Sobre a hidrovia dos rios Madeira e Amazonas
* Ecio Rodrigues
É muito grande a circulação
de cargas e pessoas pelo rio Amazonas. A quantidade de embarcações (de todos os
tamanhos e destinadas a todo o tipo de transporte) que atracam ao longo da orla
fluvial do Porto de Itacoatiara, por exemplo, desafiam as tentativas de
monitoramento e controle.
Recebendo embarcações que saem de Porto Velho, em Rondônia, e deságuam no
rio Amazonas, o Porto de Itacoatiara está em constante movimento; afinal, é por
ali que trafega grande parte da economia regional.
Uma dinâmica econômica que é movida pela existência da única via de
ligação entre Manaus e Belém, a fluvial. É por essa via que são escoadas, por
exemplo, os grãos de soja colhidos em Rondônia.
E como as empresas da Zona Franca são montadoras, é por essa via também
que chegam as peças e equipamentos que são montados em Manaus, e que saem todas
as manufaturas e quinquilharias ali produzidas.
Barcas com 10, 20, 100 contêineres navegam pelo rio, conduzidas por
rebocadores de grande calado. Vão atracar em Belém, de onde continuarão
navegando, através do oceano Atlântico, em busca dos mercados internacionais,
ou irão tomar as rodovias para atender ao mercado nacional.
Uma discussão tem sido travada por ambientalistas contrários à instalação
de uma hidrovia que abrangeria os rios Purus, Madeira e Amazonas. Todavia, os
argumentos levantados não têm cabimento, por várias razões.
O principal argumento é que o rio se transformaria em um modal de
transporte, que, tal como acontece com as rodovias, serviria para o transporte
de cargas e de pessoas, o que colocaria em risco a função ambiental do recurso
fluvial.
Alegação precária, que não resiste à constatação de que o rio já é usado para
esse fim: não será a hidrovia que tornará o rio a principal via de escoamento,
pois ele já o é. Que a hidrovia pode ampliar e promover esse modal fluvial, não
há dúvida; que isso poderá incrementar em 20 ou 30% a quantidade da cabotagem
atual, também não há a menor dúvida.
Por outro lado, esse incremento de cabotagem seguramente virá associado
ao cuidado com o rio. A hidrovia oficializará (digamos assim) a condição do rio
como via de acesso essencial para a região. Implica dizer que o rio não poderá
estar assoreado, o que exigirá cuidado com a mata ciliar, algo impensável
atualmente.
Significa que o rio não poderá ter sua vazão ou equilíbrio hidrológico
comprometido, pois, do contrário, não haverá transporte fluvial. Significa
também que o rio não poderá desbarrancar (sem a proteção conferida pela mata
ciliar); e que as cidades e povoados terão que obrigatoriamente dispor de
portos estruturados para acomodar passageiros, com, no mínimo, ambientes distintos
para embarque e desembarque. Nada disso existe hoje, a despeito de o rio ser
usado como via de transporte e escoamento.
Além de organizar o deslocamento, com controle de cargas e de pessoas,
sinalização e estruturação, a hidrovia possibilitará que se confira transparência
às condições do rio, na medida em que serão geradas informações necessárias à gestão
da via fluvial.
A hidrovia é uma concessão pública. Da mesma forma como ocorre no caso da
aviação e das autoestradas, trata-se de um serviço público que precisa ser
licitado e outorgado a uma empresa – que, por seu turno, explora esse serviço
por um período de tempo determinado. Evidentemente, essa empresa irá cobrar do
usuário e pagar a concessão para o poder público. É assim que funciona em todo
o mundo.
Instituir um sistema de pagamentos pela conservação da mata ciliar pode
resolver uma série de problemas no rio, mas, sem a hidrovia, isso nunca acontecerá.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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