Mostrando
passarinho em gaiola, diretor de “Roma” vence Globo de Ouro
* Ecio Rodrigues
O mexicano Alfonso Cuarón venceu o Globo de Ouro 2019
de Direção pelo longa “Roma” –, obra que teve a pretensão de demonstrar (sem
êxito, diga-se) que o cinema não precisa ser populista para exercitar uma forte
conexão com o povo.
Entre todos os clichês presentes na película (a
maioria com viés politicamente correto), destinados a reforçar a identificação
do espectador com a história, as frequentes cenas onde aparecem gaiolas com
passarinhos chamam a atenção.
Para quem não viu, o roteiro se prende ao cotidiano
de uma família de classe média alta, na Cidade do México, entre 1970 e 1971. Por
sinal, a ausência de referências à Copa do Mundo de 1970 é uma falha imperdoável:
um cartaz atrás da porta do filho adolescente é tudo o que aparece sobre a
única vez em que o México sediou o maior evento futebolístico do planeta.
A narrativa se desenrola em torno da dupla de
empregadas domésticas que cuida da rotina da casa. Um trabalho árduo para dar
conta dos afazeres diários, demoradamente filmados, que incluem limpar, cozinhar,
juntar cocô de cachorro, lavar roupas e calçadas e servir de babá aos 4 filhos
dos patrões.
Uma delas, Cléo, se envolve com um sujeito
imprestável, que se dedica a treinar o que chama de “artes marcais”, e encontra
nisso um sentido para sua vida medíocre.
Ao engravidar, Cléo é rejeitada e se vê às voltas
com os problemas de uma mãe solteira entregue à própria sorte. Ela é amparada
pela patroa (que também acaba de ser abandonada pelo marido), de uma maneira
atípica, de tão carinhosa.
Aliás, sendo reflexo da realidade vivenciada pela sociedade
mexicana da época, o comportamento exemplar da patroa (ainda que se esquive do
populismo) é um tanto anômalo – da mesma forma que a presença constante das
gaiolas de passarinho.
Ocorre que, além de pertencerem ao universo
masculino – a despeito de as mulheres dominarem o ambiente doméstico retratado,
onde não há homens –, as gaiolas destoam da linha politicamente correta assumida
pelo filme.
A criação de passarinhos em gaiolas, apesar de
muito popular na América do Sul (e decerto no resto do mundo), é prática demonizada
pelo movimento ambientalista. No Brasil, é comum que a fiscalização ambiental vasculhe
feiras agrícolas em busca de gaiolas de criadores “clandestinos” –, ou seja,
que não tenham seus canários e coleiros devidamente registrados.
Cabe ressalvar que esse registro é algo muito
difícil, para não dizer impossível, de ser obtido. Uma série de normas, entre
as quais a IN nº 10/2011, do Ibama, estabelece um rol de regras abstrusas,
discriminatórias e praticamente inexequíveis para a regularização da criação de
aves da fauna silvestre brasileira.
Acreditam, os ambientalistas e gestores ambientais,
de modo pouco sensato, como de costume, que existe um mercado milionário de
passarinhos, e que a população que adora criar essas aves é manipulada por inescrupulosos
“contrabandistas”, que enchem os bolsos de dinheiro e maltratam os pássaros.
No caso dos psitacídeos – papagaios, periquitos e
araras, para ficar nos exemplares mais visados –, chega-se ao equívoco de supor
que a (necessária) legalização da comercialização dessas espécies encobertaria
o mercado marginal da caça predatória realizada no interior da floresta.
Mostrar as gaiolas é politicamente incorreto para
os ambientalistas, mas esse nem é o problema, em “Roma”. O que incomoda mesmo é
que as gaiolas são gratuitas, parecem artificiais, um recurso forçado – um
clichê, enfim.
E embora muito filme seja gasto com o serviço das
empregadas, em nenhuma cena – nenhuma! – aparece alguém alimentando os
passarinhos.
Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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