Laranjais não restauram
mata ciliar. Veta Dilma!
* Ecio Rodrigues
Após quase dois anos de discussão sobre a proposta de novo código florestal,
conseguiu-se chegar ao limiar da insensatez com a aprovação, pelo Congresso
Nacional, do Projeto de Lei de Conversão nº 21/2012.
Para se entender melhor a novela do Código Florestal, cabe um breve esclarecimento.
Embora o Código englobe um conjunto de definições e regulamente uma série de
instrumentos relacionados às florestas, a controvérsia se restringe aos institutos
da reserva legal e da área de preservação permanente, APP.
Acontece que uma parte considerável dos produtores rurais (do pequeno ao
grande) estava ilegal, em face do desmatamento das áreas destinadas à reserva legal
(que no caso da Amazônia representa 80% do total da propriedade) e das áreas de
preservação permanente, em especial a mata ciliar.
Como essa situação de ilegalidade impedia que o produtor tivesse acesso
ao crédito público, nossa sabedoria tupiniquim entendeu por bem mudar a lei, a
fim de adequá-la aos infratores e, dessa forma, trazê-los para a legalidade.
Surgia assim a demanda por um novo código florestal. Legalizar o produtor
significava, em síntese, definirem-se novos tamanhos para a reserva legal e
mata ciliar, além de se estabelecerem regras para a restauração florestal da
parte desmatada.
O acirramento dos debates fez surgir uma bancada de ruralistas bem
superior ao que se pensava. Representando extensa maioria, os parlamentares que
acreditam no agronegócio como modelo de desenvolvimento para o país aprovaram
como bem entenderam as propostas que transitaram, mais de uma vez, pela Câmara
dos Deputados e pelo Senado.
Insatisfeita com a proposta final aprovada no Congresso, a presidente
Dilma vetou vários artigos e converteu a matéria controversa numa Medida Provisória,
que, por sua vez, também foi alterada e votada pelo Congresso: essa é a
proposta que, agora, passará novamente pelo crivo da presidência.
Trata-se, seguramente, da pior proposta já aprovada pelos parlamentares, entre
todas as outras que levaram à opção pelo veto. A explicação é simples. Desde a
primeira versão, aprovada na Câmara dos Deputados em maio de 2011, a
restauração da mata ciliar e da área de reserva legal deveria ser conduzida mediante
o emprego de espécies nativas da região.
Incluindo um dispositivo perigoso, os parlamentares simplesmente desconsideraram
toda a discussão sobre a largura que a mata ciliar deveria ter em função do
tamanho do rio e da propriedade. Em seu art. 61, § 13, inciso V, a proposta
aprovada permite que a restauração da mata ciliar ocorra com o plantio de
árvores frutíferas.
Poucos devem ter atentado para o fato de que a inclusão desse dispositivo,
que libera o plantio de árvores frutíferas na mata ciliar a título de
restauração florestal, irá transformar as matas ciliares, inclusive as que
ainda existem, em grandes extensões de laranjais. Ora, o plantio de laranja,
limão, tangerina ou quaisquer outras frutíferas não restaura a mata ciliar e
suas funções.
A polêmica sobre a quantidade de florestas que devem estar presentes na
margem do rio só tem sentido quando se trata de fazer com que, mediante o
plantio da vegetação nativa, a mata ciliar volte a desempenhar suas funções
ambientais. Ou seja, volte a conter o desbarrancamento; a impedir que a areia e
o barro cheguem até o rio; a conservar a fauna silvestre dentro e fora d’água;
e, o mais importante, volte a contribuir para o equilíbrio hidrológico do rio, a
fim de que não falte água para beber e gerar energia elétrica, por exemplo.
Laranjais não servem para nada disso.
Bastou uma ideia infeliz para que as funções da mata ciliar fossem
esquecidas de imediato e por todos. Agora, mais que nunca, Veta Dilma!
* Professor da
Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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