Sobre
capados e queixadas
* Ecio Rodrigues
Entre
os bichos domesticados e os selvagens, os que vieram sabe-se lá de onde e os
nativos, os que são fáceis de manejar e os que exigem cuidados especiais, os
que possuem pacote tecnológico completo para serem criados e os que ainda precisam
de muita tecnologia a ser desenvolvida, não há melhor exemplo para discussão do
que o porco.
No
Brasil, denomina-se “capado” o porco que alimenta o mundo. Aquele do qual foram
retirados os testículos para o favorecimento da engorda. Trata-se de um dos
animais mais comuns no planeta, usados em larga escala para alimentar as
pessoas de todas as classes sociais em praticamente todos os países.
A
fim de cumprir o seu desígnio de fornecer proteína para uma quantidade imensurável
de gente, esses dóceis animais passaram por processo intenso e permanente de
melhoramento genético, visando ao aumento da carcaça e ao incremento da carne produzida,
bem como ao aprimoramento do sabor. Tudo para facilitar a lida diária do
produtor e satisfazer as exigências do consumidor.
Queixadas,
por outro lado, são porcos selvagens, nativos de biomas como o das florestas
amazônicas, onde são bastante frequentes. O queixada é um animal que se
alimenta dos recursos encontrados no interior da floresta e vive acompanhado por
algumas fêmeas e filhotes, formando grupos que migram de um lugar para outro de
forma constante.
O
queixada é apreciado por sua índole selvagem e pelo sabor exclusivo e exótico
de sua carne. Não obstante, diferentemente do capado, não é consumido
regularmente, nem mesmo na sua região de origem.
Acontece
que o capado é produzido em larga escala, sob incentivo financeiro governamental,
constituindo um negócio muito importante para a composição da riqueza nacional
e envolvendo centenas de produtores.
Todavia,
se, em relação à produção de capados, o ambiente de negócios (como costumam
chamar os administradores) pode ser considerado excelente, o manejo e a criação
de queixadas são objeto de preconceito exagerado, o que leva a uma série de
restrições que, por sua vez, tornam essa atividade proibitiva para os pequenos
e médios produtores amazônidas.
E
por falar em ambiente, é bem possível que a maior restrição para que a carne de
queixada complemente a dieta humana venha dos analistas da esfera ambiental dos
governos. Há uma contradição perniciosa, entre as muitas que comprometem a
atuação dos órgãos ambientais, que faz com que os defensores do meio ambiente têm
manifesta preferência pelos capados.
Contradição,
em primeiro lugar, porque os ambientalistas são os primeiros a questionar a produção
de alimentos que passam por melhoramento genético e as cruéis condições
impostas aos animais que são levados à mesa do consumidor. Ora, ambas as
situações podem ser aplicadas aos capados.
Contradição,
em segundo lugar, porque esses mesmos ambientalistas defendem a aproximação do
homem com a vida selvagem e a possibilidade de a humanidade consumir alimentos
menos manipulados pela tecnologia da produção em larga escala. Ora, esse é o
caso dos queixadas.
Contradição,
em terceiro lugar, porque a justificativa para as barreiras intransponíveis que
são impostas ao manejo dos queixadas se baseia no fato de que o mercado legalizado
– pasme-se! – poderia encobrir o mercado negro, abastecido com os animais ilegalmente
abatidos na floresta.
Enquanto
a maioria prefere os capados, domésticos e melhorados, uns poucos abnegados continuam
a insistir que o manejo dos queixadas, selvagens e exóticos, merece uma chance.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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