Campanhas de sensibilização não evitarão colapso do rio Acre
* Ecio Rodrigues
Verão
amazônico. Rio Branco, capital do Estado do Acre. Convocado para uma reunião de
emergência, um grupo de gestores de órgãos estatais discute o complexo
diagnóstico sobre a vazão do rio Acre – que, a despeito de apresentar elevação
recorde com risco de alagação no inverno, teima em baixar, no verão, até comprometer
o abastecimento d’água.
Esses
extremos de vazão vêm acontecendo há pelo menos 15 anos, período em que os
efeitos das alterações no clima tiveram seu impacto ampliado sobre o rio,
devido à persistente taxa de desmatamento observada na área de influência de
sua bacia hidrográfica.
Entretanto,
em que pese a comprovação científica acerca da estreita correlação estatística
entre desmatamento e alteração da vazão nos rios amazônicos, continua a
prevalecer o entendimento de que a substituição da floresta por capim é crucial
para garantir a subsistência ou aplacar a fome.
(Até
parece que os produtores rurais estão passando fome desde a década de 1990...)
Na
verdade, a defesa do desmatamento como contraponto à fome deixa transparecer a
insensatez de se manter uma produção agropecuária que é meramente de
subsistência e, portanto, irrelevante para a dinâmica econômica estadual.
A conclusão
– equivocada, mas todos os anos reiterada – é que o desmatamento é inevitável, um
mal necessário, e vai acontecer por um imperativo de sobrevivência, a despeito
de ser inviável para a economia amazônica.
Voltando
à reunião, o grupo de gestores públicos decide que o cidadão deve dar sua
parcela de contribuição para salvar o rio Acre.
A
fim de assegurar a tal contribuição cidadã, propõe-se a realização de uma campanha
conclamando a população a não fazer fogueira nos arraiais, não jogar lixo no rio
e, naturalmente, moderar o consumo d’água.
Todo
mundo sabe, naturalmente, que esse tipo de expediente não passa de distração. Mas
o importante é mostrar para a sociedade que a seca do rio é motivo de grande
preocupação nas esferas governamentais.
Desse
modo, as peças publicitárias veiculadas no rádio, na tevê, em outdoors
espalhados pela cidade devem incluir ao final uma comovente declaração de amor ao
rio – algo que sensibilize, ao tempo em que conscientiza quanto à gravidade do
problema.
Com a
chegada das águas de outubro, as preocupações se dissipam. À medida que as
chuvas se intensificam, as apreensões se voltam para a possibilidade de
alagação. Tal como uma ladainha, repete-se a pergunta que antecede cada estação,
desde que a vazão do rio Acre passou a ocupar a cena local em todo inverno (“Vai
alagar?”) e todo verão (“Vai secar?”).
E
assim a vida segue, e continuamos a assistir ao patente e paulatino colapso do
rio. Mas a culpa decerto é da população, por sua incapacidade de se mobilizar
em defesa de uma causa.
A hipotética
reunião certamente voltará a acontecer e a campanha de sensibilização, claro, também.
Ninguém
vai propor a restauração florestal da mata ciliar. E ninguém discutirá a necessidade
de se aumentar a largura da faixa de mata ciliar, em todos os municípios
cortados pelo rio Acre, para além dos insuficientes 30 metros previstos no
Código Florestal.
Nada
disso. Ampliar a resiliência do rio Acre não importa. Mas, calma!, uma nova
campanha de sensibilização está sendo preparada para 2018.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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