segunda-feira, 16 de julho de 2012


Falta tecnologia para uso múltiplo da biodiversidade no Acre
* Ecio Rodrigues
Depois do surgimento, na década de 1990, de uma tecnologia (concebida originalmente no Acre) denominada Manejo Florestal de Uso Múltiplo, esperava-se ter sido apontado o rumo para orientar-se a concepção de pesquisas e o desenvolvimento de inovações tecnológicas voltadas para o aproveitamento do potencial econômico da tão propalada biodiversidade presente no ecossistema florestal. Mas, infelizmente, não tem sido assim.
Existia uma expectativa de que as políticas públicas para o desenvolvimento tecnológico no Acre valorizassem o manejo florestal de uso múltiplo. Isso, por duas razões fundamentais.
Primeiro, por ser o Acre a unidade da federação localizada na Amazônia com maior tradição no extrativismo; e mesmo não possuindo o contingente numérico populacional de outros lugares, tornou-se referência ao revelar ao mundo a existência dos seringueiros - uma categoria especial de produtores rurais que mantém, por meio do modo extrativista de produção, uma relação de dependência com o ecossistema florestal, o que, por sua vez, favorece a conservação desse ecossistema.
Ou seja, o extrativismo - que se sustenta na exploração de um leque variado de produtos florestais, de acordo com princípios de manutenção de estoque consensuado pelas próprias comunidades de produtores – configura-se na essência da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo.
Não foi por acaso que o Conselho Nacional dos Seringueiros e o Centro dos Trabalhadores da Amazônia, organizações da sociedade civil que gozam de reconhecimento em esfera nacional e mesmo internacional, surgiram e se consolidaram no Acre.
A segunda razão que justificava a expectativa com o manejo florestal de uso múltiplo como referência para a produção de inovação tecnológica no Acre diz respeito à abrangência territorial em relação à qual essa tecnologia é a mais indicada.
Tendo-se alçado o modo extrativista de produção à condição de atividade adequada para a geração de renda e a criação de empregos no âmbito do ecossistema florestal, uma confluência de setores sociais e econômicos conseguiu unir o então emergente movimento ambientalista ao dos trabalhadores rurais especiais, os seringueiros.
Uma confluência que teve como objetivo a criação, naquela mesma década de 1990, de um tipo igualmente especial de projetos de reforma agrária, posteriormente configurados como unidades de conservação, denominadas de Reservas Extrativistas.
Ocorre que na Reserva Extrativista, nessa porção de terra coberta com florestas, que é comprada (desapropriada) pela sociedade brasileira, e entregue ao uso dos seringueiros, a lei permite a prática exclusiva de uma atividade produtiva com objetivos comerciais: justamente o manejo florestal de uso múltiplo.
Ocupando quase metade do território estadual, as áreas de florestas como é o caso das Reservas Extrativistas, nas quais o uso múltiplo é legalmente aceito como única (repita-se) possibilidade de se auferir renda para os produtores residentes, a demanda por tecnologia florestal deveria ser prioridade para a política pública, e, claro, para todos os envolvidos no setor florestal do Acre.
Acontece que o manejo florestal de uso múltiplo é uma tecnologia que ainda precisa ser detalhada e consolidada. Inovações tecnológicas são necessárias, a fim de que o uso múltiplo da biodiversidade, em especial aquele praticado por comunidades, venha a se concretizar, adquirindo a importância econômica, social e ecológica que lhe é devida na realidade produtiva da Amazônia, e, sobretudo, do Acre.
Existindo, no estado, recursos florestais em abundância e uma população que tem tradição no manejo florestal, o uso econômico da biodiversidade presente no ecossistema florestal esbarra no desenvolvimento de inovações tecnológicas.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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