternativa produtiva – como o maquinário necessário à mecanização de seus cultivos. Do contrário, o produtor iria passar fome.
É aí que entrava o segundo argumento.
“Queimar para não passar fome”, essa lógica perversa foi o subterfúgio empregado para comover a população urbana, levando-a a acreditar na falácia de que o pequeno produtor rural era/é esfomeado.
Tentando explicar melhor. Sem motivação econômica para produzir o arroz, o feijão, o milho e a macaxeira de sempre, o produtor precisava desmatar e queimar a floresta, com o intuito meramente de ter o que comer.
Tratava-se – os gestores repetiam para demonstrar suposta sensibilidade social – de uma produção para subsistência. Por isso, para saciar a fome, o produtor podia causar tamanho prejuízo ambiental, econômico e social, ao fazer uso das queimadas.
Contudo, a realidade comprovou que nada disso era verdade. A prática da queimada é um investimento que o produtor – o pequeno, o médio e o grande – faz para melhorar, ampliar e valorizar sua produção (principalmente a criação de boi), e, como não poderia ser diferente, aumentar sua renda.
Passaram-se os anos, 2010 ficou para trás. De lá para cá, o Acre bateu recorde de queimadas em 2016, a tendência de elevação se manteve em 2017 e, a julgar pela inoperância estatal, vai permanecer.
Setembro tem sido doloroso para quem vive no Acre. Que ninguém se esqueça, porém: o mês de outubro de 2017 foi o outubro com mais focos de calor desde 1998, quando o prestigiado Inpe iniciou as medições.
Em 2018, o Acre queimou acima da média de 20 anos nos meses de maio, junho, julho e, desde o dia 13, também neste mês de setembro.
Nos últimos anos, cidades do interior como Tarauacá e Feijó vêm figurando entre os 10 municípios que mais queimam na Amazônia, e o Acre tem disputado a liderança no número de focos de calor com Rondônia e Mato Grosso.
Mas há uma diferença significativa, posto que lá (em Rondônia e Mato Grosso), o agronegócio se consolidou, enquanto aqui não existe uma produção agropecuária minimamente digna.
Sob um misto de omissão e incompetência, os gestores públicos, os de antes e os de agora, não conseguem acabar com as queimadas nem estimular a agropecuária.
É o pior dos mundos.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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