terça-feira, 19 de dezembro de 2017


E se a Tentamen cair?
* Ecio Rodrigues
Para os não iniciados nas coisas do Acre, esclareça-se que o prédio que abriga a Sociedade Recreativa Tentamen fica no 2º Distrito e completa, com o Calçadão da Gameleira e o Cine Teatro Recreio, um conjunto de 3 reconhecidos símbolos culturais que remetem aos tempos áureos da produção de borracha.
Desde sua criação em 1924, a Tentamen se tornou ponto de encontro de seringalistas, comerciantes e servidores públicos que constituíam a nata de uma sociedade enriquecida pela extração de produtos florestais (em especial a borracha), contudo, ainda em formação.
Nesses quase 100 anos, a Tentamen alternou períodos de intensa atividade, como na primeira metade da década de 2000, com outros de completo abandono, como agora.
Existem pelo menos duas hipóteses relacionadas às consequências do desmoronamento (inevitável, se tudo continuar como tem sido nos últimos anos) do prédio da Tentamen.
Uma dessas hipóteses, na verdade, não é consequência, mas ausência de consequências – do mesmo jeito que ocorreu no caso dos prédios onde funcionavam as antigas sedes da Polícia Federal e da Associação de Teatro.
O último desabou faz tempo, sem que ninguém se desse conta, o primeiro desabará em breve, sem que ninguém dê a mínima.
A outra hipótese diz respeito à simbologia cultural de uma sociedade, ou seja, à representação do legado dessa sociedade no imaginário da população.
Acontece que, depois do último período de abandono, ainda no final da década de 1990, a reativação do prédio da Tentamen compôs o pacote de promessas eleitorais de uma força política recém-chegada ao poder.
Com discurso pautado no resgate do acreanismo e do regionalismo, por meio da promoção de uma economia que respeitava os ideais de sustentabilidade preconizados mundo afora, essa nova política se comprometia com um desafio ousado e muito complexo: harmonizar crescimento econômico e conservação da floresta. 
Palco de grandes festas e bailes carnavalescos, a Tentamen voltou a ser ponto de encontro de servidores públicos, empresários e de uma casta política deslumbrada com um projeto de desenvolvimento nunca antes experimentado na Amazônia.
Ancorado na exploração da biodiversidade florestal, o novo modelo econômico promoveria as reservas extrativistas e o manejo florestal comunitário, dois legados do Acre para a Amazônia, à condição de referência principal.
Esperava-se que, no médio prazo, a renda e o emprego advindos da produção florestal superassem os ganhos oriundos da criação de gado, de maneira a afastar os riscos trazidos pelo desmatamento inerente ao processo produtivo da pecuária.
Todos pareciam saber que alterações profundas na economia estadual, em direção à ampliação da oferta de produtos como sementes florestais, fauna silvestre e madeira (para ficar naqueles de maior valor comercial), exigiriam demasiado esforço técnico e determinação política.
O prédio da Tentamen, todo em madeira e construído num estilo arquitetônico típico da época áurea da borracha, não se destinava a funcionar apenas como salão de festas e ponto turístico, era mais que isso, era um símbolo desses novos tempos, que fortalecia o propósito de retomar o modelo econômico e o modo de vida dos antigos seringais.
Ou não. Pode ser que tenha sido só deslumbramento com um momento da história do Acre. Vai ver a Tentamen é só um prédio público mesmo, pode cair.



*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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