Alagação não era para ser bom negócio para ninguém
* Ecio Rodrigues
Primeiro é preciso fazer uma distinção técnica e conceitual crucial: cheia não é alagação. Existe uma diferença enorme entre essas duas situações pelas quais passam, periodicamente, os rios amazônicos.
As cheias são anuais, acontecem em todo período chuvoso do inverno amazônico que vai de dezembro a abril. São importantes para melhoria da vazão dos rios e sempre trazem novos nutrientes para enriquecimento das áreas de várzea e alimentação da ictiofauna.
Ou seja, as cheias renovam os rios, melhoram o leito, a vazão e, o mais importante, a oferta de comida, que por sua vez, amplia a quantidade de peixes deixando as comunidades que vivem da pesca felizes.
É a fartura que surge todo final de ano com a vitalidade de uma paisagem embriagadora. Vários rios amazônicos, como o Rio Acre, que corta a capital Rio Branco, formam uma bela paisagem somente nas cheias. No período de seca, quando a vazão vai a quase zero e o rio ameaça apartar, para usar um termo local, a visão é mais que sofrível.
Com uma paisagem triste e colocando em risco o abastecimento de água das cidades os rios aguardam pelas cheias para recuperarem sua vazão e contribuir para subsistência das famílias de pescadores e ribeirinhos, que dependem dele. Cheia é período de alegria e de fartura. É quando as pessoas mais se aproximam dos rios.
Já alagação é outra coisa.
Há estudos que procuram comprovar a ocorrência cíclica das alagações. Voltando ao exemplo do Acre, todos se recordam das grandes alagações que aconteceram no final da década de 1980 e depois no final da década de 1990. Mas esse intervalo de tempo entre uma e outra alagação é impossível de prever, por isso as alagações são, em sua grande maioria, tragédias.
Ocorre que essa imprevisibilidade associada às alagações faz com que a sociedade seja apanhada desprevenida. Geralmente, ninguém esta preparado para uma alagação que assume proporções elevadas. A tragédia se concretiza devido ao número, quase sempre muito grande, de pessoas atingidas pelas águas e pelo estrago causado.
Diferenciar cheias de alagações é fundamental, uma vez que o atendimento público a uma e outra situação é, ou deveria ser, bem distinto. Além do número de pessoas envolvidas, a condição de tragédia que gera profunda comoção social faz com que a resposta de governantes para as alagações aconteça em situações de calamidade pública.
Por outro lado as cheias, tendo em vista sua previsibilidade e a possibilidade de se planejar e antever seus efeitos requer uma resposta pública de caráter preventivo, a ser realizada de acordo com rotinas administrativas previamente estabelecidas e que são periódicas, ou seja, realizadas anualmente.
Ao contrário da alagação, as causas dos efeitos danosos provocados pelas cheias são conhecidas e passíveis de correção, a partir de uma ação permanente. Em sua grande maioria, essas causas estão vinculadas à ocupação irregular da mata ciliar dos rios e igarapés, que, especialmente em épocas de eleições, são até incentivadas pelos que pensam ser políticos, mas são, na verdade inescrupulosos.
O problema mais grave e perigoso surge quando, tratar cheias como se alagações fossem se torna um bom negócio para todos. Todavia é simples se detectar esse equívoco.
Afinal, alagação não acontece todo ano, apesar de todo ano ter gente alagada.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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