Queimada recorde em
outubro expõe equívoco da política estadual
* Ecio Rodrigues
Os defensores
da política perpetrada pelo governo estadual vão, por suposto, desmentir, porém
basta que se acesse o site do Programa de Monitoramento de Queimadas, gerido
pelo conceituado Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), para
constatar a evidência.
Hoje,
dia 11 de outubro, no momento em que este artigo é elaborado, o Acre apresenta 1.025
focos de calor, o maior número já computado nesse mês desde 1998, quando se
iniciaram as medições com a precisão empregada pelo Inpe. A título de
comparação, representa mais que o dobro do total contabilizado durante todo o
mês de outubro de 2016, ano em que o Acre bateu recorde de queimadas.
Significa
afirmar que até agora, tendo transcorrido apenas um terço do mês, o Acre
registrou mais queimadas do que em todos os meses de outubro dos últimos 20
anos – incluindo até mesmo o ano de 2005, quando incêndios destruíram mais de
200 mil hectares de florestas na Reserva Extrativista Chico Mendes.
Diante
da alta excepcional no cômputo de queimadas em outubro, e levando-se em conta
ainda o recorde anual estabelecido em 2016, faz-se inevitável uma análise da
política de governo levada a efeito, no estado, para a produção rural – principalmente
no contexto da propriedade familiar, onde as estatísticas apontam maior
concentração de focos de calor.
Explicando
melhor. É farta a literatura especializada que aborda a intrínseca relação
entre política pública, desmatamento e queimadas na Amazônia. As pesquisas
demonstram que, embora as condições do clima interfiram na realização do fogo,
a decisão pela prática agrícola da queimada é sempre do produtor.
Mas,
para o produtor tomar essa decisão, não é tão simples como se imagina. Ele precisa
pôr na balança os custos e o retorno obtido com a área adubada pela queima, que
em seguida deve ser cultivada, de modo que o trabalho não seja perdido.
No âmbito
da pequena propriedade, essa decisão de investimento envolve a aplicação de um
novo cronograma de produção e afeta toda a unidade familiar, exigindo distribuição
de trabalho entre mulheres, filhos e agregados.
Enfim,
é preciso algum incentivo para estimular o produtor a ampliar ou diversificar
sua produção. Esse tipo de incentivo, para o caso especial da frágil produção
rural do Acre, tem origem única: a política pública.
É o
governo da ocasião e, em situações menos visíveis, a prefeitura da ocasião, que
chega até o produtor com promessa de crédito, de compra da produção ou de
abertura de ramal, quase sempre nessa ordem.
Por
outro lado, o inusitado recorde de agora sugere que os produtores, eventualmente,
podem ter sido levados a adiar a queima para outubro, no intuito de se minimizarem
os costumeiros picos de queimada que ocorrem no mês de setembro.
Um estratagema
grave, decerto, pois, além de aludir a um pacto desonroso e contraproducente,
demonstraria uma resignação inconcebível por parte da política pública, expressando
tão somente o desejo de varrer o problema para debaixo do tapete; afinal, a
liberação da demanda represada em setembro pode justificar o recorde de queimadas
em outubro, e assim sucessivamente. Sem solução.
Um
pacto hipócrita e inócuo, cujo efeito seria apenas o de infundir no produtor a
crença de que, desde que se desvie a atenção de ambientalistas e da população
urbana que lota os hospitais, não há óbice em queimar – ou seja, no fundo, a prática
da queimada não é tão perniciosa como se grita, e basta alterar a época do fogo
que fica tudo bem.
Considerando-se
que o calendário eleitoral foi antecipado em mais de um ano, com candidatos
fazendo campanha explícita como pré-candidatos, é possível conjecturar que o suposto
pacto pela queimada teria propósito eleitoral. Mas essa já é outra análise.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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