Sobre o extrativista inexistente na década de 1970
* Ecio Rodrigues
Os extrativistas conseguiram vencer todos os
ciclos econômicos florestais – das drogas do sertão (século XVI) até o mais
recente ciclo econômico da madeira, iniciado no final do século passado –
fazendo o inusitado: extraindo produtos da floresta.
Não obstante, depois que a seringueira foi
domesticada nos seringais cultivados da Ásia, o extrativismo chegou a ser
considerado uma atividade extinta.
Esse processo de domesticação, está claro, foi
de fato um duro e quase definitivo golpe para a produção oriunda dos seringais
nativos amazônicos. Assim, não é de espantar que, na década de 1970 – após uma
breve recuperação da atividade em face do esforço produtivo impingido pela
Segunda Guerra Mundial –, o fim do extrativismo, como modo de produção, e do
produtor extrativista, como ator social de relevância, tenha sido
institucionalmente decretado pelo Estado brasileiro.
À época, o país passava por seu Milagre
Econômico. Diante de elevados índices de crescimento, a expansão da economia e
da ocupação do território era questão de primazia para o Governo Militar. A
organização da infraestrutura para a ocupação produtiva e social da Amazônia
foi intensificada, sob altas taxas de investimento público, que não se
repetiriam no decorrer da história econômica da região.
A prioridade, como não poderia ser diferente,
era a pavimentação das rodovias principais (como a BR 230, conhecida por
Transamazônica), a fim de que houvesse condições de escoamento de uma intensa
produção agropecuária, proporcional ao que se pretendia da região que seria o
celeiro do mundo.
Esperava-se que, por meio da expansão da
fronteira agropecuária, sobretudo do investimento na criação de gado, fosse
possível garantir uma ocupação produtiva permanente na Amazônia, afastando-se o
fantasma da “cobiça internacional”, e assentando a região nos trilhos do
progresso, mediante seu ingresso definitivo no sistema econômico nacional.
Evidentemente, o extrativismo não estava
inserido nessa estratégia de ocupação. Primeiro, em face da quase inexistência
dos produtos extrativos nas estatísticas oficiais; segundo, porque o modo
extrativista de produção não promovia a tão esperada sedentarização do processo
produtivo e da economia, na forma como se projetava em relação à pecuária.
Ocorre que os planejadores da ocupação do
território nacional, que se debruçaram para entender a ocupação produtiva da
Amazônia e estabelecer estratégias para a sua consolidação no curto prazo,
acreditavam que o extrativismo era coisa do passado, e que o produtor
extrativista teria abandonado a região, num refluxo migratório de volta ao
Nordeste do país. Amparavam essas constatações no fato inquestionável de que o
mercado de borracha apresentava tendência permanente de queda.
Era natural associar a presença do
extrativista à produção de borracha, uma vez que a demografia no interior da
floresta fora reduzida de forma expressiva, depois do agravamento da crise no
mercado gomífero. Os poucos órgãos estatais que se aventuravam entrar na
floresta para a prestação de algum serviço relatavam a presença de um número
cada vez menor de produtores que seguiam extraindo látex.
O fato é que, ao delinear a ocupação de toda a
Amazônia, apoiando-se em mapas e imagens de satélites ou de radar, em escalas
superiores a 1:1.000.000, os planejadores simplesmente ignoraram a presença do
extrativista na floresta.
Todavia, uma quantidade considerável de
famílias continuava a extrair algum tipo de produto florestal, e a realizar sua
comercialização por meio de um sistema de regatões, de marreteiros, e mesmo de
alguns “patrões” que ainda persistiam.
Foi essa comercialização que garantiu a
manutenção do extrativismo e, por conseguinte, a permanência da floresta.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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