segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Desmatamento zero é a chave para o desenvolvimento sustentável da Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Não será pela força do mercado ou por graça divina, a contenção do desmatamento que todos os anos se alastra sobre novas áreas de floresta – e, em igual medida, a restauração florestal do que já foi destruído – depende de política pública em esfera federal e estadual.

Política que tem apresentado resultados desanimadores, pois desde que o Inpe iniciou as medições, em 1988, nunca a expansão do desmatamento chegou a ser zerada em nenhum estado, dos 9 localizados na Amazônia, nem por um único ano sequer.

Desnecessário mencionar a cobrança internacional, que a cada dia se acentua, a fim de que o país impeça a devastação florestal na Amazônia.

A verdade é que, com o passar do tempo, a humanidade está se tornando mais consciente quanto à necessidade de valorização e manutenção dos recursos naturais, bem como quanto às implicações ambientais decorrentes de um modelo de crescimento econômico que não leva em conta a resiliência dos ecossistemas.

Não à toa, termos como sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são repetidos nas conferências da ONU, sob uma leitura cada vez mais intransigente em relação a todo e qualquer desmatamento – inclusive e sobretudo o legalizado, vale dizer, o que é realizado, no Brasi, sob o amparo do Código Florestal.

Nesse contexto, mostra-se mais que oportuno situar o processo de construção do ideário do desenvolvimento sustentável, a fim de identificar as interfaces existentes entre esse conceito e o desmatamento na Amazônia.

Ocorre que as ideias antagônicas defendidas pelas duas principais vertentes do ambientalismo – preservacionismo e conservacionismo –, que disputam entre si espaço político na gestão ambiental nacional, expõem visões diferentes tanto em relação à sustentabilidade quanto ao desmatamento zero na Amazônia.

Por exemplo, os partidários do preservacionismo defendem a criação de unidades de conservação do grupo da proteção integral – Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre – como principal elemento para a Amazônia alcançar sustentabilidade por meio do limitado crescimento econômico promovido pela pecuária extensiva.

Em síntese, segundo preconiza essa corrente de pensamento, a proteção integral de determinadas porções de ecossistemas, onde não se permite a presença humana, seria suficiente para neutralizar os impactos ocasionados pela completa substituição da biodiversidade florestal nas demais áreas destinadas à criação extensiva de gado (leia-se: desmatamento legalizado), garantindo-se, dessa maneira, uma suposta manutenção do equilíbrio ecológico.

De outra banda, os adeptos do conservacionismo acreditam na possibilidade de compatibilização do modelo de desenvolvimento com os requisitos da sustentabilidade. Para os conservacionistas, o uso múltiplo e comercial da biodiversidade florestal pode gerar riqueza, desde que esteja inserido dentro do sistema econômico vigente e desde que seja respeitada a resiliência, ou capacidade de suporte, do ecossistema.

Apoiam, nesse sentido, a criação de unidades de conservação inseridas no grupo do uso sustentável – Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural –, como proposta adequada para o crescimento econômico ancorado no uso múltiplo da biodiversidade florestal.

São, por conseguinte, defensores do desmatamento zero – ou seja, pugnam pela erradicação de todo e qualquer desmatamento, seja ilegal ou legalizado, seja efetuado pelo grande ou pelo pequeno produtor –, como princípio elementar para conquista da sustentabilidade ecológica na Amazônia.

Não admitem, por isso, a completa substituição ou o corte raso da biodiversidade florestal, como também não aprovam a existência de áreas onde não seja autorizada a presença humana.

Trata-se, sem dúvida, de uma concepção bem mais complexa e de difícil aceitação do que o ponto de vista defendido pelo preservacionismo – que se baseia, grosso modo, na mera segregação de espaços: enquanto em determinadas áreas pode desmatar tudo, em outras, ninguém entra.

Ao que tudo indica, porém, o desmatamento legalizado admitido pelos preservacionistas está com os dias contados. Os países que assinaram o Acordo de Paris em 2015 não fazem distinção entre o desmatamento legalizado e o ilegal, e são intolerantes quanto a toda forma de desmatamento na Amazônia.

Em âmbito mundial, os preservacionistas estão perdendo a batalha ideológica, o desmatamento zero irá prevalecer. 

Há mais um fator que reforça a defesa do desmatamento zero como elemento central para o desenvolvimento sustentável amazônico. É que perdeu a validade o argumento de que as terras da Amazônia deveriam ser cultivadas para alimentar o mundo.

Argumento reiterado no decorrer da década de 1970 – quando ainda se acreditava que o solo da Amazônia, após a supressão da floresta, teria papel essencial na solução do dilema entre crescimento demográfico x oferta de alimentos –, mas que já foi completamente superado e hoje não passa de um grande despropósito.

Como demonstra a realidade, a revolução verde proporcionou aumento expressivo de produtividade em todo solo agriculturável disponível no planeta, o que solucionou o dilema e afastou a biodiversidade florestal da Amazônia do imbróglio.

Enfim, não existem ganhos de ordem social ou econômica que justifiquem conviver com a destruição florestal na Amazônia e seus efeitos nefastos para o aquecimento do planeta e as consequentes alterações no clima. Não há plano B.     

Zerar o desmatamento legalizado é o primeiro passo para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, tudo depende disso.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

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