E se a Tentamen cair?
* Ecio Rodrigues
Para
os não iniciados nas coisas do Acre, esclareça-se que o prédio que abriga a
Sociedade Recreativa Tentamen fica no 2º Distrito e completa, com o Calçadão da
Gameleira e o Cine Teatro Recreio, um conjunto de 3 reconhecidos símbolos
culturais que remetem aos tempos áureos da produção de borracha.
Desde
sua criação em 1924, a Tentamen se tornou ponto de encontro de seringalistas,
comerciantes e servidores públicos que constituíam a nata de uma sociedade enriquecida
pela extração de produtos florestais (em especial a borracha), contudo, ainda em
formação.
Nesses
quase 100 anos, a Tentamen alternou períodos de intensa atividade, como na
primeira metade da década de 2000, com outros de completo abandono, como agora.
Existem
pelo menos duas hipóteses relacionadas às consequências do desmoronamento (inevitável,
se tudo continuar como tem sido nos últimos anos) do prédio da Tentamen.
Uma
dessas hipóteses, na verdade, não é consequência, mas ausência de consequências
– do mesmo jeito que ocorreu no caso dos prédios onde funcionavam as antigas
sedes da Polícia Federal e da Associação de Teatro.
O
último desabou faz tempo, sem que ninguém se desse conta, o primeiro desabará
em breve, sem que ninguém dê a mínima.
A outra
hipótese diz respeito à simbologia cultural de uma sociedade, ou seja, à
representação do legado dessa sociedade no imaginário da população.
Acontece
que, depois do último período de abandono, ainda no final da década de 1990, a
reativação do prédio da Tentamen compôs o pacote de promessas eleitorais de uma
força política recém-chegada ao poder.
Com
discurso pautado no resgate do acreanismo e do regionalismo, por meio da promoção
de uma economia que respeitava os ideais de sustentabilidade preconizados mundo
afora, essa nova política se comprometia com um desafio ousado e muito complexo:
harmonizar crescimento econômico e conservação da floresta.
Palco
de grandes festas e bailes carnavalescos, a Tentamen voltou a ser ponto de
encontro de servidores públicos, empresários e de uma casta política
deslumbrada com um projeto de desenvolvimento nunca antes experimentado na
Amazônia.
Ancorado
na exploração da biodiversidade florestal, o novo modelo econômico promoveria
as reservas extrativistas e o manejo florestal comunitário, dois legados do
Acre para a Amazônia, à condição de referência principal.
Esperava-se
que, no médio prazo, a renda e o emprego advindos da produção florestal
superassem os ganhos oriundos da criação de gado, de maneira a afastar os
riscos trazidos pelo desmatamento inerente ao processo produtivo da pecuária.
Todos
pareciam saber que alterações profundas na economia estadual, em direção à
ampliação da oferta de produtos como sementes florestais, fauna silvestre e
madeira (para ficar naqueles de maior valor comercial), exigiriam demasiado
esforço técnico e determinação política.
O
prédio da Tentamen, todo em madeira e construído num estilo arquitetônico típico
da época áurea da borracha, não se destinava a funcionar apenas como salão de
festas e ponto turístico, era mais que isso, era um símbolo desses novos tempos,
que fortalecia o propósito de retomar o modelo econômico e o modo de vida dos
antigos seringais.
Ou
não. Pode ser que tenha sido só deslumbramento com um momento da história do
Acre. Vai ver a Tentamen é só um prédio público mesmo, pode cair.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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