segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Cada povo tem a Hora que merece
* Ecio Rodrigues
Os políticos costumam dizer que a vontade do povo deve prevalecer. E ainda que o povo credite tal afirmativa à mera demagogia, quando, de fato, a vontade da maioria é sobrepujada, quando os políticos e as instituições do Poder Legislativo e Executivo negligenciam a Democracia - e a população começa a crer que foi ludibriada, pondo em dúvida a supremacia do seu direito sagrado ao voto -, é hora de se acionar o Poder Judiciário.
É lamentável quando um juiz decide no lugar das autoridades públicas legitimamente eleitas. A Democracia sofre um duro golpe todas as vezes que isso ocorre.  Contudo, em democracias suscetíveis como a nossa, cuja fragilidade se amplia à medida que se afasta do centro do poder em Brasília - chegando ao limite em regiões periféricas como o Acre -, infelizmente, há momentos em que o Judiciário precisa intervir.
O Referendo Popular acreano, que retomou o fuso horário original, transformou-se em caso de justiça. É hora de o Ministério Público fazer valer a vontade do povo.
As ocorrências que culminaram no veto presidencial à lei que reconheceu o Referendo Popular realizado no Acre ainda em 2010 podem ser agrupadas, didaticamente, em três momentos distintos: Oportunismo, Rejeição e Confusão. Todos, porém, possuem uma particularidade em comum - o desdém para com a Democracia.
No momento do Oportunismo, uma intervenção burocrática da tecnocracia estatal foi empregada para protagonizar-se uma medida inusitada, a mudança na Hora das pessoas.
Para se entender melhor: existe no país uma casta de funcionários públicos de carreira, que são muito bem remunerados e dão pouco retorno para a sociedade, mas que cumprem um papel importante - o de manter em funcionamento a estrutura pública, independentemente do governo que conduz o Estado.
Esses funcionários, aqui denominados tecnocratas, vez ou outra, tentam contribuir com algum tipo de iniciativa - puramente técnica, diga-se - para melhorar o desempenho público-estatal. Como são oriundos, sobretudo, do Sudeste, principalmente do eixo Rio x São Paulo, os tecnocratas acreditam que as demais regiões do país cumprem papel meramente secundário na construção da nação que é a sexta economia mundial. 
Para eles, o ideal seria que o país tivesse apenas um fuso horário, uma única Hora - a deles, obviamente -, sem embargo do fato de o planeta Terra ser redondo. Vale dizer, diminuir-se uma hora do fuso horário seguido no Acre, no sul do Amazonas e no sudoeste do Pará seria uma questão de simples formalidade.
Até aí, tudo normal; mas o desprezo com a Democracia abrolha no momento em que o Oportunismo transforma uma decisão tecnocrata em lei, aprovada pelo Congresso Nacional, em Brasília. Em nenhum instante, fez-se a pergunta fundamental: podemos alterar a Hora das pessoas, sem consultá-las?
O momento da Rejeição mostrou que não, que não se pode fazer isso. Ao se consultar o povo acreano, a resposta foi mais que convincente. No Referendo (que se confunde com plebiscito, que seria o caso se a pergunta tivesse sido feita antes), os eleitores, exercendo o direito ao voto, por maioria, exigiram o retorno ao horário original.
Surge aí o momento da Confusão. Evidentemente, a soberana vontade do povo deveria valer imediatamente. Mas entendeu-se que somente uma lei poderia alterar outra. Assim, depois de oito meses, a tal lei foi aprovada pelos deputados e enviada ao Senado, onde, de forma insana e de novo afrontando-se a Democracia, entendeu-se que o Referendo feito no Acre também valia para o Amazonas e Pará; o que fez com que o projeto retornasse para a aprovação final na Câmara. Em vista disso, a Presidência da República, baseada em outro parecer tecnocrata, resolveu vetar o projeto de lei.
No final das contas, o que prevalece mesmo, para nossa vergonha e desonra, é o nosso profundo desapreço, pouco-caso, desdém, pela Democracia. A Hora dos acreanos voltará ao normal, certamente. Mas a mácula permanecerá.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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