segunda-feira, 26 de novembro de 2018



Contrabando de castanha para Bolívia não existe
* Ecio Rodrigues
A Bolívia figura, desde a década de 1990 – quando triplicou a venda de castanha-do-brasil (ou castanha-da-amazônia) para União Europeia, Estados Unidos e Ásia –, como o maior exportador mundial do produto. Essa expansão se deu graças aos castanhais localizados na Amazônia brasileira. 
Desde então, sempre que a safra de castanha tem início, surgem relatos apontando a existência de um suposto contrabando da amêndoa para os bolivianos.
Chega-se a conjecturar, inclusive, que o contrabando, e não a comercialização legalizada da produção, é o que infla as estatísticas de exportação daquele país.
Os rumores dão conta de cargas de castanha que atravessariam as fronteiras do Acre (pela BR-317) e de Rondônia (pela BR-409), em direção a Riberalta, onde os nossos vizinhos lograram organizar um cluster de exportação de castanha semibeneficiada (seca) – coisa que o Brasil nunca conseguiu fazer.
Especula-se que apenas no ano de 2003 uma quantidade aproximada de 16 mil toneladas de castanha in natura (com casca) deixou o território nacional, sem autorização fiscal e fitossanitária – o que teria causado um prejuízo de US$ 20 milhões ao Brasil.
Mas será que esse vultoso contrabando existe mesmo? Provavelmente, não.
Acontece que os produtores brasileiros não convivem de bom grado com o sucesso do cluster boliviano – e se aprazem em alimentar os boatos.
De outra parte, é muito remota – para não dizer impossível – a possibilidade de carretas carregadas trafegarem por quase mil quilômetros de rodovias federais, sem conhecimento ou autorização da Polícia Rodoviária e das autoridades fiscais.
Deixando de lado a distração (pois essa história de contrabando não passa disso), o que de fato merece atenção é a diminuição da importância econômica da castanha, um produto de monopólio natural amazônico, em consequência do desmatamento. 
As áreas de ocorrência dos castanhais, sobretudo na região de fronteira do Acre e Rondônia, coincidem com as terras mais afetadas pelo desmatamento destinado à criação de gado (principalmente) e plantio de grãos.
A conclusão, inevitável, é que, todos os anos, um expressivo número de castanheiras deixa de produzir, por uma razão simples: as árvores ficam dispersas nos pastos e cultivos.
Não se ignora que a castanheira, juntamente com mogno, seringueira e virola, integra o seleto grupo das árvores amazônicas que gozam de especial proteção, conferida pela legislação em vigor.
Sem embargo, é o desmatamento da floresta que está na origem do problema – como, de resto, na origem da maioria dos males amazônicos.
A castanheira detém a salvaguarda legal, mas o mesmo não ocorre em relação à floresta que a rodeia. Dessa forma, quando uma determinada área é desmatada, toda a vegetação ali presente é destruída, com exceção dos pés de castanheira – que ficam isolados em meio à pastagem.
Sem a mata ao redor, o inseto polinizador não chega até a copa da árvore para a fertilização, comprometendo o desenvolvimento dos ouriços e, por conseguinte, a produção das sementes.
Um contrabando impossível e, por suposto, insolúvel, distrai os gestores públicos. Enquanto isso, a castanheira definha nos pastos – e a Bolívia domina a exportação de castanhas.

Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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