terça-feira, 17 de outubro de 2017


Queimada recorde em outubro expõe equívoco da política estadual
* Ecio Rodrigues
Os defensores da política perpetrada pelo governo estadual vão, por suposto, desmentir, porém basta que se acesse o site do Programa de Monitoramento de Queimadas, gerido pelo conceituado Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), para constatar a evidência.
Hoje, dia 11 de outubro, no momento em que este artigo é elaborado, o Acre apresenta 1.025 focos de calor, o maior número já computado nesse mês desde 1998, quando se iniciaram as medições com a precisão empregada pelo Inpe. A título de comparação, representa mais que o dobro do total contabilizado durante todo o mês de outubro de 2016, ano em que o Acre bateu recorde de queimadas.  
Significa afirmar que até agora, tendo transcorrido apenas um terço do mês, o Acre registrou mais queimadas do que em todos os meses de outubro dos últimos 20 anos – incluindo até mesmo o ano de 2005, quando incêndios destruíram mais de 200 mil hectares de florestas na Reserva Extrativista Chico Mendes.
Diante da alta excepcional no cômputo de queimadas em outubro, e levando-se em conta ainda o recorde anual estabelecido em 2016, faz-se inevitável uma análise da política de governo levada a efeito, no estado, para a produção rural – principalmente no contexto da propriedade familiar, onde as estatísticas apontam maior concentração de focos de calor.
Explicando melhor. É farta a literatura especializada que aborda a intrínseca relação entre política pública, desmatamento e queimadas na Amazônia. As pesquisas demonstram que, embora as condições do clima interfiram na realização do fogo, a decisão pela prática agrícola da queimada é sempre do produtor.
Mas, para o produtor tomar essa decisão, não é tão simples como se imagina. Ele precisa pôr na balança os custos e o retorno obtido com a área adubada pela queima, que em seguida deve ser cultivada, de modo que o trabalho não seja perdido.
No âmbito da pequena propriedade, essa decisão de investimento envolve a aplicação de um novo cronograma de produção e afeta toda a unidade familiar, exigindo distribuição de trabalho entre mulheres, filhos e agregados.
Enfim, é preciso algum incentivo para estimular o produtor a ampliar ou diversificar sua produção. Esse tipo de incentivo, para o caso especial da frágil produção rural do Acre, tem origem única: a política pública.
É o governo da ocasião e, em situações menos visíveis, a prefeitura da ocasião, que chega até o produtor com promessa de crédito, de compra da produção ou de abertura de ramal, quase sempre nessa ordem.
Por outro lado, o inusitado recorde de agora sugere que os produtores, eventualmente, podem ter sido levados a adiar a queima para outubro, no intuito de se minimizarem os costumeiros picos de queimada que ocorrem no mês de setembro.
Um estratagema grave, decerto, pois, além de aludir a um pacto desonroso e contraproducente, demonstraria uma resignação inconcebível por parte da política pública, expressando tão somente o desejo de varrer o problema para debaixo do tapete; afinal, a liberação da demanda represada em setembro pode justificar o recorde de queimadas em outubro, e assim sucessivamente. Sem solução.
Um pacto hipócrita e inócuo, cujo efeito seria apenas o de infundir no produtor a crença de que, desde que se desvie a atenção de ambientalistas e da população urbana que lota os hospitais, não há óbice em queimar – ou seja, no fundo, a prática da queimada não é tão perniciosa como se grita, e basta alterar a época do fogo que fica tudo bem.
Considerando-se que o calendário eleitoral foi antecipado em mais de um ano, com candidatos fazendo campanha explícita como pré-candidatos, é possível conjecturar que o suposto pacto pela queimada teria propósito eleitoral. Mas essa já é outra análise.



*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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