terça-feira, 2 de outubro de 2012


Laranjais não restauram mata ciliar. Veta Dilma!
* Ecio Rodrigues
Após quase dois anos de discussão sobre a proposta de novo código florestal, conseguiu-se chegar ao limiar da insensatez com a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei de Conversão nº 21/2012.
Para se entender melhor a novela do Código Florestal, cabe um breve esclarecimento. Embora o Código englobe um conjunto de definições e regulamente uma série de instrumentos relacionados às florestas, a controvérsia se restringe aos institutos da reserva legal e da área de preservação permanente, APP.
Acontece que uma parte considerável dos produtores rurais (do pequeno ao grande) estava ilegal, em face do desmatamento das áreas destinadas à reserva legal (que no caso da Amazônia representa 80% do total da propriedade) e das áreas de preservação permanente, em especial a mata ciliar.
Como essa situação de ilegalidade impedia que o produtor tivesse acesso ao crédito público, nossa sabedoria tupiniquim entendeu por bem mudar a lei, a fim de adequá-la aos infratores e, dessa forma, trazê-los para a legalidade. Surgia assim a demanda por um novo código florestal. Legalizar o produtor significava, em síntese, definirem-se novos tamanhos para a reserva legal e mata ciliar, além de se estabelecerem regras para a restauração florestal da parte desmatada.
O acirramento dos debates fez surgir uma bancada de ruralistas bem superior ao que se pensava. Representando extensa maioria, os parlamentares que acreditam no agronegócio como modelo de desenvolvimento para o país aprovaram como bem entenderam as propostas que transitaram, mais de uma vez, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
Insatisfeita com a proposta final aprovada no Congresso, a presidente Dilma vetou vários artigos e converteu a matéria controversa numa Medida Provisória, que, por sua vez, também foi alterada e votada pelo Congresso: essa é a proposta que, agora, passará novamente pelo crivo da presidência.
Trata-se, seguramente, da pior proposta já aprovada pelos parlamentares, entre todas as outras que levaram à opção pelo veto. A explicação é simples. Desde a primeira versão, aprovada na Câmara dos Deputados em maio de 2011, a restauração da mata ciliar e da área de reserva legal deveria ser conduzida mediante o emprego de espécies nativas da região.
Incluindo um dispositivo perigoso, os parlamentares simplesmente desconsideraram toda a discussão sobre a largura que a mata ciliar deveria ter em função do tamanho do rio e da propriedade. Em seu art. 61, § 13, inciso V, a proposta aprovada permite que a restauração da mata ciliar ocorra com o plantio de árvores frutíferas.
Poucos devem ter atentado para o fato de que a inclusão desse dispositivo, que libera o plantio de árvores frutíferas na mata ciliar a título de restauração florestal, irá transformar as matas ciliares, inclusive as que ainda existem, em grandes extensões de laranjais. Ora, o plantio de laranja, limão, tangerina ou quaisquer outras frutíferas não restaura a mata ciliar e suas funções.
A polêmica sobre a quantidade de florestas que devem estar presentes na margem do rio só tem sentido quando se trata de fazer com que, mediante o plantio da vegetação nativa, a mata ciliar volte a desempenhar suas funções ambientais. Ou seja, volte a conter o desbarrancamento; a impedir que a areia e o barro cheguem até o rio; a conservar a fauna silvestre dentro e fora d’água; e, o mais importante, volte a contribuir para o equilíbrio hidrológico do rio, a fim de que não falte água para beber e gerar energia elétrica, por exemplo.
Laranjais não servem para nada disso.
Bastou uma ideia infeliz para que as funções da mata ciliar fossem esquecidas de imediato e por todos. Agora, mais que nunca, Veta Dilma! 
     
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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