segunda-feira, 14 de agosto de 2017


Campanhas de sensibilização não evitarão colapso do rio Acre
* Ecio Rodrigues
Verão amazônico. Rio Branco, capital do Estado do Acre. Convocado para uma reunião de emergência, um grupo de gestores de órgãos estatais discute o complexo diagnóstico sobre a vazão do rio Acre – que, a despeito de apresentar elevação recorde com risco de alagação no inverno, teima em baixar, no verão, até comprometer o abastecimento d’água.
Esses extremos de vazão vêm acontecendo há pelo menos 15 anos, período em que os efeitos das alterações no clima tiveram seu impacto ampliado sobre o rio, devido à persistente taxa de desmatamento observada na área de influência de sua bacia hidrográfica.
Entretanto, em que pese a comprovação científica acerca da estreita correlação estatística entre desmatamento e alteração da vazão nos rios amazônicos, continua a prevalecer o entendimento de que a substituição da floresta por capim é crucial para garantir a subsistência ou aplacar a fome.
(Até parece que os produtores rurais estão passando fome desde a década de 1990...)
Na verdade, a defesa do desmatamento como contraponto à fome deixa transparecer a insensatez de se manter uma produção agropecuária que é meramente de subsistência e, portanto, irrelevante para a dinâmica econômica estadual.  
A conclusão – equivocada, mas todos os anos reiterada – é que o desmatamento é inevitável, um mal necessário, e vai acontecer por um imperativo de sobrevivência, a despeito de ser inviável para a economia amazônica.
Voltando à reunião, o grupo de gestores públicos decide que o cidadão deve dar sua parcela de contribuição para salvar o rio Acre.
A fim de assegurar a tal contribuição cidadã, propõe-se a realização de uma campanha conclamando a população a não fazer fogueira nos arraiais, não jogar lixo no rio e, naturalmente, moderar o consumo d’água.
Todo mundo sabe, naturalmente, que esse tipo de expediente não passa de distração. Mas o importante é mostrar para a sociedade que a seca do rio é motivo de grande preocupação nas esferas governamentais.
Desse modo, as peças publicitárias veiculadas no rádio, na tevê, em outdoors espalhados pela cidade devem incluir ao final uma comovente declaração de amor ao rio – algo que sensibilize, ao tempo em que conscientiza quanto à gravidade do problema.
Com a chegada das águas de outubro, as preocupações se dissipam. À medida que as chuvas se intensificam, as apreensões se voltam para a possibilidade de alagação. Tal como uma ladainha, repete-se a pergunta que antecede cada estação, desde que a vazão do rio Acre passou a ocupar a cena local em todo inverno (“Vai alagar?”) e todo verão (“Vai secar?”).
E assim a vida segue, e continuamos a assistir ao patente e paulatino colapso do rio. Mas a culpa decerto é da população, por sua incapacidade de se mobilizar em defesa de uma causa.
A hipotética reunião certamente voltará a acontecer e a campanha de sensibilização, claro, também.
Ninguém vai propor a restauração florestal da mata ciliar. E ninguém discutirá a necessidade de se aumentar a largura da faixa de mata ciliar, em todos os municípios cortados pelo rio Acre, para além dos insuficientes 30 metros previstos no Código Florestal.
Nada disso. Ampliar a resiliência do rio Acre não importa. Mas, calma!, uma nova campanha de sensibilização está sendo preparada para 2018.



*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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