segunda-feira, 23 de julho de 2012


Ministério Público Federal afirma: Incra é culpado por desmatamento
* Ecio Rodrigues
Não é novidade que o padrão seguido pelos Projetos de Assentamento Dirigido e Projetos de Colonização - inseridos no Programa Nacional de Reforma Agrária gerido pelo Incra - não atende às expectativas por uma ocupação produtiva da Amazônia.
Esse modelo tem sido demonizado pela ciência amazônida desde a década de 1980. É farta a produção técnica e acadêmica que trata da incapacidade de a reforma agrária ancorada na expansão da fronteira agropecuária ampliar o bem-estar e a qualidade de vida na região.
Não existem, nem mesmo nos centros estaduais da Embrapa, que notadamente trabalham para viabilizar essa produção agropecuária, pesquisadores que discordem quanto ao fracasso dos assentamentos geridos pelo Incra, em especial no que se refere à consolidação de uma produção agrícola e pecuária que respeite a vocação florestal local.
Ocorre que o modelo de reforma agrária seguido pelo Incra favorece uma nova concentração da terra que já foi desapropriada – ou seja, comprada, com o dinheiro da sociedade, de algum proprietário privado que concentrava a terra.
Depois que essa terra é entregue ao pequeno produtor, e depois que esse pequeno produtor e sua família, trazidos pelo Incra de outras regiões do país (geralmente Nordeste e Sudeste), são entregues à própria sorte no interior de um ambiente florestal bastante inóspito, a venda da terra para um novo concentrador é praticamente inevitável.
As consequências sociais desse infausto processo de ocupação já são mais que conhecidas e difundidas, e a sociedade já cansou de se chocar com os elevados índices de êxodo rural, inchamento das cidades de referência, congestionamento dos serviços de educação e saúde, e, o pior, pobreza e exclusão social que levam à marginalidade e outras mazelas, todas com custos muito altos para serem corrigidas posteriormente.
E embora a responsabilidade por esse sistema perverso de ocupação produtiva, que nada produz e gera excedente demográfico desqualificado em áreas urbanas, sempre tenha sido exclusivamente do Incra, ninguém colocava o guiso no pescoço do gato, como diz o adágio popular. Sob a ótica autoritária de um poder público geralmente omisso (e que quando atua, erra mais que acerta), direcionava-se a responsabilidade pelo fracasso desse modelo para a esfera privada. A culpa era do produtor, que gostava do assistencialismo - uma falácia propalada pelo próprio Incra.
A novidade de que trata este artigo chegou pela atuação do Ministério Público Federal, MPF. Se o Incra escapou da cobrança pelas mazelas sociais advindas de seu fracassado sistema de transferência de trabalhadores rurais para a Amazônia, espera-se que o mesmo não aconteça em relação às perigosas e trágicas consequências ambientais e ecológicas impostas pelos assentamentos agrários que promove.
No Acre, Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima e Mato Grosso, estados onde o desmatamento na pequena propriedade é preocupante, o Incra foi acionado judicialmente para assumir sua culpa, no que diz respeito à contribuição dos projetos de reforma agrária para a permanência da taxa de desmatamento na Amazônia.
O monitoramento da taxa de desmatamento realizado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais, Inpe, demonstra que, enquanto em 2004 os assentamentos da reforma agrária contribuíram com 18% na composição da taxa de desmatamento, em 2010 essa contribuição passou para 31,1% do desmatamento total ocorrido na Amazônia.
Diga-se, ademais, que uma boa parcela desse desmatamento é ilegal, e realizado sob a chancela do próprio Incra, que se omite frente à obrigação de se cumprir a legislação ambiental, sob alegação de que essa não é a missão do órgão.
Para o MPF, o Incra - e não o produtor isoladamente - tem culpa, sim, quando o assentamento sob sua responsabilidade vai para a ilegalidade. Sinal dos tempos. Dos novos tempos.  

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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