segunda-feira, 5 de junho de 2017

Fauna amazônica é bom negócio
* Ecio Rodrigues
Antropólogos, sociólogos e outros profissionais envolvidos com a realidade socioeconômica presente no interior da floresta amazônica, sobretudo nos antigos seringais transformados em Reservas Extrativistas, costumavam afirmar, não sem certa presunção, que não havia problemas na criação de “algumas vaquinhas” em uma Resex, que isso não significava aumento do desmatamento.
Erraram reiteradas vezes e muitos persistem, por teimosia, no erro. Não há dúvida científica quanto ao fato de que o desmatamento para plantar capim e alimentar a boiada – na pequena e na grande propriedade – configura a maior ameaça à conservação da floresta amazônica.
Embora não constituindo o eixo da discussão travada neste artigo, essa contextualização é importante por razão outra, já que do mesmo jeito que os antropólogos defendem a criação de boi pelo extrativista também endossam a caça de subsistência.
O raciocínio é no sentido de que ambas as atividades são necessárias para aplacar a fome do pequeno produtor rural, sendo que a vaquinha funcionaria como poupança, uma reserva de valor, enquanto paca, queixada, cateto (animais silvestres da fauna amazônica) – esses sim, seriam destinados à panela mesmo.
É provável que esteja na valorização do gado como riqueza e da fauna amazônica como despensa, ou estoque de proteína, o lado perverso desse raciocínio, que ajuda a explicar boa parte da força da pecuária de gado como atividade econômica, diante da falta de atratividade que caracteriza as atividades baseadas na exploração da biodiversidade.
Enfim, para concluir a análise: sob o ponto de vista técnico, há que se convir que deveria ser bem mais lucrativo para o produtor comer o boi e vender carne de paca. Mas não é o que acontece.
Por um lado, a produção de carne de animais silvestres possui algumas vantagens evidentes, tais como: tecnologia de criação reconhecida e de fácil aplicação; custo de produção inferior ao valor da carne no mercado; oferta reduzida do produto frente a uma demanda ascendente.
Por outro lado, entretanto, essa produção é esmagada por uma normatização obstinadamente rigorosa, a ponto de se tornar inaplicável (a começar pela Lei de Crimes Ambientais), e ainda por cima intricada, abstrusa, dando margem a interpretações subjetivas, tendenciosas e questionáveis – no fim das contas, os analistas ambientais do Ibama se pretendem mais rígidos que as próprias normas.
Acontece que eles são, publicamente, contrários à produção de carne de animais silvestres amazônicos, porque creem no absurdo de que a consolidação do mercado legalizado pode servir de fachada para a ampliação do mercado ilegal (que, pasme-se!, já é grande e continua crescendo cada vez mais).
São apoiados, nessa forma simplória e equivocada de encarar o problema, por um punhado de ambientalistas adeptos do preservacionismo e que insistem que a solução está na fiscalização estatal (muito embora essa saída venha sendo tentada nos últimos 30 anos sem nenhum resultado).
Experiências levadas a cabo na Amazônia demonstram a importância comercial da fauna silvestre, e a viabilidade ecológica, técnica e econômica dessa produção se encontra comprovada há pelo menos 20 anos.
Houve um tempo em que o mercado de carne de animais silvestres amazônicos era responsável por considerável parcela da dinâmica econômica regional – e nenhuma espécie foi extinta nesse mercado.
Está na destruição da floresta a raiz dos males amazônicos, aquele mesmo desmatamento causado pela vaquinha da poupança defendida por sociólogos e antropólogos...

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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