segunda-feira, 13 de maio de 2013


Sobre capados e queixadas
* Ecio Rodrigues
Entre os bichos domesticados e os selvagens, os que vieram sabe-se lá de onde e os nativos, os que são fáceis de manejar e os que exigem cuidados especiais, os que possuem pacote tecnológico completo para serem criados e os que ainda precisam de muita tecnologia a ser desenvolvida, não há melhor exemplo para discussão do que o porco.
No Brasil, denomina-se “capado” o porco que alimenta o mundo. Aquele do qual foram retirados os testículos para o favorecimento da engorda. Trata-se de um dos animais mais comuns no planeta, usados em larga escala para alimentar as pessoas de todas as classes sociais em praticamente todos os países.
A fim de cumprir o seu desígnio de fornecer proteína para uma quantidade imensurável de gente, esses dóceis animais passaram por processo intenso e permanente de melhoramento genético, visando ao aumento da carcaça e ao incremento da carne produzida, bem como ao aprimoramento do sabor. Tudo para facilitar a lida diária do produtor e satisfazer as exigências do consumidor.
Queixadas, por outro lado, são porcos selvagens, nativos de biomas como o das florestas amazônicas, onde são bastante frequentes. O queixada é um animal que se alimenta dos recursos encontrados no interior da floresta e vive acompanhado por algumas fêmeas e filhotes, formando grupos que migram de um lugar para outro de forma constante.
O queixada é apreciado por sua índole selvagem e pelo sabor exclusivo e exótico de sua carne. Não obstante, diferentemente do capado, não é consumido regularmente, nem mesmo na sua região de origem.
Acontece que o capado é produzido em larga escala, sob incentivo financeiro governamental, constituindo um negócio muito importante para a composição da riqueza nacional e envolvendo centenas de produtores.
Todavia, se, em relação à produção de capados, o ambiente de negócios (como costumam chamar os administradores) pode ser considerado excelente, o manejo e a criação de queixadas são objeto de preconceito exagerado, o que leva a uma série de restrições que, por sua vez, tornam essa atividade proibitiva para os pequenos e médios produtores amazônidas.
E por falar em ambiente, é bem possível que a maior restrição para que a carne de queixada complemente a dieta humana venha dos analistas da esfera ambiental dos governos. Há uma contradição perniciosa, entre as muitas que comprometem a atuação dos órgãos ambientais, que faz com que os defensores do meio ambiente têm manifesta preferência pelos capados.
Contradição, em primeiro lugar, porque os ambientalistas são os primeiros a questionar a produção de alimentos que passam por melhoramento genético e as cruéis condições impostas aos animais que são levados à mesa do consumidor. Ora, ambas as situações podem ser aplicadas aos capados.
Contradição, em segundo lugar, porque esses mesmos ambientalistas defendem a aproximação do homem com a vida selvagem e a possibilidade de a humanidade consumir alimentos menos manipulados pela tecnologia da produção em larga escala. Ora, esse é o caso dos queixadas.
Contradição, em terceiro lugar, porque a justificativa para as barreiras intransponíveis que são impostas ao manejo dos queixadas se baseia no fato de que o mercado legalizado – pasme-se! – poderia encobrir o mercado negro, abastecido com os animais ilegalmente abatidos na floresta.
Enquanto a maioria prefere os capados, domésticos e melhorados, uns poucos abnegados continuam a insistir que o manejo dos queixadas, selvagens e exóticos, merece uma chance.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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