domingo, 20 de janeiro de 2019



Mostrando passarinho em gaiola, diretor de “Roma” vence Globo de Ouro
* Ecio Rodrigues
O mexicano Alfonso Cuarón venceu o Globo de Ouro 2019 de Direção pelo longa “Roma” –, obra que teve a pretensão de demonstrar (sem êxito, diga-se) que o cinema não precisa ser populista para exercitar uma forte conexão com o povo.
Entre todos os clichês presentes na película (a maioria com viés politicamente correto), destinados a reforçar a identificação do espectador com a história, as frequentes cenas onde aparecem gaiolas com passarinhos chamam a atenção.
Para quem não viu, o roteiro se prende ao cotidiano de uma família de classe média alta, na Cidade do México, entre 1970 e 1971. Por sinal, a ausência de referências à Copa do Mundo de 1970 é uma falha imperdoável: um cartaz atrás da porta do filho adolescente é tudo o que aparece sobre a única vez em que o México sediou o maior evento futebolístico do planeta.
A narrativa se desenrola em torno da dupla de empregadas domésticas que cuida da rotina da casa. Um trabalho árduo para dar conta dos afazeres diários, demoradamente filmados, que incluem limpar, cozinhar, juntar cocô de cachorro, lavar roupas e calçadas e servir de babá aos 4 filhos dos patrões.
Uma delas, Cléo, se envolve com um sujeito imprestável, que se dedica a treinar o que chama de “artes marcais”, e encontra nisso um sentido para sua vida medíocre.
Ao engravidar, Cléo é rejeitada e se vê às voltas com os problemas de uma mãe solteira entregue à própria sorte. Ela é amparada pela patroa (que também acaba de ser abandonada pelo marido), de uma maneira atípica, de tão carinhosa.
Aliás, sendo reflexo da realidade vivenciada pela sociedade mexicana da época, o comportamento exemplar da patroa (ainda que se esquive do populismo) é um tanto anômalo – da mesma forma que a presença constante das gaiolas de passarinho.
Ocorre que, além de pertencerem ao universo masculino ­– a despeito de as mulheres dominarem o ambiente doméstico retratado, onde não há homens –, as gaiolas destoam da linha politicamente correta assumida pelo filme.
A criação de passarinhos em gaiolas, apesar de muito popular na América do Sul (e decerto no resto do mundo), é prática demonizada pelo movimento ambientalista. No Brasil, é comum que a fiscalização ambiental vasculhe feiras agrícolas em busca de gaiolas de criadores “clandestinos” –, ou seja, que não tenham seus canários e coleiros devidamente registrados.
Cabe ressalvar que esse registro é algo muito difícil, para não dizer impossível, de ser obtido. Uma série de normas, entre as quais a IN nº 10/2011, do Ibama, estabelece um rol de regras abstrusas, discriminatórias e praticamente inexequíveis para a regularização da criação de aves da fauna silvestre brasileira.
Acreditam, os ambientalistas e gestores ambientais, de modo pouco sensato, como de costume, que existe um mercado milionário de passarinhos, e que a população que adora criar essas aves é manipulada por inescrupulosos “contrabandistas”, que enchem os bolsos de dinheiro e maltratam os pássaros.
No caso dos psitacídeos – papagaios, periquitos e araras, para ficar nos exemplares mais visados –, chega-se ao equívoco de supor que a (necessária) legalização da comercialização dessas espécies encobertaria o mercado marginal da caça predatória realizada no interior da floresta.
Mostrar as gaiolas é politicamente incorreto para os ambientalistas, mas esse nem é o problema, em “Roma”. O que incomoda mesmo é que as gaiolas são gratuitas, parecem artificiais, um recurso forçado – um clichê, enfim.
E embora muito filme seja gasto com o serviço das empregadas, em nenhuma cena – nenhuma! – aparece alguém alimentando os passarinhos.

Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.




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