Domesticação da fauna e flora deixou a humanidade
infeliz?
* Ecio Rodrigues
Nada mais romântico que a imagem de um casal
correndo seminu pelos campos e florestas, feliz com a fartura que a natureza
oferece, comendo frutas silvestres e caçando uma gazela (mas só no intuito de
saciar a fome, com muito respeito pelo bicho) para assar ao cair da noite numa
fogueira sob o céu estrelado. Lindo!
Uma antiga polêmica do universo romântico, que
contrapõe nomadismo versus sedentarismo, sugerindo que a felicidade da humanidade
(ou a infelicidade) teria relação com a opção assumida pelo homem ainda na
Pré-História, é um dos assuntos abordados pelo pesquisador israelense Yuval
Noah Harari em “Sapiens”.
Best-seller internacional, o livro é repleto de
curiosidades, e a partir delas o autor elenca conclusões e destila uma série de
pseudopolêmicas, que acabam por atrair atenção do leitor menos atento.
Segundo o estudioso, sua obra apresenta uma nova
maneira de contar a história real da humanidade – mas definitivamente não é esse
o caso. Decerto que descrever um período histórico de 70.000 anos, desde o
aparecimento da espécie sapiens até as angústias de hoje, seria ambição demais.
Ao abordar o surgimento do homem na Terra, o livro levanta
algumas hipóteses que poderiam explicar o predomínio do Homo sapiens sobre as outras espécies de hominídeos – de cuja
existência os paleontólogos encontraram evidências.
Defendendo a premissa de que o continente europeu não
é o centro do mundo, uma discussão pouco interessante tanto agora quanto
outrora, o autor se diverte postulando justificativas para demonstrar que o
homem europeu, pertencente à espécie Homo
neandertalis, ou simplesmente neandertal, foi dominado pelo sapiens, embora
este último tivesse menos força física e não fosse adaptado ao frio do velho
continente.
Essa é a curiosidade, o sapiens levou o neandertal à
extinção e dominou a Europa, fazendo o mesmo na Ásia, Oceania e assim por
diante, quando enfrentou as outras espécies humanas. Nesse ponto, chega-se a insinuar
que a dificuldade na aceitação dos refugiados da Síria vem daí, o sapiens é
dominador quando considera outros humanos.
Depois de se tornar a espécie dominante e conseguir
a façanha de ocupar todo o planeta, partindo da África, passando pela Sibéria, e
alcançando a Nova Zelândia e as Américas, o sapiens teria vivenciado uma série
de revoluções até chegar aos dias atuais.
A primeira dessas revoluções, denominada por Harari como
“revolução cognitiva”, ocorreu no período de dominação do sapiens. A partir da
assimilação do conhecimento, nossa espécie teria superado o porte físico mais
avantajado das outras espécies, bem como o fato de que elas estavam mais
adaptadas aos seus respectivos continentes.
Por sinal, para o autor, a dispersão do sapiens nos
continentes ocorreu sob uma tragédia, a extinção em massa de diversas espécies
da fauna e da flora. Outra curiosidade, e a conclusão sugerida é no sentido de que,
como estamos acostumados a extinguir espécies, vamos continuar fazendo isso.
Depois veio a “revolução agrícola”, a segunda dos
sapiens. Na visão do autor, ao domesticar os vegetais e animais que comemos no
cotidiano, isto é, os que fazem parte da nossa dieta, o sapiens teria cometido
um erro perigoso.
Deixar de ser caçador para se sedentarizar,
instalando-se em determinadas localidades – que se tornaram vilas, cresceram, transformaram-se
em cidades e continuaram a se desenvolver até se metamorfosear em metrópoles –
trouxe insegurança e outros problemas que teriam deixado a humanidade mais
infeliz.
Fácil perceber o que é curiosidade e o que é dedução.
Como, de forma geral, existe certa insatisfação da humanidade com o
capitalismo, na condição de sistema econômico, e com a democracia, na condição
de modelo político (a despeito de ambos serem considerados modelos definitivos),
a conclusão parece mesmo justificar a curiosidade.
Depois vieram as revoluções “científica” e “industrial”,
que levaram a humanidade a aumentar sua infelicidade – devido, sobretudo, à
desigualdade na distribuição da riqueza, que se concentra na mão de poucos.
O historiador arremata trazendo a informação de que os
mais endinheirados de hoje, como é o caso dos fundadores do Google, investem
seus recursos para dominar a morte. E conclui: eles têm razões de sobra para querer
viver mais. Curioso, não?
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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