Estudo do Inpe revela o óbvio: onde há fumaça, há fogo
* Ecio Rodrigues
Foram
necessários 12 anos de espera para que uma resposta definitiva fosse dada à
pergunta que era feita a cada estação seca: a fumaça que respiramos, e que
tanto mal causa à saúde, provém das queimadas ocorridas no próprio Acre, ou é
produzida em outros estados (Rondônia e Mato Grosso), ou ainda, no país vizinho
da Bolívia?
A
pergunta, na verdade, punha em dúvida a responsabilidade da população do Acre
frente ao flagelo imposto pela fumaça - que, entre outras sequelas, fecha o
aeroporto e enche os hospitais com crianças acometidas com graves infecções
respiratórias.
Os
governos, por seu turno, achavam cômodo e interessante estimular a dúvida. Afinal
de contas, sempre que existe diluição de responsabilidades, as autoridades são
as mais beneficiadas pela ausência, ou melhor, aparente ausência, de culpa.
Muitos
pesquisadores e técnicos, a serviço ou não de governos, envolviam-se na
discussão infrutífera acerca da origem da fumaça no Acre. Saber de onde viria a
fumaça se tornou, infelizmente, uma prioridade inútil de alguns ingênuos úteis.
Claro que o que importava, tanto para os pesquisadores, quanto para a população
em geral, era a fumaça em si, e de que maneira ela poderia ser evitada ou minimizados
os seus efeitos.
Mas,
enquanto a hipótese falsa da origem da fumaça criava uma cortina de fumaça (perdoe-se
o trocadilho), os governos se abstinham, os pesquisadores se entretinham, e a
vida no estado se tornava um martírio por não menos que 60 dias, entre os meses
de julho a setembro, ano após ano.
E esse
falso dilema técnico-ambiental teria permanecido por mais um bom tempo, não
fosse a atuação exemplar do Ministério Público, federal e estadual, que tomou a
iniciativa de perguntar ao Instituto de Pesquisas Espaciais, o Inpe, de quem
era a culpa pela fumaça jogada nos céus do Acre.
Cabe
destacar aqui o acerto em se acionar o Inpe, que é a maior autoridade
científica do Brasil para monitoramento e análise dos temas relacionados às
queimadas, fumaça e alterações no clima. Vale dizer, a resposta do Inpe,
agradando ou não, teria caráter
definitivo.
E a
resposta, que colocou a responsabilidade pela fumaça do Acre nas costas de
ninguém menos que os próprios acreanos, não poderia ser mais óbvia: onde há
fumaça, há fogo. Não existe mais qualquer dúvida quanto ao fato de que, no
Acre, a fumaça é oriunda das queimadas realizadas em território estadual.
A
resposta do Inpe, que deve ter desagradado os que esperavam culpar os
bolivianos por mais uma das mazelas estaduais, chama atenção para as
consequências perigosas do uso público de hipóteses científicas de difícil
comprovação.
Ocorre
que, enquanto havia dúvida em relação à origem da fumaça, não se realizavam
ações de política pública para se resolver a catástrofe. Ora, como se poderia
resolver um problema criado em outros lugares?
Em
sendo assim, estimular a dúvida se tornava a melhor e mais cômoda ação de
política pública - a ponto de ninguém, em momento algum, questionar que o Acre
teria que adotar como prioridade zerar a queimada, para somente depois perguntar
de onde viria a fumaça. Mas o combate a esse maléfico procedimento é algo que
os governos relutam em fazer, por entenderem que o pequeno produtor precisa
queimar para comer. Um raciocínio bastante comum, aliás, embora totalmente
equivocado.
Assumindo-se
que a resposta do Inpe inaugura um novo momento para tratar do polêmico assunto
da fumaça, é chegada a hora de o Ministério Público cobrar das autoridades
públicas a igualmente polêmica medida da Queimada Zero; pois os governos,
acostumados que estão, podem querer continuar a estimular a dúvida.
Quando
o Acre conseguir virar a página das queimadas, a sociedade perceberá que os dividendos
econômicos e sociais serão bem superiores aos trazidos pela nefasta técnica; quanto
a isso, não há a menor dúvida.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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