Queimadas,
tolerância zero!
Inadmissível
que em 2017, quando são mais que evidentes os efeitos nefastos das queimadas
para a sociedade, quando não se tem a menor dúvida que a prática da queimada causa
prejuízos inestimáveis à economia, à natureza e ao próprio produtor rural que a
utiliza, ainda exista quem justifique esse rudimentar método agrícola.
Os paladinos
do fogo defendem a queimada como um costume “cultural”, e para o qual não
haveria alternativa tecnológica no âmbito da pequena propriedade rural
amazônica. Segundo entendem, as numerosas pesquisas levadas a cabo por
instituições como a Embrapa resultaram em tecnologias voltadas para a grande
propriedade, inacessíveis ao pequeno produtor.
Não é
verdade. A utilização de maquinário na preparação do solo hoje faz parte da
realidade rural amazônica, tanto na grande quanto na média e na pequena
propriedade. Difícil imaginar um lugar onde a máquina não seja disponibilizada aos
produtores – por sinal, em algumas localidades os tratores são mais acessíveis
ao pequeno do que ao médio ou ao grande produtor.
Acontece
que, não raro, o serviço é custeado pela sociedade com o dinheiro público e
oferecido gratuitamente aos pequenos produtores por governos populistas (que
são maioria na região).
Se existem propriedades rurais situadas em locais onde
as condições de relevo não tornam possível o emprego de maquinário – aí já é
outra história; nesse caso, o que deve ser motivo de questionamento é a
localização em si dessas propriedades, uma vez que é notório que a produção
rural na Amazônia não traz retorno econômico sem mecanização.
Enfim,
mecanizando ou não, chega a ser ofensivo que se justifique a queimada pelo lado
tecnológico. Esse gargalo foi superado há muito tempo pela Embrapa, que pode colocar
à disposição dos produtores um pacote tecnológico adequado a cada realidade.
Basta vontade política por parte dos gestores públicos.
Vencido o
argumento da tecnologia de produção, restaria ainda a hipótese de que o
produtor queima porque o pai lhe ensinou o que aprendeu com o avô, que foi
ensinado pelo bisavô e assim por diante, até chegar – no final da árvore
genealógica do uso do fogo – a um longínquo ascendente indígena que deu início
à cultura das queimadas.
Na
verdade, e como se sabe, o emprego do fogo para a limpeza do solo é um expediente
arcaico, usado por culturas primitivas, sem acesso a técnicas modernas e instrumentalização
agrícola. Em todo o mundo as populações que não tinham meios de arar e gradear
a terra se valiam das queimas. Isso não é novidade.
Sem
embargo, a afirmação de que a queimada é cultural na Amazônia carece de
estatísticas, posto que não há comprovação do uso recorrente da queima (ou
seja, daquela realizada anualmente, e não apenas para a primeira instalação do
roçado) por parte das mais de 200 etnias indígenas presentes na região.
Por outro
lado, admita-se que seja mesmo cultural. Muitas condutas humanas tidas como
culturais ou tradicionais nalgum momento da história foram sendo substituídas,
ao longo do tempo, por processos menos agressivos aos indivíduos e à natureza.
Nada demais.
É absurdo
supor que um procedimento tão pernicioso, cuja prática se tornou regular pela ausência
de equipamentos, seja alçado à condição de atividade cultural, e sob tal
argumento continue a ser tolerado, a despeito dos profundos malefícios causados
à sociedade.
A
história mostra que a superação de certos males só é possível quando se estabelece
tolerância zero. Chega de queimadas, não é mesmo?
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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