quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Autorregulação da atividade florestal na Amazônia
* Ecio Rodrigues
Um rol extenso de normativas opera sobre as atividades produtivas do setor primário na Amazônia. É por meio dessa regulação estatal que o produtor é submetido às regras de manutenção da Reserva Legal (80% da propriedade privada não pode ser desmatada) e de preservação da mata ciliar dos rios.

A regulação estatal também fez instituir, em alguns estados amazônicos, o Zoneamento Ecológico e Econômico. Em que pese o efeito concreto desse dispendioso processo de planejamento do uso do solo, o ZEE ampliou ainda mais o já farto aparato normativo imposto ao produtor.

Mais recentemente, o produtor se viu às voltas com um novo gênero de regras a serem assimiladas, embora sem obrigação legal para tal, concernentes à regulação de mercado. Já cabreiro e indisposto com o excesso de imposições a que é submetido, o produtor na Amazônia levou muito tempo – tempo demais – para acreditar na certificação florestal.

Não obstante, a certificação florestal, em especial a que diz respeito ao selo adjudicado pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal, conhecido pela sigla em inglês FSC, é uma tendência e se configura na mais importante regulação de mercado atualmente praticada.

Além da regulação estatal e da regulação de mercado, os produtores do setor florestal devem observar também, ainda que sob menor poder impositivo (digamos assim), as regras concernentes à autorregulação da atividade.
Ocorre que, na atividade florestal existe o risco da escassez do produto ou matéria-prima, que pode ser causada pela sobre-exploração de um recurso.  

A sobre-exploração tem lugar sempre que a quantidade de matéria-prima retirada pelo produtor não respeita a capacidade de reposição do ecossistema, prejudicando a sua regeneração natural.
Assim sendo, a autorregulação estabelece preceitos a serem seguidos, a fim de evitar-se que o estoque futuro do produto florestal venha a ser comprometido.

O risco de sobre-exploração existe especialmente com relação aos recursos florestais de uso comum, e o caso da pesca é um bom exemplo: o chamado “acordo de pesca”, uma espécie de código de postura adotado por comunidades de pescadores, configura-se um instrumento de autorregulação bastante comum na Amazônia.  

Na verdade, nesse tipo de produção, em face do acesso permitido a todos os produtores e da ausência de definição de áreas individuais de exploração, ou, ainda, nos contextos em que os recursos migram de uma área para outra (como os peixes), a  regulação estatal não é suficiente para garantir o controle do estoque. Por outro lado, não há espaço para a regulação de mercado, uma vez que, na maior parte das vezes, trata-se de pequenos produtores, que não alcançam mercados mais volumosos, em cujo âmbito a certificação florestal funciona como incentivo para a compra.
Em tal conjuntura, portanto, em que o recurso florestal explorado é comum, e os direitos de propriedade não são reconhecidos pela regulação estatal, os sistemas de autorregulação são fundamentais para permitir a continuidade do processo produtivo e garantir a manutenção do recurso florestal manejado.

Desde os primórdios da produção florestal na região, iniciada com as chamadas “drogas do sertão”, passando pela borracha, castanha-do-brasil e chegando à madeira, a autorregulação de alguma forma foi exercida, mediante o cumprimento de regras instituídas pelos próprios produtores, independentemente de uma fiscalização instituída.

A análise das interfaces dos diversos tipos de regulação que se aplicam à atividade florestal é um imperativo para a sustentabilidade da produção florestal na Amazônia.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).


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